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A ingerência dos meios de comunicação na prisão preventiva

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16/07/2017 às 11:20
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CONCLUSÃO

Durante a realização deste trabalho, foi possível concluir que o sistema adotado no Brasil, para regular a prisão preventiva é extremamente precário e encontra dissonâncias em relação aos parâmetros que se encontram estabelecidos no texto da Constituição da República de 1988.

É notório que a decretação da medida cautelar restritiva de liberdade, em qualquer fase da persecução penal, é de extrema gravidade para o suposto agente delituoso, em razão do inegável sofrimento a que fica exposto o indivíduo (investigado ou acusado) sujeito à custódia preventiva.

Isso somado à precariedade das penitenciárias deste país, cuja função de reinserção do criminoso no meio social foi extinta.

Não há como sair reabilitado de “escolas do crime”, como são conhecidos os cárceres brasileiros.                     

Não bastasse isto, a sociedade também não entende o caráter preventivo do recolhimento, o que acarreta ao réu certas “sanções extrapenais”, ante o estigma de culpado que passa a ser atribuído ao preso cautelar, o qual passa, consequentemente, a ser segregado pela população.

Por não ser uma medida inofensiva, portanto, é que a constrição de liberdade apenas deve ser utilizada em situações excepcionais, quando evidente que as demais cautelares são insuficientes.

No entanto, não é este cenário que vem sendo apresentado atualmente na realidade deste país.

O recolhimento à prisão provisória vem sendo constantemente banalizado pelos aplicadores do Direito.

Isto vem sendo acarretado por diversas razões: medo generalizado imposto pelas notícias sensacionalistas da mídia; pressão popular; ou razões de convicção do julgador, que, ao arrepio do princípio do in dubio pro reo, na dúvida, prefere condenar.

Esta atitude de tomar a preventiva como regra desfigurou o instituto e só ocorre em razão da generalidade dos pressupostos cautelares contemporâneos insculpidos no Código de Processo Penal.

Os dispositivos legais autorizadores da custódia processual amplificam em demasia as significações de seus vocábulos, possibilitando a heterogeneidade de interpretações e infringindo o princípio constitucional da legalidade.

Neste contexto, resta à doutrina e à jurisprudência a difícil tarefa de delimitar os prazos e definir os parâmetros de abrangência dos requisitos autorizadores da manutenção da segregação preventiva.  

Porém, doutrina e jurisprudência não possuem a mesma força de aplicação a casos gerais e abstratos como ostenta a lei.

Diante disso, faz-se necessária uma nova reforma legislativa sobre o assunto, com a inserção de fundamentos claros e exatos a justificar a prisão, capazes de deixar a mínima margem possível de discricionariedade ao julgador.

A situação da ausência de prazo máximo para a custódia preventiva é ainda mais dramática que a indefinição de seus requisitos.

O poder do Estado é limitado pela lei e pelas garantias constitucionais.

A isto dá-se o nome de garantismo, cuja função é assegurar ao povo proteção contra os arbítrios estatais.

No entanto, infelizmente, quando a legislação é vaga, quem acaba sofrendo são os cidadãos.

Não são raros os casos de presos provisórios que foram esquecidos por décadas pelo Poder Judiciário em suas celas, durante o trâmite eterno de seus processos, e, ao final, ainda foram absolvidos.

Isso é um absurdo, que não pode mais se perpetuar no ordenamento jurídico em que estamos inseridos.

Infelizmente, mesmo com a modificação realizada pela Lei n° 12.403, de maio de 2011, este quadro não mudou.

Não se pode esquecer, além do mais, da influência desempenhada na persecução penal pelos meios de comunicação de massa.   

A mídia adora veicular informações relacionadas à prática delituosa e, para isso, reveste os fatos de sensacionalismo e desvirtua a informação de sua realidade, para chamar mais a atenção da população e atingir objetivos políticos e econômicos.

Contudo, esta prática não é inofensiva e acarreta aos cidadãos um medo generalizado e uma sensação de impunidade.

Ato contínuo, a sociedade, em choque e já condenando o, até então, investigado, passa a exigir a imediata imposição da constrição de liberdade.

Essa pressão, inevitavelmente, repercute na decisão do juiz, mesmo que de forma inconsciente, podendo causar prejuízos ao exercício da jurisdição.

Surge, então, como tarefa à adequada apreciação do caso concreto a adoção, por parte do magistrado, de uma atitude ininterrupta de desconfiança a respeito de suas verdades e antecipações, bem como das divulgações midiáticas, com o intuito de minimizar o máximo possível a contaminação de suas sentenças com as suas próprias concepções morais ou com a opinião popular, assumidas, à primeira vista, como verdades.

Ainda, a função empresarial dos noticiários não deve se sobrepor, em hipótese alguma, à função social de informar.

Logo, deve o Estado fazer uso das prerrogativas a ele inerentes, para exigir dos meios de comunicação de massa a divulgação de notícias de cunho objetivo, em particular quando relacionadas com o Direito Penal.

Uma via para isto poderia ser a implementação de políticas de redução da carga tributária, a qual satisfaria, em parte, o interesse econômico das instituições jornalísticas, que, em troca, exerceriam suas atribuições nos limites estabelecidos pelo controle efetuado pelo ente estatal.

Ademais, seria útil também a exigência de conhecimento jurídico, mesmo que mínimo, por parte das empresas responsáveis pela divulgação de fatos criminais, com a finalidade de erradicar as aberrações jurídicas que são ditas e escritas com frequência nos meios de comunicação.

Por fim, teria enorme utilidade a criação de normas regulamentadoras da publicidade dos atos judiciais, cujas sanções pela distorção dos fatos propagados responsabilizariam civil e penalmente o infrator, já que a liberdade de informar, somente é assegurada pela Magna Carta quando associada à veracidade.

E, para garantir efetividade às regras instituídas, deveria o Estado criar um órgão para a fiscalização e o controle da atuação dos meios de comunicação de massa, na divulgação das notícias relacionadas com a atuação do Poder Judiciário, em especial quando o tema tratado for referente à apuração do cometimento de crimes ou à decretação ou manutenção da segregação preventiva.

Em suma, as medidas expostas permitirão um convívio mais equilibrado entre a mídia e o Poder Judiciário, bem como uma maior adequação da prisão preventiva com os preceitos contidos na Constituição Federal, trazendo mais segurança jurídica ao Direito Processual Penal e, reflexamente, aos cidadãos.


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CECHINEL, Liliana. A ingerência dos meios de comunicação na prisão preventiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5128, 16 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58882. Acesso em: 19 mai. 2024.

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