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Mecanismos de controle interno da licitação e o princípio da segregação das funções

09/08/2017 às 15:40
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Neste artigo, trataremos das formas de controle interno do procedimento licitatório, impugnação do ato convocatório e recursos administrativos, pautando-se no princípio da segregação de funções e no controle dos atos administrativos.

No procedimento licitatório, a publicação do ato convocatório dá início à fase externa da licitação. Tal visa a dar publicidade aos atos praticados pela Administração e garantir o acesso de possíveis interessados ao certame, bem como a sua fiscalização e controle por órgão específicos e pela sociedade em geral.

O controle do procedimento licitatório pode ser interno, quando exercido pelo próprio ente da Administração, ou externo, quando executado pelo Poder Legislativo (com auxílio do Tribunal de Contas) e pela própria sociedade. Tanto o controle interno quanto o externo podem ser exercidos por iniciativa própria da Administração (de ofício) ou mediante provocação.

Entende-se por controle, em sede de contratações públicas, o conjunto de mecanismos que viabilizam a fiscalização dos atos do processo de contratação (licitação, dispensa, inexigibilidade, execução contratual), bem como a sua eventual impugnação, com vistas a assegurar a legalidade dos atos praticados e a correta aplicação dos recursos públicos.

Segundo ensinamento de Marçal Justen Filho, a Administração é obrigada a exercitar o controle da legalidade do ato convocatório da licitação, especialmente quando provocada (nos prazos indicados na lei) por qualquer pessoa. Não pode se escusar sob invocação de que o particular não teria interesse em participar da licitação ou que não preencheria, nem mesmo em tese, os requisitos para tanto (MARÇAL, 2012, p. 663).

São instrumentos de controle interno previstos na Lei nº 8.666/93 a impugnação do ato convocatório e os recursos administrativos.

impugnação do ato convocatório, por irregularidades na aplicação da lei (lei: em sentido amplo), pode ser feita por qualquer cidadão ou pelo licitante. Os procedimentos de impugnação estão previstos na Lei Geral de Licitações e na legislação pertinente ao Pregão, conforme a modalidade do certame.

Modalidades da Lei nº 8.666/93

  • O pedido deve ser protocolizado até 5 dias úteis antes da data fixada para abertura dos envelopes de habilitação;
  • A Administração deve julgar e responder à impugnação em até 3 dias úteis, contados da data em que foi protocolizado o pedido;
  • Decairá do direito de impugnar falhas ou irregularidades que viciariam o edital o licitante que não o fizer até o 2º dia útil antes da abertura dos envelopes de habilitação (na concorrência) ou com as propostas (na tomada de preços ou convite).

Pregão (Lei nº 10.520/00)

  • O interessado deve protocolizar o pedido de esclarecimentos ou providências ou ainda impugnar o ato convocatório em até 2 dias úteis antes da data fixada para recebimento das propostas. No caso específico de pedido de esclarecimentos ou providências no pregão eletrônico, esse prazo será de até 3 dias úteis.
  • O pregoeiro deve decidir no prazo de 24 horas a impugnação apresentada

A impugnação interposta pelo licitante não tem efeito de recurso, e quando oposta tempestivamente não impedirá o licitante de participar do processo licitatório até o trânsito em julgado de sua decisão. O licitante e o cidadão sempre têm direito a obter resposta para petições encaminhadas ao órgão licitante, qualquer que seja a modalidade de licitação realizada. Nesse sentido tem decidido o Tribunal de Contas da União:

As respostas fornecidas pela comissão de licitação ou pela autoridade competente com relação às impugnações apresentadas contra editais de certames licitatórios, nos termos do art. 41, § 1º, Lei nº 8.666/1993, devem abranger, de modo fundamentado, todos os quesitos formulados pelo interessado, sob pena de infringência ao que dispõe o art. 50 da Lei nº 9.784/1999 (Acórdão 1636/2007 Plenário) (grifou-se).

Promova, quando da apreciação de recursos e impugnações em certames licitatórios, a devida comunicação ao interessado com indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão, por força do disposto no art. 2º, parágrafo único, inciso VII, da Lei nº 9.784/1999 (Acórdão 709/2007 Plenário) (grifou-se).

Acaso seja acolhida a impugnação contra o ato convocatório (ou seja, caso o requerimento seja considerado procedente), a licitação deve ser suspensa e o edital republicado com as devidas alterações, e será designada nova data para a realização do certame. A nova publicação deverá se dar pelos mesmos meio, forma e prazo da publicação original, salvo em caso de mero erro material que, comprovadamente, não altere a formulação das propostas.

Caberá recurso dos atos do ente contratante nos casos de: (a) habilitação ou inabilitação do licitante; (b) julgamento das propostas; (c) anulação ou revogação da licitação; (d) indeferimento de pedido de inscrição em registro cadastral, alteração ou cancelamento; (e) rescisão do contrato, quando determinada por ato unilateral da Administração; (f) aplicação de penalidades administrativas ao licitante.

O recurso deverá ser interposto por meio de requerimento escrito, no qual o recorrente apresenta os fundamentos para o pedido de reexame e junta os documentos que entender convenientes (art. 60 da Lei nº 9.784/1999). Podem ser impugnados pelos demais licitantes, e devem ser apresentados, com as razões de recorrer.

Os prazos, que começam a contar a partir da intimação do ato ou da lavratura da ata (excluindo-se o primeiro dia do ato ou de sua divulgação e incluindo-se o último como dia de vencimento) e só se iniciam e vencem em dias de expediente no órgão ou entidade contratante, são os seguintes: (a) 5 dias úteis para tomada de preços e concorrência; (b) 2 dias úteis para convite; e (c) 3 dias para pregão.

No pregão, os atos relativos à fase recursal concentram-se em uma única etapa, após declaração do vencedor pelo pregoeiro. É necessário, no pregão presencial, que o representante legal do licitante, devidamente credenciado, esteja presente à sessão para declarar verbalmente a intenção de interpor recurso. A falta de manifestação imediata e motivada do licitante em interpor recurso, no momento da elaboração da ata, importa decadência do direito de fazê-lo. Já no pregão realizado sob a forma eletrônica, a intenção de recorrer é registrada em campo próprio do sistema informatizado, e o recorrente tem prazo de 3 dias para apresentar as razões recursais.

Em concorrências, tomadas de preços e convites, o prazo de apresentação da impugnação ao recurso inicia-se a partir da data da comunicação da interposição aos demais licitantes. No pregão, esse prazo corre a partir do término do prazo que o licitante recorrente tem para apresentar suas razões de recorrer. Contudo, enquanto os autos não estiverem disponíveis para vista e consulta dos licitantes, não se inicia a contagem dos prazos.

O recurso é dirigido à autoridade competente, por intermédio da que praticou o ato recorrido. Esta, por sua vez, poderá reconsiderar sua decisão em 5 dias úteis e, nesse prazo, fazê-lo subir à instância superior, devidamente informado. A autoridade superior deverá proferir sua decisão no prazo de 5 dias úteis, contados do recebimento do recurso, sob pena de responsabilidade.

Qualquer que seja a modalidade de licitação adotada, o recurso relativo à habilitação ou inabilitação de licitante ou ao julgamento das propostas terá efeito suspensivo, podendo a autoridade competente, motivadamente e por razões de interesse público, atribuir eficácia suspensiva aos demais recursos.

Em razão dos princípios da economicidade, da segurança jurídica e da convalidação dos atos administrativos, o acolhimento do recurso implica a invalidação dos atos que não sejam passíveis de aproveitamento, apenas; não havendo prejuízo ao interesse público ou a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria Administração.

Em relação à matéria, entende o TCU:

A fase de recursos não é de interesse apenas daqueles que estão na disputa. É principalmente do interesse público que os participantes tenham todas as condições necessárias para bem formular suas argumentações contra o julgamento, para, assim, possibilitar à Administração enxergar e sanear eventuais falhas, chegando, ao fim, à proposta que lhe for mais vantajosa (Acórdão 1488/2009 Plenário) (grifou-se).

O TCU considerou desrespeito, na fase recursal da licitação, aos princípios da ampla defesa e do contraditório assegurados constitucionalmente, uma vez que todas as intenções de interposição de recurso apresentadas pelas licitantes foram sumariamente denegadas, procedimento esse que fere o art. 26 do Decreto 5.450/2006 (Acórdão 287/2008 Plenário) (grifou-se).

Um reforço aos mecanismos de controle está na adoção de regras de segregação de funções.

Segundo o Manual do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal (2001, p. 67-68), as entidades públicas devem prever a separação entre as funções de autorização e/ou aprovação de operações, execução, controle e contabilização. Em outras palavras, não se deve permitir que todas ou as principais fases do processo de execução das despesas sejam exercidas pelo mesmo servidor ou agente público. Desta forma, a segregação de funções destina-se a reduzir as oportunidades que permitam a qualquer pessoa estar em posição de perpetrar e de ocultar erros ou fraudes no curso normal das suas funções (Res. nº 1.212/09, do Conselho Federal de Contabilidade).

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Tal é o entendimento do TCU: a segregação de funções colima, sobretudo, reduzir riscos de erros, amenizar riscos de não detecção de procedimentos incorretos, evitar desperdícios, possibilitar revisões e avaliações efetivas de condutas, impossibilitar conluios e aumentar a eficácia dos controles internos (Acórdão nº 5.615/2008-TCU – 2ª Câmara).

No que tange às licitações públicas, o art. 9º da Lei nº 8.666/93 não permite que o autor do projeto básico ou executivo, o servidor público ou o dirigente do órgão contratante participem de certames nas condições ali previstas. Marçal Justen Filho (2012, p. 186) ensina, com sabedoria, que as vedações impostas pelo dispositivo citado retratam derivação dos princípios da moralidade pública e isonomia. O impedimento consiste no afastamento preventivo daquele que, por vínculos pessoais com a situação concreta, poderia obter benefício especial e incompatível com o princípio da isonomia e abrange aqueles que, dada a situação específica em que se encontram, teriam condições (ao menos teoricamente) de frustrar a competitividade, produzindo benefícios indevidos e reprováveis para si ou terceiro.

Desta forma, o Tribunal de Contas da União determina ao administrador público o dever de cuidar para que as pessoas incumbidas das solicitações para aquisições de materiais e serviços não sejam as mesmas responsáveis pela aprovação e contratação das despesas (item 5.2, TC-004.797/2007-2, Acórdão TCU nº 2.507/2007-Plenário).

Demonstração dessa preocupação é a previsão, na IN/SLTI/MP nº 04/10, da existência de variados atores – o gestor do contrato, o integrante requisitante, o integrante técnico, o integrante administrativo e os respectivos fiscais requisitante, técnico e administrativo –, evidenciando a importância da segregação de funções no planejamento e na fiscalização contratual, bem como na gestão de contratos.

Ressaltando a importância do princípio em comento para o controle administrativo, o Guia de Boas Práticas em Contratação de Soluções de Tecnologia da Informação do TCU (2012, p. 234), esclarece que a segregação de funções é uma forma básica de controle, que deve permear a estruturação todos os processos de trabalho do órgão (não somente os da área de TI).

O Decreto nº 5.450/05, que rege o Pregão, adotando o princípio da segregação de funções – a fim de minimizar o conflito de interesses, restringir a subjetividade e preservar a impessoalidade no julgamento dos recursos interpostos contra as decisões do pregoeiro –, determina no seu art. 8º a adoção das seguintes regras: à autoridade competente, de acordo com as atribuições previstas no regimento ou estatuto do órgão ou da entidade, cabe: [...]; IV - decidir os recursos contra atos do pregoeiro quando este mantiver sua decisão; V - adjudicar o objeto da licitação, quando houver recurso. Ainda, divide as funções de elaboração, aprovação do termo de referência e a condução do certame: I - elaboração de termo de referência pelo órgão requisitante, [...]; II - aprovação do termo de referência pela autoridade competente; [...] VI - designação do pregoeiro e de sua equipe de apoio (art. 9º).

Partilhando desta linha de interpretação, o TCU ressalta que se deve evitar a nomeação de mesmos servidores para atuar, nos processos de contratação, como requisitante, pregoeiro ou membro de comissão de licitação, fiscal de contrato e responsável pelo atesto da prestação de serviço ou recebimento de bens, em respeito ao princípio da segregação de funções (item 9.6.7, Acordão nº 5.840/ 2012-TCU-2ª Câmara).

Dentre os vários benefícios em se segregar as funções no âmbito das contratações públicas destaca-se a possibilidade de que o ato subsequente à tarefa ora realizada seja verificado por outro servidor público distinto daquele que a realizou, consistindo em um incremento no rito de controle administrativo. Ademais, além de inibir condutas maliciosas e o conflito de interesses, a segregação de funções conduz à especialização (decorrente da divisão de tarefas), com sensíveis ganhos em eficiência e produtividade no desempenho de cada atividade.


REFERÊNCIAS:

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos: lei 8.666/1993. 17 ed. rev., atual. e ampl. 3ª tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 7 ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2011.

Licitações e contratos: orientações e jurisprudência do TCU / Tribunal de Contas da União. – 4. ed. rev., atual. e ampl. – Brasília: TCU, Secretaria-Geral da Presidência: Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2010.

MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 4 ed. rev., ampl., reform. e atual. Niterói: Impetus, 2010.

MENDES, Renato Geraldo. Lei de Licitações e Contratos anotada. Notas e comentários à Lei nº 8.666/93. 8. ed., rev., atual. e ampl. Curitiba: Zênite, 2011

MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Eficácia nas Licitações e Contratos: comentários, doutrina e jurisprudência. 12. ed., rev. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2011.

http://www.tcu.gov.br/Consultas/Juris/Docs/LIC_CONTR/2057620.PDF

http://www.zenite.blog.br/a-segregacao-de-funcoes-no-bojo-dos-processos-de-contratacao/

https://ead.tce.mt.gov.br/theme/bcu/gestor/index.php?p=aula4-2.3-pg2

http://www.cnmp.mp.br

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Sobre a autora
Fabriza Carvalho Barbosa

Graduada em Direito, Pós Graduada em Direito Processual Civil, Especialista em Licitações e Contratos. Assessoria e instrutoria na área de Contratações Públicas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOSA, Fabriza Carvalho. Mecanismos de controle interno da licitação e o princípio da segregação das funções. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5152, 9 ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59608. Acesso em: 2 nov. 2024.

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