A desapropriação e a incidência de impostos

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24/07/2017 às 18:43

Resumo:


  • A indenização recebida por desapropriação não configura acréscimo patrimonial e, portanto, não está sujeita ao Imposto de Renda, conforme entendimento consolidado pelo CARF na Súmula nº 42.

  • O imposto de renda não incide sobre juros moratórios e compensatórios em ações de desapropriação, pois estes juros possuem natureza indenizatória e não representam aumento da capacidade contributiva do expropriado.

  • Na retrocessão, a restituição de um imóvel desapropriado ao antigo proprietário pode gerar a incidência do imposto de transmissão de bens imóveis (ITBI), conforme a Súmula 111 do STF, embora o entendimento sobre a matéria tenha sido objeto de discussão na jurisprudência.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

II - IMPOSTO DE RENDA E JUROS COMPENSATÓRIOS E MORATÓRIOS NA DESAPROPRIAÇÃO 

Pergunta-se se o imposto de renda (especialmente o de lucro imobiliário) incide  sobre os juros compensatórios e moratórios decorrentes da desapropriação.

O Superior Tribunal de Justiça vem pacificando o entendimento de que “em desapropriação, os juros compensatórios integram o ressarcimento., como se lê do Recurso Especial 111.293/SP, Relator Milton Luiz Pereira, DJ de 30 de setembro de 1996 e ainda do Recurso Especial 93.518/SP, Relator ministro Hélio Mosimann, DJ de 26 de agosto de 1996.

 Para José Carlos Moraes Salles (Desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência, 2ª edição, pág. 510), não há incidência, porque não há compra e venda na desapropriação; nesta, o expropriante apanha o bem e o deliga de qualquer apropriação anterior, sem que haja transmissão por interposta pessoa. Entende-se que a desapropriação é modo originário de aquisição da propriedade.

Sendo assim não há que se falar em lucro na desapropriação.

Outra discussão se dá com relação a incidência do imposto de renda sobre juros moratórios legais em decorrência de indenização na desapropriação.  O Recurso Especial 1227133, DJe de 19 de outubro de 2011, entendeu que não.

RECURSO ESPECIAL. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. JUROS DE MORA LEGAIS. NATUREZA INDENIZATÓRIA. NÃO INCIDÊNCIA DE IMPOSTO DE RENDA.

Não incide imposto de renda sobre os juros moratórios legais em decorrência de sua natureza e função indenizatória ampla.

Destaco o voto vencido do ministro Teori Zavascki: 

No mérito, é indispensável enfatizar, antes de mais nada, que a 1ª Seção já há muito tempo afastou a tese segundo a qual as verbas indenizatórias, só por terem essa natureza, estão ipso facto fora da hipótese de incidência do imposto de renda. Esse tema foi examinado, didaticamente e com absoluto rigor técnico, pelo Ministro Herman Benjamin, relator do EResp 695.499 (1ª Seção, DJe 24/09/07), reproduzido depois no EResp 952.196 (1ª Seção, DJe 19/12/08), também de sua relatoria. Reproduzo, do seu voto, a parte do capítulo específico, a saber:

2. Da possibilidade de incidência do Imposto de Renda sobre verba indenizatória

Reafirmo que a hipótese dos autos assemelha-se à questão enfrentada nos referidos REsp 695.499/RJ. Nessa oportunidade, manifestei-me nos seguintes termos:

Ainda que se pudesse atribuir caráter indenizatório à verba recebida pelos advogados da Caixa (dada a aparente vaguidade do termo "indenização"), tal fato não a retira, necessariamente, do âmbito de incidência do Imposto de Renda. Há que se analisar se houve ou não acréscimo patrimonial.

Para tanto, faz-se necessário saber se estamos diante de mera reconstituição de perda patrimonial efetivamente suportada, ou seja, se os advogados experimentaram, num primeiro momento, diminuição em seu patrimônio (material) e se tal perda foi, num segundo momento, recomposta pelo pagamento da aludida verba.

O conceito de indenização é por demais abrangente, pelo que não se pode afirmar que a verba indenizatória não representa, em nenhuma hipótese, acréscimo patrimonial. Como bem consignado no voto proferido pelo saudoso Ministro Teori Zavascki no julgamento do Especial ora embargado, a afirmação será verdadeira se estivermos diante de dano emergente efetivamente suportado, mas já não valerá se se tratar de lucros cessantes. No primeiro caso, a indenização recompõe o patrimônio e sobre este não incidiria o Imposto de Renda. No segundo caso, os lucros cessantes (por se tratarem de compensação por ganhos tributáveis que deixaram de ser auferidos regularmente) devem ser oferecidos à tributação.

Para ilustrar o que acima foi dito, pensemos na hipótese de um veículo colidir, culposamente, com um táxi, danificando-o. O taxista pede a reparação do dano referente ao conserto do automóvel (R$ 10.000,00) e mais R$ 5.000,00 a título de lucros cessantes, pelo tempo que ficou sem possibilidade de trabalhar. Sobre o valor referente à recomposição do patrimônio (conserto do automóvel) não incidirá o Imposto de Renda. Isso porque não representa qualquer acréscimo patrimonial. Contudo, o tributo incidirá sobre os valores recebidos em razão dos lucros cessantes, já que constituem verdadeiro acréscimo patrimonial.

Note-se que, se o dano não tivesse ocorrido, o Imposto de Renda não incidiria sobre o valor do automóvel de que o taxista já era proprietário (se o patrimônio já existia, não há que se falar em acréscimo patrimonial); mas seria devido o tributo sobre a renda obtida pelo taxista em razão de seu trabalho (o que foi indenizado a título de lucros cessantes).

Concluo, assim, que para verificar se há ou não incidência de Imposto de Renda sobre determinada verba é fundamental analisar se se trata de acréscimo patrimonial. O simples fato de a verba poder ser classificada como "indenizatória" não a retira do âmbito de incidência do Imposto. É o que se depreende da redação do CTN:

Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior .

1 o A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento , da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)

A Lei7.7133/88, por sua vez, retira algumas indenizações do âmbito de incidência do Imposto de Renda. Veja-se:

Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguinte rendimentos percebidos por pessoas físicas:

...............................................................................

IV - as indenizações por acidentes de trabalho;

V - a indenização e o aviso prévio pagos por despedida ou rescisão de contrato de trabalho, até o limite garantido por lei, bem como o montante recebido pelos empregados e diretores, ou respectivos beneficiários, referente aos depósitos, juros e correção monetária creditados em contas vinculadas, nos termos da legislação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço;"

Assim, deve-se analisar se a indenização enquadra-se ou não no campo de incidência do imposto, previsto no art. 43, do CTN, e no art. 3º, da Lei 7.713/88, e, em seguida, se há norma específica de isenção.

Diante da pluralidade de situações abarcadas pelo termo" indenização "tenho que é impossível construir o conceito de (não) incidência a partir de uma classificação dualista quanto à natureza da verba: indenizatória/remuneratória. Como visto, o conceito determinante para a incidência ou não do Imposto de Renda é o de acréscimo patrimonial e este não é absolutamente incompatível com a indenização, devendo ser verificado caso a caso.”

Esse mesmo entendimento foi reiterado pela 1ª Seção em várias outras oportunidades. Assim, por exemplo, no EResp 979.765, Min. Mauro Campbell Marques (DJe 13/08/08), restou enfatizado, com igual rigor técnico:

"Não é o nomen juris, mas a natureza jurídica da verba que definirá a incidência tributária ou não. O fato gerador de incidência tributária sobre renda e proventos, conforme dispõe o art. 43 do CTN, é tudo que tipificar acréscimo ao patrimônio material do contribuinte".

No voto que então proferiu, o Ministro relator, invocando precedentes da Seção, acentuou, com inteira propriedade, o seguinte:

"EREsp 695.499/RJ, de relatoria do Ministro Herman Benjamin, apreciou caso em que se discutiu a incidência de Imposto de Renda sobre os valores recebidos pelos advogados da Caixa Econômica Federal, a título de compensação pela renúncia a direitos por força de acordo coletivo.

(...)

Parece-me que a matéria de fundo dos presentes autos é análoga à questão jurídica abordada no referido julgamento da Primeira Seção. Na ocasião, prevaleceu a tese de que, nesses casos, é necessário perquirir: Primeiro: se as verbas recebidas por força de acordo coletivo possuem natureza remuneratória ou indenizatória; e Segundo: no caso de possuírem natureza indenizatória, se configuram acréscimo patrimonial (correspondência a lucros cessantes ou a danos imateriais emergentes) ou não (correspondência a danos materiais emergentes). Decerto, o imposto de renda não incidirá se as verbas possuírem natureza indenizatória e, concomitantemente, não configurarem acréscimo patrimonial (hipótese de correspondência a danos materiais emergentes).

(...)

Entende-se por indenização o valor com o intuito de reparar ou recompensar o dano causado a um bem jurídico, que pode ter natureza patrimonial ou não, e cujo objetivo é o de recompor efetivamente uma perda conseqüente, uma lesão. Contudo, se tal indenização importar acréscimo patrimonial sujeitar-se-á à exação, exceção feita aos casos previstos na legislação. O imposto sobre a renda tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica da renda (produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos) e de proventos de qualquer natureza (art. 43 do CTN), ou seja, tudo que tipificar acréscimo ao patrimônio material do contribuinte (...).

No julgamento do EResp 666.288, de minha relatoria (DJe de 09/06/08), o entendimento da Seção foi mais uma vez reafirmado, constando da ementa o seguinte:

"O imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador, nos termos do art. 43 e seus parágrafos do CTN, os"acréscimos patrimoniais", assim entendidos os acréscimos ao patrimônio material do contribuinte".

Registrei no voto então proferido, invocando o precedente dos Embargos de Divergência 695.499/RJ (Min. Herman Benjamin, DJe de 24.09.07):

"Esse entendimento deve presidir a decisão do caso aqui em exame. Ele se ajusta também à jurisprudência firmada pela 1ª Seção, notadamente a partir do julgamento do EREsp 770.078/SP (Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 11.09.2006), acerca da regra matriz de incidência do imposto de renda. Ficou ali estabelecido que, independentemente do caráter indenizatório ou não de determinado pagamento, o imposto incide sobre os" acréscimos patrimoniais ", assim entendidos os acréscimos ao patrimônio material do contribuinte". Ocorrendo acréscimo material no patrimônio (como no caso ineludivelmente ocorre) a dispensa do tributo depende de isenção expressamente prevista na lei (que, no caso, não existe).

Em todos esses precedentes, a Seção, como se percebe, fez a adequada distinção entre não-incidência e isenção. Configura típico caso de não-incidência qualquer ganho ou pagamento estranho ao fato imponível descrito no art. 43 do CTN, a saber: “(...) a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.” Qualquer "renda" ou "provento" que não acarreta acréscimo ao patrimônio material (como é o caso, por exemplo, da indenização por dano emergente) está, ipso facto , fora do alcance da tributação, pela singela razão de caracterizar hipótese de não-incidência, ou seja, hipótese de não ocorrência do fato gerador. Fato desse jaez, na expressão de Ataliba, é "irrelevante para o direito tributário" (ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária, 6ª ed., SP:Malheiros, 2005, p. 68).

Todavia, o pagamento de indenização que importa acréscimo patrimonial (e, portanto, que configura o fato imponível), está, em regra, sujeito a tributação, que somente deixará de ocorrer se a lei assim o declarar expressamente, vale dizer, se a lei o isentar da tributação. É por isso que se diz, em boa doutrina, que a isenção constitui uma hipótese de "não-incidência legalmente qualificada" (CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 24ª ed., SP: Malheiros, 2008, p. 845), sujeita, sempre, ao princípio da legalidade estrita (CTN, art. 176) e à interpretação literal (CTN, art. 111, II).

4.Ora, quanto aos juros moratórios, não há dúvida de que a sua natureza é indenizatória, assim qualificada tanto no regime do atual Código Civil (art. 404), como também no do Código de 1916 (art. 1.061). Mas é igualmente indubitável que o seu pagamento, por não se destinar à cobertura de qualquer espécie de dano emergente, acarreta necessariamente um real acréscimo ao patrimônio material do credor. Sendo assim, impõe-se a conclusão de que o pagamento de juros moratórios tipifica o fato imponível descrito no art. 43 do CTN.

5.Resta investigar, seguindo a metodologia antes enunciada, se os juros moratórios estão contemplados pelo benefício de isenção (= não-incidência legalmente qualificada). Para tal mister se faz indispensável, em face do princípio da legalidade estrita, o exame dos textos normativos que tratam da matéria. Em voto vista proferido no REsp 1.002.665, cujo julgamento ainda não foi concluído pela Seção, o Ministro Mauro Campbell Marques fez minuciosa reconstituição histórica das normas a respeito do imposto de renda sobre juros de mora. Mostrou que "o primeiro normativo relevante para o caso é o disposto no art. 16, caput e parágrafo único, da Lei n. 4.506/64", esse do seguinte teor:

“Parágrafo único. Serão também classificados como rendimentos de trabalho assalariado os juros de mora e quaisquer outras indenizações pelo atraso no pagamento das remunerações previstas neste artigo.”

Observou o Ministro Mauro Campbell Marques, na oportunidade:

“A lei foi clara ao reconhecer a incidência do IR sobre os juros de mora e quaisquer outras indenizações. Reconheceu também, de modo implícito, a natureza jurídica dos juros de mora como sendo indenizatória ("outras indenizações") (...).”

Anotou, mais adiante, em seu voto:

“Sobreveio o Código Tributário Nacional (Lei n. 5.172/66) (...). Esta lei (CTN) fixou o fato gerador do imposto de renda como sendo a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda (produto do capital e/ou do trabalho) ou de proventos (acréscimos patrimoniais em geral). Com efeito, se a natureza dos juros de mora é indenizatória, como já reconhecido pelo art. 16, parágrafo único, da Lei n. 4.506/64, por óbvio os juros de mora não são produto do capital ou do trabalho. Os juros de mora são produto da própria mora, do ato ilícito contratual ou extracontratual praticado por outrem. É a qualidade de toda a verba indenizatória. Não se trata aí de emprego de capital, mas de ressarcimento, indenização. Coisa completamente distinta de investir o capital em algo com a perspectiva de retorno. Diferem assim dos juros remuneratórios, que são, estes sim, o produto do capital investido. Portanto, data vênia dos que pensam de modo contrário, a tributação dos juros de mora somente pode ser a título de acréscimos patrimoniais (proventos de qualquer natureza), não se amoldando à hipótese prevista no inciso I, mas sim no inciso II do citado art. 43, do CTN.”

Prosseguindo, o voto examinou os textos normativos que tratam da retenção do imposto de renda na fonte (mais especificamente, o art. 7º, do Decreto-Lei n. 1.302/73, que teve a sua redação alterada pelo Decreto-Lei n. 1.494/76 e pelo Decreto-Lei n. 1.584/77), para concluir o seguinte:

“A lei, como regra geral, manteve a incidência do IR sobre os juros de mora, apenas mudando a técnica de tributação ao dispensar os valores da soma para efeito do enquadramento na tabela de alíquotas (art. 7º, 2º, a"). Foram reforçados os conceitos já desenvolvidos de que juros de mora são verbas indenizatórias classificadas na condição de lucros cessantes”.

Esse minucioso histórico do sistema normativo evidencia, portanto, que os juros de mora não estão contemplados por qualquer norma específica de isenção. Pelo contrário, além de não isentar, a lei, na verdade, reiterou em várias oportunidades a incidência de imposto de renda sobre tais recebimentos. A tese de que o novo Código Civil revogou o parágrafo único do art. 16 da Lei 4.506/64 é manifestamente improcedente. Antes de mais nada, porque, considerada a diferente especialidade da matéria tratada em cada uma das normas, não há como estabelecer parâmetros de compatibilidade ou não entre elas. Ademais, é importante reafirmar que a natureza indenizatória dos juros de mora não foi criação do novo Código Civil, até porque as leis não têm o poder de mudar a natureza das coisas. Tanto quanto no Código de 2002 (art. 404), também no regime anterior tais juros correspondiam a pagamento de “perdas e danos” (CC/16, art. 1.061). Ademais, ao atribuir a natureza indenizatória aos juros de mora, o art. 404 do atual Código (a exemplo do que ocorria com o art. 1.061 do Código anterior), antes de ser incompatível, guarda, na verdade, perfeita harmonia com o mencionado parágrafo único do art. 16, cujo enunciado normativo, basta conferir, tem por pressuposto evidente a natureza de “indenização” conferida aos referidos juros, já que sujeita à tributação"os juros de mora e quaisquer outras indenizações pelo atraso no pagamento das remunerações".

Ora, se há vários dispositivos de lei em vigor, prevendo a incidência de imposto de renda sobre juros de mora, a sua não-aplicação somente seria justificável mediante a declaração de inconstitucionalidade, observado o princípio da reserva de plenário a que se refere o art. 97 da Constituição. Conforme lembrou a Ministra Denise Arruda, em voto proferido no já mencionado REsp 1.002.665, a alternativa de não aplicar a lei sem declarar sua inconstitucionalidade representaria ofensa ao citado princípio constitucional, como faz certo a Súmula Vinculante 10/STF: “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte”. Não há razão alguma para sustentar, no caso, a presença desse vício capital, que, ademais, sequer foi sugerido nos autos.

6.Há, todavia, uma relevante hipótese a ser considerada: é a que diz respeito aos juros de mora incidentes sobre ganhos que a lei considera isentos. Exemplificando: por força do art. 6º da Lei n. 7.713/88 (regulamentado pelo art. 39, XX do Decreto 3.000/99 - Regulamento do Imposto de Renda), estão isentas desse imposto, entre outras verbas, “(...) V - a indenização e o aviso prévio pagos por despedida ou rescisão de contrato de trabalho, até o limite garantido por lei, bem como o montante recebido pelos empregados e diretores, ou respectivos beneficiários, referente aos depósitos, juros e correção monetária creditados em contas vinculadas, nos termos da legislação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço”. Se o valor do principal, assim considerado, está isento do tributo, põe-se a questão de saber se os eventuais juros de mora que sobre ele incidem estão ou não contemplados pelo mesmo benefício fiscal.

A jurisprudência tradicional de ambas as Turmas da 1ª Seção responde afirmativamente a essa importante questão. Considera que, para o específico efeito tributário de que se cogita, os juros moratórios guardam, com o principal, uma relação de mera acessoriedade, a significar que a isenção do principal se estende também aos juros moratórios sobre ele incidentes. Nesse sentido: REsp 675.639, 1ª Turma, Min. Luiz Fux, DJ de 13/02;06; REsp 615.625, 1ª Turma, Min. Denise Arruda, DJ de 07/11/06; AgRg no REsp 1.037.731, 1ª Turma, Min. José Delgado, DJ de 01/08/08; REsp 1.024.188 (1ª Turma, Min. Francisco Falcão, DJ 28/04/08; AgRg no REsp 1.058.437, 1ª Turma, Min. Francisco Falcão, DJ de 04/09/08; REsp 964.122, 1ª Turma, Min. Luiz Fux, DJ de 03/11/08; REsp 1.072.609, 1ª Turma, Min. Benedito Gonçalves, DJ de 12/11/08; AgRg no REsp 1.063.429, Min. Benedito Gonçalves, DJ de 15/12/08; REsp 1.044.019, 2ª Turma, Min. Carlos Fernando Mathias, DJ de 09/04/08; REsp 1.037.277, 2ª Turma, Min. Castro Meira, DJ de 28/05/08; REsp 1.037.967, 2ª Turma, Min. Eliana Calmon, DJ de 30/05/08.

Dessa orientação se conclui, portanto, que, embora não haja lei de isenção dirigida específica e diretamente a juros de mora, o sistema normativo contempla uma espécie de isenção indireta, que pode ser assim enunciada: aplica-se aos correspondentes juros de mora a isenção que beneficia o valor da prestação principal.

7.Firmadas essas premissas, examine-se o caso concreto, que diz respeito a imposto de renda sobre juros moratórios incidentes sobre pagamentos de prestações de contrato de trabalho, realizados em execução de sentença proferida em reclamação trabalhista. A presente demanda (declaratória e de repetição de indébito) contém, quanto ao ponto, os seguinte pedidos sucessivos:

c) Seja reconhecida e declarada a inexigibilidade total do imposto de renda sobre os juros moratórios.

d) Caso não entenda pela inexigibilidade total do imposto de renda sobre os juros moratórios, seja reconhecido o direito de restituição do indébito referente aos juros moratórios das verbas indenizatórias apuradas na reclamatória trabalhista (fls. 20).

Ao que se depreende dos autos, houve, por ocasião da execução da sentença trabalhista, retenção de imposto de renda relativo aos juros de mora que incidiram sobre as seguintes parcelas objeto da condenação: adicional de insalubridade, horas extras, adicional noturno e hora reduzida noturna, diferenças de dobras de domingos, diferenças decorrentes da substituição, diferenças de 13º salário, ajuda alimentação e diferenças de FGTS sobre as parcelas remuneratórias deferidas (fls. 32/33).

À luz das premissas antes firmadas, o pedido deve ser acolhido em parte. Conforme demonstrado, com pagamento de juros de mora restou configurado o fato gerador, de modo que a exigência do tributo somente pode ser afastada quando há isenção em relação à prestação principal. No caso, não existe esse benefício em relação às parcelas de natureza salarial, razão pela qual os correspondentes juros de mora estão sujeitos à incidência do tributo. Todavia, merece acolhida, em parte, o pedido no que se refere aos juros de mora sobre o valor do"auxílio alimentação"e das diferenças de FGTS. Com efeito, tais juros assumem, para efeito de imposto de renda, o mesmo regime das respectivas prestações principais, prestações essas que, no caso, estão contempladas por isenção, nos termos previstos no art. 6º, I e V da Lei 7.713/88 e do art. 39, IV e XX do Decreto 3.000/99 RIR/99.

8.Diante do exposto, dou parcial provimento ao recurso especial, nos termos da fundamentação. Considerando tratar-se de recurso submetido ao regime do art. 543-C, determina-se a expedição de ofício, com cópia do acórdão, devidamente publicado:

(a) aos Tribunais Regionais Federais e aos Tribunais de Justiça (art. 6º da Resolução STJ 08/08), para cumprimento do 7º do art.5433CCC doCPCC;

(b) à Presidência do STJ, para os fins previstos no art. 5ºº, II da Resolução STJ088/08;

(c) à Comissão de Jurisprudência, com proposta de aprovação de súmula nos seguintes termos:"Incide imposto de renda sobre o pagamento de juros de mora, ainda que realizado por força de decisão judicial, salvo se o valor do principal estiver contemplado por isenção".

É o voto. 

Recurso especial, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, improvido. "


III - A RETROCESSÃO E O IMPOSTO DE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS  

Grave discussão existe nos casos de imposto de transmissão de bens imóveis nos casos de retrocessão.

Trago à colação acórdão publicado na RDA 53/156 onde se dá conhecimento que o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que ´”é devido o imposto de transmissão quando o antigo proprietário readquire o imóvel desapropriado”. Entendeu-se que a retrocessão é o ressurgimento do direito de propriedade, extinto pela desapropriação. Assim, o retorno do bem ao patrimônio do expropriado consubstanciaria nova aquisição, outra transmissão que ficaria sujeita portanto ao imposto discutido.

Observe-se ainda decisão do STF, no mesmo sentido (RDA 73/160).

A questão referenciada não era pacífica no âmbito do Supremo Tribunal, pois em outro aresto, publicado na RDA 73/156, o STF acolhera, anteriormente, o entendimento de que “não é devido o imposto de transmissão de propriedade no caso de retrocessão”. Isso porque na retrocessão, não há nova transmissão da propriedade, mas a simples restituição das partes ao status quo ante. Desfeita a desapropriação por não ter sido o bem empregado na finalidade para a qual foi expropriado, retornam as partes(expropriante e expropriado) à situação anterior, com a reincorporação do bem ao patrimônio do expropriado e a devolução do preço pago pelo expropriante,.

O STF(RDA 70/226) já entendeu que, na retrocessão, não há que falar-se em nova transmissão, mas simples retorno à situação primitiva não existindo relação jurídico tributária. O Supremo Tribunal Federal exarou a Súmula 111. É legítima a incidência do imposto de transmissão “inter vivos” sobre a restituição, ao antigo proprietário, de imóvel que deixou de servir à finalidade da sua desapropriação. Exercido o direito de preferência há incidência do ITBI no registro do título respectivo.

Observo a lição do ministro Hahnemann Guimarães na matéria;

“A retrocessão resulta do direito de preempção ou preferência, que tem o expropriado sobre o bem que saiu do seu patrimônio. Mas este direito de prelação ou preferência não exclui o pagamento do imposto de transmissão da propriedade, porque com a expropriação, extingue-se o domínio do expropriedado e incorpora-se o bem no patrimônio do expropriante. Se esse patrimônio é alienado, depois, voltando ao patrimônio do expropriado, há transmissão de propriedade, que justifica o pagamento do imposto”(RE 47.259 e 53.381, RTJ 54/416).

Só que a incidência do ITBI, em caso de retrocessão, dependerá do que dispuser a lei de cada Município. É que o art. 42 do CTN dispõe que o:

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"contribuinte do imposto é qualquer das partes na operação, conforme dispuser a lei."

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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