No dia 23 de julho de 2012, o Supremo Tribunal Federal proferiu uma decisão importante para a expansão das garantias constitucionais, sobretudo no que diz respeito à liberdade do indivíduo,demonstrando através de pronunciamento judicial que a liberdade deve sempre ser vista como regra e sua privação como exceção.
Trata-se do HC 114.450-SP, que tem como impetrante a Defensoria Pública do Estado de São Paulo e como coator o relator do HC 245.560 do Superior Tribunal de Justiça. A relatoria é do Ministro Joaquim Barbosa.
O caso chegou a mais alta Corte da nação depois que primeiramente foi imposto ao menor, pela suposta prática de ato infracional equiparado ao crime de tráfico ilícito de entorpecentes, a medida socioeducativa de liberdade assistida e de tal decisão recorreu o MP que conseguiu sucesso em sua intentada passando o menor a ter de cumprir medida socioeducativa de internação. A Defensoria Pública recorreu ao STJ que indeferiu o HC impetrado, o que deu causa ao HC em exame.
O relator fez questão de mencionar que é pacífico no STF o entendimento de que é inadmissível a impetração sucessiva de habeas corpus, sem o julgamento de mérito anteriormente impetrado, o que deu vida à Súmula de número 691 do STF que leciona:
“Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar”
O Ministro Joaquim Barbosa sustenta em seu voto o abrandamento desta Súmula no caso concreto, vez que o cerceamento de liberdade de locomoção do assistido pela Defensoria Pública é resultado de uma ilegalidade ou, no mínimo, de abuso de poder. Por isso, expõe que “identifica a plausibilidade jurídica do pedido veiculado na impetração”.
Contribuindo ainda mais para a valorização da criança e do adolescente no Brasil o relator diz que a Constituição assegura o mais amplo acesso aos direitos de prestação positiva e em particular conjunto normativo-tutelar aos indivíduos em desenvolvimento, citando para fundamentar seu pensamento o art. 227, parágrafo 3, que tem redação voltada a demonstrar a excepcionalidade quando da aplicação de qualquer medida privativa de liberdade.
Apesar do verdadeiro “Direito Penal do Inimigo” que se impõe na mídia e nos tribunais brasileiros contra o tráfico de drogas e seus “funcionários”, o Supremo Tribunal Federal tem mostrado no tipo de decisão ora analisada e em outras, como no HC 93.900, da relatoria do Ministro Cezar Peluso, que a medida de internação só pode ser imposta quando presentes os requisitos do art.121 e 122 do ECA (Lei 8069/90) e não pela simples gravidade abstrata da conduta.
Para enfatizar sua posição quanto à superação da Súmula 691 para casos envolvendo crianças e adolescentes o relator do HC114.450/STF finaliza sua exposição dispondo que não obstante o óbice da Súmula, defere a medida cautelar requestada pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
Como não podia deixar de ser tal decisão virou referência e fez sucesso no meio jurídico, como se depreende da notícia veiculada na página virtual da Defensoria Pública de São Paulo no dia 13 de agosto de 2012:
“A pedido da Defensoria Pública de SP, STF concede liminar em habeas corpus para reverter internação ilegal de adolescente.
Veículo:DPE, Data: 13/08/12, Estado: SP
A Defensoria Pública de SP obteve no último dia 23/7 uma liminar favorável em sede de habeas corpus no Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou a imediata cassação de ordem de internação que havia sido imposta a um adolescente. A decisão foi concedida pelo Ministro Presidente, Carlos Ayres Britto.
O adolescente havia sido acusado da prática de ato infracional equiparado ao delito de tráfico de drogas, na cidade de Taubaté. Em primeira instância, foi-lhe aplicada uma medida socioeducativa de liberdade assistida. Após recurso de apelação do Ministério Público, o Tribunal de Justiça do Estado (TJ-SP) agravou sua situação, impondo-lhe a medida de internação.
O Defensor Público Ruy Freire Ribeiro Neto impetrou um habeas corpus ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), argumentando que o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a medida de internação apenas para casos excepcionais, nas hipóteses taxativas descritas em seu art. 122. O STJ denegou o pedido liminar, o que motivou novo habeas corpus ao STF.
O Ministro Ayres Britto apontou que o TJ-SP “havia embasado a ordem de internação na gravidade abstrata da conduta” e entendeu ser pertinente superar no caso a súmula nº 691 do próprio tribunal, que diz ser excepcional a concessão de ordem de habeas corpus antes do julgamento de mérito de instância inferior.
Para o Defensor Ruy, a superação da súmula nº 691 do STF “é um aspecto importante da decisão e demonstra como uma atuação ágil perante aquele tribunal pela Defensoria Pública deve impor a tempo a observância do Estatuto da Criança e do Adolescente em casos urgentes”.
A aplicação da Súmula 691 do STF aos casos envolvendo crianças e adolescentes também foi alvo de artigo escrito pela Defensora Pública do Estado de São Paulo Bruna Nunes na Revista Especial da infância e juventude no ano de 2011.
O texto aponta que, dentro do âmbito penal, apesar de questionável, pode admitir-se a aplicação desta Súmula. Esta situação, por outro lado, não ocorre nos “habeas corpus” impetrados a favor de adolescentes, tendo em vista a celeridade do procedimento observado no art. 183 do ECA, que dispõe que o prazo máximo para conclusão do processo na hipótese de o adolescente encontrar-se internado provisoriamente é de 45 dias.
A Defensora Pública diz que, para elucidação do raciocínio teórico, basta fixarmos como prazo médio o período de 1 ano para cumprimento da medida socioeducativa restritiva de liberdade. Contrapondo-o com prazo mínimo do julgamento de mérito de um “habeas corpus” por um Tribunal de Justiça, que gira em torno de 6 meses, facilmente verificamos que há patente incompatibilidade entre os prazos delineados.
Aplicado o teor da Súmula, as Instâncias Superiores só poderiam ser acessadas depois de todo esse trâmite, tornando por algumas vezes desnecessária ou demasiadamente tardia a manifestação dos Tribunais Superiores; ou porque o adolescente já teve o seu direito de liberdade restituído ou porque já cumpriu mais da metade da medida socioeducativa.
Por fim, tal situação viola o acesso integral à justiça, pois, ao mesmo tempo, tolhe ao adolescente o direito de acessar aos Tribunais Superiores, restringe o alcance das garantias e ainda o coloca em extrema desvantagem em relação ao adulto.