Direito processual civil do inimigo e ativismo judicial.

Positivismo e o artigo 139, IV, da Lei nº 13.105/2015

29/07/2017 às 15:44
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Com o presente artigo procuramos diferenciar o que é Ativismo Judicial da Hermenêutica Jurídica (da Hermenêutica dos Direitos Fundamentais). Como pano de fundo, trazemos a questão da Suspensão do Passaporte do Devedor (art. 139, IV, NCPC).

1. Introdução

Pretende-se com este trabalho não negar a existência de um ativismo judicial, visto que ele, de fato, existe1; mas lançar a seguinte indagação: será que grande parte do que chamamos de Ativismo Judicial não é, em realidade, um mero exercício de interpretar a norma? Noutras palavras, parte da Academia e da Doutrina não tem, de forma um tanto quanto inapropriada, chamando Hermenêutica Jurídica de Ativismo Judicial?

Como dissemos acima, não duvidamos da existência do Ativismo Judicial, pois entendemos a ocorrência do mesmo, principalmente em situações em que o sentido da norma, que deveria ter o condão de proteção a Direitos Fundamentais é subvertido para seja esta norma empregada de forma diametralmente oposta àquela que é prevista pelo sistema.

Para análise de case, ligada a este Estudo específico trazemos a questão bastante difundida na Doutrina2 Brasileira sobre a atipicidade dos meios executivos no Novo Código de Processo Civil e a possibilidade, outrossim, do Magistrado tudo praticar como forma de impor à parte a obrigação de adimplir um débito (inclusive determinar, dentre outras, a suspensão/apreensão do Passaporte e da Carteira Nacional de Habilitação do devedor/executado), entendimento este em que se fez uma leitura que, em nosso entendimento. é equivocada, do artigo 1393, inciso IV4 , do Código de Processo Civil Brasileiro5.

Aqui, é importante fazermos um adendo: mesmo antes do Novo Código de Processo Civil Brasileiro ser concebido, parte de nossa Doutrina já defendia a atipicidade dos meios executivos. Robson Carlos de Oliveira6, em tese de Doutoramento apresentada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, no ano de 2.008, defendia que:

“[...]Em nosso Direito, ao contrário do que se poderia supor, a atipicidade ao princípio da tipicidade das medidas executivas. Explicamos melhor. Não há uma prevalência absoluta de um ou de outro. Há sim uma convivência desses princípios, o que garante maior eficiência dos mecanismos executivos.[...]”.

Para a melhor compreensão desse tema, exemplo claro de Ativismo Judicial, ao subverter o conteúdo de uma norma de forma que ela passe ir de encontro a Direitos e Garantias Fundamentais7 , trazemos à colação entrecho do Acórdão proferido no Habeas Corpus 2183713-85.2016.8.26.00008, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no qual fica expressamente consignado que a ordem em questão violaria o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana:

“[...]Ao contrário, a interpretação sistemática do novo diploma processual civil deve ser feita de forma a se atentar para os fins sociais, às exigências do bem comum, à promoção da dignidade humana, à proporcionalidade, à razoabilidade e à legalidade (art. 8º, do NCPC)[...]”.

A este respeito, os Constitucionalistas Bruna Pinotti Garcia Oliveira e Rafael de Lazari observam9 que:

“Proibição de restrições casuísticas. Há se observar a proibição de leis restritivas, de conteúdo casuístico[...]. Assim, as restrições aos direitos individuais devem ser estabelecidas por leis que atendam aos requisitos da generalidade e abstração.”.

Com efeito, essa é a crítica que devemos fazer para aquilo que, de fato, é o Ativismo Judicial: como mencionamos alhures, a torção do sentido da norma para que a mesma venha a violar Direitos Fundamentais, algo que, em si, deve ser rechaçado.

Consoante o ensinamento de Alex Sander Xavier Pires10: “O que se viu, no entanto, é que cada juiz, sob a alegação de exercício de liberdade funcional, invoca e aplica os princípios [constitucionais] como melhor lhe parece sem instituir uma teoria constitucional a ser adotada em casos futuros, o que atenta contra a premissa maior da equidade, uma vez que casos similares podem ter tratamentos diferentes”.

Deve-se observar, para estas hipóteses, o Ativismo Judicial que não pode ser aceito pelo Ordenamento Jurídico, pois sequer entramos na análise da “moralidade” da decisão a ser combatida. Eventualmente poder-se-ia indagar que a suspensão do passaporte seria medida razoável para se impor a alguém que se furta à sua responsabilidade patrimonial no âmbito do processo executivo11, todavia, essa construção intelectual (ainda que dotada de certa razoabilidade no âmbito da moral) não deve sobrepor-se a Direitos Constitucionais e, pior ainda, não pode, em hipótese alguma, sobrepor-se a Direitos e Garantias Fundamentais, como os são o Direito de Ir e Vir e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Desta feita, embora exista resistência cada vez maior da Doutrina, não se pode rotular de Ativismo Judicial a prisão civil do devedor de alimentos12, vez que esta previsão está expressa e, portanto, tipificada13 em lei, assegurada ainda no arcabouço constitucional do Pacto de São José da Costa Rica.

Como visto nessas notas introdutórias, a “Justiça” ou “moralidade” da medida não devem justificar, em hipótese alguma, por mais nobre que seja o desiderato, o atropelo de normas constitucionais, Direitos Humanos e Direitos Fundamentais como forma de alcançar-se o justo14.


2. O que se chama de Ativismo Judicial, na maior parte das vezes, deveria ser chamado de Hermenêutica Jurídica e/ou Hermenêutica dos Direitos Fundamentais

“Mas se Deus é as árvores e as flores/ E os montes e o luar e o sol,/Para que lhe chamo eu Deus?/ Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;” Fernando Pessoa15.

Aqui, defende-se a posição de que, na maior parte dos casos, aquilo que costumeiramente chama-se de ativismo judicial nada mais é que um exercício de exegese natural da ciência jurídica.

Obviamente que não negamos a existência de um ativismo judicial, ocorre que esse se dá, preponderantemente, em situações em que a função precípua da norma é desvirtuada para que ela gere situações totalmente opostas à sua finalidade.

Luis Roberto Barroso16, por exemplo, destaca em sua obra que foi por meio do ativismo judicial que setores ultraconservadores estadunidenses mantiveram normas cujo objetivo era perpetuar o preconceito racial. Citamos:

"Foi na atuação proativa da Suprema Corte que os setores mais reacionários encontraram amparo para a segregação racial"

O Sistema Constitucional, e mesmo o infraconstitucional brasileiro, mormente no que diz respeito aos Direitos Privados (Código Civil, Código de Processo Civil e Código de Defesa do Consumidor) é um sistema que, na maior parte das vezes, é composto por normas abertas, no qual é necessário o alvitre do Magistrado, ante o que é requerido pelas partes, para chegar-se a uma solução coerente para o caso.

Por exemplo, podemos falar da questão de algumas decisões que regulamentam a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor em contratos anteriores à sua vigência (rompendo assim com o paradigma do Código Civil da aplicação da Lei válida ao tempo da celebração do contrato), mormente em casos ligados à saúde17 e financiamentos habitacionais.

Com efeito, sendo o nosso sistema, como já mencionamos acima, de normas abertas, o Julgador deve buscar aquilo que o legislador pretendeu regular e, no caso da legislação consumerista, temos que, embora o Código de Defesa do Consumidor tenha entrado em vigência no ano de 1.99118, a Constituição de 1.988 trazia em seu bojo a previsão expressa da criação de um sistema de Proteção ao Consumidor19.

Então temos que, em realidade, decisões judiciais que determinam a Planos de Saúde e à Fazenda Pública o fornecimento de medicamentos de alto custo, dentre outras, não estão criando normas, mas, apenas as interpretando. De igual forma, quando o STF determina, através da Súmula 15920, que as sanções do artigo 940 do Código Civil apenas devam ser aplicáveis em casos de má-fé, não se trata de algo que possa ser chamado de ativismo judicial. No caso, a Corte Suprema apenas está, num legítimo exercício hermenêutico, complementando lacunas deixadas pelo Legislador.

Considerando-se, então, que o Ativismo Judicial é algo que ocorre em menor grau do que quer fazer crer parte considerável dos autores. Devemos fazer um interessante questionamento: é relevante, sob a ótica acadêmico-científica, darmos tanta importância assim à nomenclatura das coisas.

Entendemos que sim. E a questão, em si, está ligada mais propriamente à Linguística que ao Direito. Conforme anota Lera Boroditsky21 , o idioma falado e os nomes dados às coisas afetam, substancialmente, nossa percepção de mundo. A autora cita, por exemplo, que pessoas falantes de idiomas que, para além de esquerda e direita, têm palavras específicas para os diversos pontos cardeais têm maior capacidade de localização em locais desconhecidos22.

Em outro estudo, Keith Chen23, aponta que “pessoas falantes do dialeto Zuni, por não ter palavras (signos) específicas para as cores amarelo e laranja têm, outrossim, dificuldade em diferenciar esses idiomas; já os nativos do idioma russo, por ter nomes de cores específicos para tons de azul-escuro e azul-claro, tem maior facilidade de captar essas nuances cromáticas que falantes de inglês”.

A confusão entre o que é e o que não é Ativismo Judicial, ou a denominação de tudo aquilo que venha a ser interpretado como ativismo, pode confundir o Operador do Direito e lhe tirar a capacidade de discernir uma interpretação constitucional de um dispositivo legal de uma flagrante ofensa a um Direito Fundamental, como o é, por exemplo, a determinação, com fundamento no artigo 139, IV, do Código de Processo Civil Brasileiro, da suspensão do Passaporte, Carteira Nacional da Habilitação ou do cartão de crédito de um devedor, razão pela qual temos que é de fundamental importância para a ciência do Direito o acerto no nome que se dá a determinado instituto.


3. O Positivismo em Hans Kelsen, a Sanção como a Expressão mais Fidedigna do Direito – as interpretações abusivas do artigo 139, IV, do Código de Processo Civil Brasileiro e conclusões gerais deste estudo

Segundo Hans Kelsen, a ideia do Direito como a Sanção pode ser explicada, uma vez que o Direito, desprovido da efetiva sanção pelo seu descumprimento, tornar-se-ia nada mais, nada menos que uma espécie de Filosofia Moral24, ou, na interpretação de Alex Sander Xavier Pires25 da obra de Kelsen:

“Para Kelsen, o Direito é uma ordem de coação que se funda na sanção, inclusive com a possibilidade de uso da força física para se fazer cumprir as prescrições; enquanto que a moral é a ordem social, sem a previsão de sanções, que se restringe, em caso de infringência, à mera reprovação pelo corpo social.”.

Idêntico entendimento é esposado por Vicente Ráo26 em sua clássica obra, O Direito e a Vida dos Direitos. Vejamos:

“A proteção-coerção é elemento essencial do direito objetivo, tanto assim que as normas jurídicas positivas se distinguem das normas espirituais, ou morais, principalmente por seu caráter coercitivo.”

Embora concordemos com o posicionamento com esse entendimento, apenas a título de nota, é importante anotar-se não ser ele algo unânime na Doutrina. Godofredo Telles Junior27 sustenta a impropriedade dessa afirmação (do Direito como Sanção), pois seria, no seu entendimento, inapropriado, porque “Aceitar a coação como elemento essencial do direito é confundir o contingente com o necessário. O necessário é o que não pode deixar de ser. [...] A tese de que a coação é um elemento da essência da norma jurídica leva à insustentável e absurda consequência de que o Direito voluntariamente cumprido não é Direito (porque não é acompanhado de coação)”.

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Como ressaltamos, entendemos que a força definidora do Direito é a Sanção, contudo, esta Punição deve estar prevista no Ordenamento Jurídico, mormente em situações em que afetará Direitos e Garantias Fundamentais, como é o caso, por exemplo, da suspensão do passaporte do devedor (artigo 139, IV, CPC-Brasileiro).

Assim, considerando que o Ativismo Judicial verifica-se apenas e tão-somente nas hipóteses em que o Judiciário julga além de sua competência e/ou contra expressa disposição de lei garantidora de Direito Fundamental28 , com o intento, ainda que movido por relevante valor moral/social/cívico, de subverter seu conteúdo.

A questão da linguagem, isto é, chamar de Ativismo Judicial o que não o é, traduzi-lo por outro signo, ganha contorno especial nessa discussão, visto que, no momento em que a comunidade jurídica passa a ver tudo como uma espécie de Ativismo Judicial (saudável ao sistema), essa mesma Comunidade Jurídica (Juízes, Advogados, Academia) tende a ficar dessensibilizada àquilo que essencialmente é o Ativismo Judicial, o que é, por conseguinte, danoso ao Direito, pois, ao se permitir a imposição de sanções sem estruturação científico-normativa, leva-se a sociedade, destinatária final da Ciência Jurídica, à sensação de insegurança jurídica, o que conduz à autotutela29.


4. Bibliografia

BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Disponível em: https://www.oab.org.br/oabeditora/users/revista/1235066670174218181901.pdf. acesso em 01/09/2016.

BORODISTKY, Lera. Como a Linguagem Modela o Pensamento – Diferentes Idiomas Afetam de Maneira Distinta a Percepção do Mundo. Artigo publicado em Scientific American Brasil. Disponível em https://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/como_a_linguagem_modela_o_pensamento.html. Acesso em 3 de julho de 2.017

DELLORE, Luis. Cabe prisão civil do devedor de alimentos por ato ilícito? Publicado em Jota. Disponível em https://jota.info/colunas/novo-cpc/novo-cpc-22062015

GAJARDONI, Fernando da Fonseca. A revolução silenciosa da execução por quantia. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/1799298/mod_resource/content/1/A%20revolu%C3%A7%C3%A3o%20silenciosa%20da%20execu%C3%A7%C3%A3o%20por%20quantia%20-%20JOTA.pdf

KELSEN, Hans – Teoria Pura do Direito. Tradução João Baptista Machado. 4ª ed. Coimbra: Armênio Amado – Editor, 1976.

OLIVEIRA, Robson Carlos de. Os poderes do juiz na execução por quantia certa contra devedor solvente. Pg. 365. Tese de Doutoramento apresentada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2008. Disponível em: https://sapientia.pucsp.br/bitstream/handle/8175/1/Robson%20Carlos%20de%20Oliveira.pdf

PIRES, Alex Sander Xavier. Justiça na Perspectiva Kelseniana. Freitas Bastos Editora. Rio de Janeiro. p. 25. ISBN – 978-85-7987-167-2

PIRES, Alex Sander Xavier. Súmulas Vinculantes e Liberdades Fundamentais. p. 299. Ed. Pensar a Justiça. Rio de Janeiro. 2016. ISBN – 978-85-909488-27.

RÁO, Vicente – O Direito e a Vida dos Direitos. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. ISBN: 85-203-0770-1.

RODRIGUES, MARCELO ABELHA. O QUE FAZER QUANDO O EXECUTADO É UM “CAFAJESTE”? APREENSÃO DE PASSAPORTE? DA CARTEIRA DE MOTORISTA? DISPONÍVEL EM:HTTP://WWW.MIGALHAS.COM.BR/DEPESO/16,MI[245]946,51045O+QUE+FAZER+QUANDO+O+EXECUTADO+E+UM+CAFAJESTE+APREENSAO+DE+PASSAPORTE


Notas

1 E, em nosso entendimento, como demonstraremos adiante, é pernicioso ao Estado de Direito. Importante anotar que o ativismo hoje não vem apenas do Poder Judiciário, mas também do Ministério Público e de outros agentes ligados à Administração da Justiça, num conceito lato da expressão.

2 VER: GAJARDONI, FERNANDO DA FONSECA. A REVOLUÇÃO SILENCIOSA DA EXECUÇÃO POR QUANTIA. DISPONÍVEL EM: HTTPS://EDISCIPLINAS.USP.BR/PLUGINFILE.PHP/1799298/MOD_RESOURCE/CONTENT/1/A%20REVOLU%C3%A7%C3%A3O%20SILENCIOSA%20DA%20EXECU%C3%A7%C3%A3O%20POR%20QUANTIA%20-%20JOTA.PDF; RODRIGUES, MARCELO ABELHA. O QUE FAZER QUANDO O EXECUTADO É UM “CAFAJESTE”? APREENSÃO DE PASSAPORTE? DA CARTEIRA DE MOTORISTA? DISPONÍVEL EM:HTTP://WWW.MIGALHAS.COM.BR/DEPESO/16,MI[245]946,51045O+QUE+FAZER+QUANDO+O+EXECUTADO+E+UM+CAFAJESTE+APREENSAO+DE+PASSAPORTE

3“Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:”.

4 “IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;”.

5 Em primeiro lugar temos que observar alguns pontos: 1) o artigo 139 do Novo Código de Processo Civil, tal como o artigo 125 do Código de Processo Civil de 1973 (“Art. 125. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe: I - assegurar às partes igualdade de tratamento; II - velar pela rápida solução do litígio; III - prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da Justiça; IV - tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes.”) e, análogo também ao artigo 6º do Código de Processo Civil de Portugal (“Dever de gestão processual: 1 - Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.2 - O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.”), nada mais é que uma norma de fechamento do sistema, estabelecendo poderes gerais que o Juiz pode efetuar na condução do processo; 2) Com o devido respeito à Comissão de Juristas responsável pela elaboração da Lei 13.105 de 2.015, a redação do inciso IV do artigo 139 é confusa. Vejamos: tomando a cláusula de poderes genéricos conferidos ao Magistrado, como o quer Gajardoni, teríamos, por exemplo, que, em tese, poder-se-ia aplicar ao Direito Brasileiro a figura do Contempt of Court do Direito Inglês determinando-se a prisão do devedor que, sabidamente com condições financeiras, não honra sua obrigação processual. Essa interpretação nada mais seria que permitir-se, via reversa, a prisão civil por dívida, o que já não é mais aceitável em nosso Ordenamento Jurídico. Mais ainda, a norma diz que as medidas mandamentais mais graves deveriam ser utilizadas em casos de Prestação Pecuniária, figura esta que nos é dada pelo artigo 45 do Código Penal: “Art. 45. Na aplicação da substituição prevista no artigo anterior, proceder-se-á na forma deste e dos arts. 46, 47 e 48. (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998). § 1o A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários. (Incluído pela Lei nº 9.714, de 1998). § 2o No caso do parágrafo anterior, se houver aceitação do beneficiário, a prestação pecuniária pode consistir em prestação de outra natureza. (Incluído pela Lei nº 9.714, de 1998). § 3o A perda de bens e valores pertencentes aos condenados dar-se-á, ressalvada a legislação especial, em favor do Fundo Penitenciario Nacional, e seu valor terá como teto - o que for maior - o montante do prejuízo causado ou do provento obtido pelo agente ou por terceiro, em conseqüência da prática do crime. (Incluído pela Lei nº 9.714, de 1998) .§ 4o (VETADO) (Incluído pela Lei nº 9.714, de 1998).”.

6OLIVEIRA, Robson Carlos de. Os poderes do juiz na execução por quantia certa contra devedor solvente. Pg. 365. Tese de Doutoramento apresentada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2008. Disponível em: https://sapientia.pucsp.br/bitstream/handle/8175/1/Robson%20Carlos%20de%20Oliveira.pdf

7No caso concreto, falamos do Direito (Previsto no artigo 13 da Declaração dos Direitos do Homem) e também no Pacto de São José da Costa Rica, de permitir que todo cidadão deixe seu próprio território nacional, excetuando-se, apenas, aqueles que são procurados pela Justiça Criminal.

8Apresentamos, dada a relevância do tema, como Anexo 1 a este trabalho a íntegra, tanto do Acórdão, quanto do voto divergente.

9OLIVEIRA, Bruna Pinotti Garcia; LAZARI, Rafael de. Manual de Direitos Humanos. 3ª edição. Pg. 83. Salvador. Editora Juspvdium. ISBN 978-85-442-1382-7.

10PIRES, Alex Sander Xavier. Súmulas Vinculantes e Liberdades Fundamentais. p. 299. Ed. Pensar a Justiça. Rio de Janeiro. 2016. ISBN – 978-85-909488-27.

11 E, no voto vencido do Acórdão paradigma, Anexo 1 deste relatório, a Desembargadora Maria Lucia Pizzoti faz essa construção. Vejamos: “[...]O objetivo do novel dispositivo não é impor penas ou restringir direitos, não sendo intenção do Judiciário suspender indefinidamente o direito de dirigir do executado ou sua liberdade de viajar, mas sim impor uma restrição tão gravosa caso ele não cumpra a determinação, que escolha cumprir sua obrigação e dar fim ao problema. Em outras palavras, mediante as medidas de coerção o Estado procura persuadir o inadimplente, impondo-lhe situações tão onerosas e inconvenientes que em algum momento seja para ele mais vantajoso cumprir do que permanecer no inadimplemento. Ao fazê-lo, o Novo Código de Processo Civil rompe com as críticas da ineficiência das execuções. Não se cogita deferir medidas restritivas àqueles que demonstram a incapacidade absoluta de solver o débito, apenas àqueles que reconhecidamente se valem de artimanhas e subterfúgios para evitar a satisfação das dívidas, ‘preferindo’ outras despesas mais 'nobres', agindo em nome de terceiros e fazendo escárnio dos credores e do próprio Poder Judiciário.[...] Com base nas lições do Tribunal Constitucional Alemão, o subprincípio da adequação depende da aferição se as medidas são aptas a atingir os objetivos pretendidos; pela necessidade, avalia-se a existência de outros meios ‘igualmente eficaz na consecução dos objetivos pretendidos’; e a proporcionalidade em sentido estrito assume o “controle de sintonia fina” entre os meios e fins (ibidem).”.

12 Nada obstante, Luiz Dellore defenda em artigo intitulado: Cabe prisão civil do devedor de alimentos por ato ilícito? Publicado em Jota. Disponível em https://jota.info/colunas/novo-cpc/novo-cpc-22062015, a possibilidade da prisão civil, também, do devedor de alimentos em razão de ato ilícito, v.g., um acidente de trânsito.

13 Fazendo cair por terra o argumento de que o artigo 139, IV, da Lei 13.105 de 2.015 teria revogado o Princípio da Tipicidade dos Meios Executivos (princípio este contemplado, também, no artigo 789 do Código de Processo Civil Brasileiro e no artigo 391 do Código Civil Brasileiro).

14 Agostinho Ramalho Marques Neto, parafraseando Lao Tsé (“o bem não pode ser imposto”), em artigo intitulado: O Poder Judiciário na Perspectiva da Sociedade Democrática, lança mão da seguinte pergunta: “Quem nos protege da bondade dos bons?”.

15 PESSOA, Fernando. Obra assinada pelo heterônimo Alberto Caeiro. Há Metafísica Bastante em não Pensar em Nada. Disponível em: https://arquivopessoa.net/textos/1482

16BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Disponível em: https://www.oab.org.br/oabeditora/users/revista/1235066670174218181901.pdf. acesso em 01/09/2016.

17 Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: “Autos nº: 0145290-44.2011.8.19.0038 Recorrente: Amico Saúde Ltda Recorrido(a): Nadir de Barros VOTO Plano de saúde. Aumento por faixa etária. Impossibilidade. CDC e Estatuto do idoso. Ausência de planilha com a aplicação dos índices de reajuste autorizados pela ANS. Extinção do processo sem resolução do mérito quanto ao pedido de restituição do valor pago a maior. Sentença reformada em parte. Aplica-se ao contrato em questão o Código de Defesa do Consumidor, que veda, em seus artigos 39, V e 51, IV a prática de ato que exija do consumidor vantagem manifestamente excessiva, afirmando a nulidade de tal cláusula. A cláusula do contrato que prevê o reajuste pela faixa etária enquadra-se nos dispositivos mencionados, eis que impõe ao consumidor uma obrigação que o coloca em desvantagem, exigindo do mesmo vantagem manifestamente excessiva, o que a tornaria nula de pleno direito. Nesse sentido está a jurisprudência de nosso Tribunal como verifico da Apelação Cível de autos nº 1999.001.19254, julgada pela Décima Terceira Câmara Cível em 06/04/00, cujo relator foi o eminente Desembargador Sydnei Hartung, assim ementada: "SEGURO SAÚDE. CLÁUSULA DE REAJUSTE. CÔMPUTO DA IDADE. CLÁUSULA LEONINA. NULIDADE DE CLÁUSULA. Plano de Saúde. Reajuste das prestações. Aumento excessivo, de cerca de 100% (cem por cento) do valor da prestação por implemento da idade. Contrato anterior à Lei do Consumidor. O fato de o contrato ter se iniciado anteriormente à vigência do CDC, não retira a sua aplicabilidade à hipótese, quando as alterações no valor das mensalidades por faixa etária vem a ocorrer sob a sua égide.”.

18 Lei 8.078 de 1.990, de 11 de setembro de 1.990, com vacatio legis de 6 meses.

19 O que gerou a ADI 2591-1 que tinha como proposição primeira o argumento de que o Código de Defesa do Consumidor deveria ser criado por lei complementar.

20 Cobrança excessiva, mas de boa-fé, não dá lugar às sanções do art.1531 do Código Civil.

21BORODISTKY, Lera. Como a Linguagem Modela o Pensamento – Diferentes Idiomas Afetam de Maneira Distinta a Percepção do Mundo. Artigo publicado em Scientific American Brasil. Disponível em https://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/como_a_linguagem_modela_o_pensamento.html. Acesso em 3 de julho de 2.017

22 “Além disso, o trabalho inovador realizado por Stephen C. Levinson, do Instituto Max Planck de Psicolinguística, em Nijmegen, na Holanda, e John B. Haviland, da University of California em San Diego, durante as duas últimas décadas têm demonstrado que falantes de idiomas que se valem de direções absolutas são especialmente bons em manter o registro de onde estão, mesmo em paisagens desconhecidas ou no interior de edifícios estranhos. Eles fazem isso melhor que quem vive nos mesmos ambientes, mas não falam essas línguas.”.

23 CHEN, Keith. The Effect of Language on Economic Behavior: Evidence from Savings Rates, Health Behaviors, and Retirement Assets. Disponível em: https://www.anderson.ucla.edu/faculty/keith.chen/papers/LanguageWorkingPaper.pdf

24 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito “[...] Na medida em que o Direito em geral é definido como norma, a ciência jurídica não pode dispensar o conceito de conteúdo juridicamente irrelevante [...]. Se o Direito não fosse definido como ordem de coacção mas apenas como ordem posta em conformidade com a norma fundamental e esta fosse formulada com o sentido de que as pessoas se devem conduzir, nas condições fixadas na primeira Constituição histórica, tal como esta mesma Constituição determina, então poderiam existir normas jurídicas desprovidas de sanção [...]. Nessa hipótese ainda, uma norma posta pelo legislador constitucional que prescrevesse uma determinada conduta humana sem ligar à conduta oposta um acto coercitivo – a título de sanção – só poderia ser distinguida de uma norma moral pela sua origem, e uma norma jurídica produzida pela via consuetudinária nem sequer poderia ser distinguida de uma norma moral também produzida consuetudinariamente.[...]”. p. 86-87.

25PIRES, Alex Sander Xavier. Justiça na Perspectiva Kelseniana. Freitas Bastos Editora. Rio de Janeiro. p. 25. ISBN – 978-85-7987-167-2

26 RÁO, Vicente – O Direito e a Vida dos Direitos. p. 50.

27 TELLES JUNIOR, Godofredo – Filosofia do Direito. p. 428.

28 Sim, pois diversas são as vezes em que o Judiciário julga inconstitucional uma norma, em razão da oposição dela ao Ordenamento Jurídico Constitucional, como, v.g., a norma que instituiu a IPMF.

29 Razão pela qual não deve nos soar estranho que o Brasil esteja entre os mais violentos países do mundo.

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Sobre o autor
Paulo Antonio Papini

Mestre e Doutorando, em Direito Processual Civil, pela Universidade Autónoma de Lisboa. Pós-graduado, em Direito Processual Civil, pela Escola Paulista de Direito. Advogado, formado pela Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, com mais de 20 anos de atividade jurídica. Autor de livros/apostilas jurídicas, especialista em Direito Bancário [especificamente defesa de mutuários do SFH e Mutuários de Alienação Fiduciária de Bens Imóveis], já atuou, ao todo em mais de 2.000 processos. Autor de mais de 250 artigos para diversas revistas jurídicas.

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