Recente decisão do Superior Tribunal de Justiça [i] considerou abusiva a exclusão de cobertura securitária, em seguro de vida, para sinistro ocorrido em decorrência de embriaguez ao volante, mesmo que esta tenha sido a causa determinante da morte do segurado, ou seja, mesmo tendo havido nexo de causalidade entre a ingestão de bebida alcoólica e o acidente que vitimou o segurado.
É um precedente da Corte, pode-se dizer, inédito, já que o entendimento que o STJ vinha tendo, até o momento, era no sentido de que, se comprovado o nexo de causalidade (efeito do álcool e morte), a indenização não seria devida.
Nesse sentido o seguinte julgado: “A embriaguez do segurado, por si só, não exime o segurador do pagamento de indenização prevista em contrato de seguro de vida, sendo necessária a prova de que o agravamento de risco dela decorrente influiu decisivamente na ocorrência do sinistro” [ii]
A decisão, entretanto, faz a distinção entre as coberturas de automóvel e vida. Para os seguros de automóvel, entenderam os Ministros, ser perfeitamente lícita a exclusão para eventos decorrentes do estado de embriaguez ao volante, uma vez que se trata de seguro de dano, onde o que se visa proteger é exclusivamente o patrimônio.
Já nos seguros de vida, essa exclusão é ilícita, uma vez que, in verbis,
“As cláusulas restritivas do dever de indenizar no contrato de seguro de vida são mais raras, visto que não podem esvaziar a finalidade do contrato, sendo da essência do seguro de vida um permanente e contínuo agravamento do risco segurado.”
Esse tratamento diferenciado, no que toca ao regime de agravamento de risco, entre os seguros de danos e seguros de pessoas (seguro de vida) não é estranho ao direito comparado.
Com efeito, a lei de seguros portuguesa, em seu artigo 190 [iii], por exemplo, exclui, nos seguros de vida, a obrigação do segurado de comunicar ao segurador, durante a vigência do contrato, as circunstâncias que agravem o risco, impedindo que tais circunstâncias possam alterar as condições do seguro ou permitam a rescisão por parte da Seguradora.
Na mesma linha, está o artigo 81 [iv] da recente Lei Belga de Seguros, promulgada em 2014.
Mas a conclusão mais importante que se pode extrair da decisão ora em comento é que, embora no caso concreto, trate da ilicitude da exclusão de cobertura por embriaguez, ela foi mais além: Sinalizou um entendimento no sentido de afastar, nos seguros de vida, a exclusão baseada no agravamento de risco em geral.
Com efeito, ressaltou o E. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, relator do caso, que:
“No contrato de seguro de vida, ocorrendo o sinistro morte do segurado e inexistente a má-fé dele (a exemplo da sonegação de informações sobre eventual estado de saúde precário - doenças preexistentes - quando do preenchimento do questionário de risco) ou o suicídio no prazo de carência, a indenização securitária deve ser paga ao beneficiário, visto que a cobertura neste ramo é ampla.”
Depreende-se do texto acima que, à exceção da hipótese de má-fé do segurado ou suicídio no prazo de carência, a indenização, no seguro de vida, deve ser paga. Vale dizer, a seguradora não pode se valer do argumento de que o segurado agravou o risco para se eximir da obrigação de pagar a indenização.
Notas
[i] RESP nº 1.665.701 RS, Terceira Turma, rel. Mi. Ricardo Villas Boas Cueva, v.u., j.09/05/2017;
[ii] RESP nº 1.451.386 SC, Terceira Turma, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, v.u., j.21/03/2017;
[iii] Art. 190 - “O regime do agravamento do risco previsto nos artigos 93.º e 94.º não é aplicável aos seguros de vida, nem, resultando o agravamento do estado de saúde da pessoa segura, às coberturas de acidente e de invalidez por acidente ou doença complementares de um seguro de vida”;
[iv] “§ 1er. Sauf s'il s'agit d'un contrat d'assurance sur la vie, d'assurance maladie ou d'assurance-crédit, le preneur d'assurance a l'obligation de déclarer, en cours de contrat, dans les conditions de l'article 58, les circonstances nouvelles ou les modifications de circonstance qui sont de nature à entraîner une aggravation sensible et durable du risque de survenance de l'événement assuré.”