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Indenização DPVAT ao segurado impontual

14/08/2017 às 14:00
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Como a legislação vem amparando aquele que é, ao mesmo tempo, vítima e segurado-proprietário, e cujo prêmio do seguro DPVAT não foi pago?

O DPVAT é um seguro de danos pessoais causados por veículo automotor de via terrestre, de caráter obrigatório (art. 20, l, do Decreto-lei 73/66) e social, que visa  a amparar as vítimas de acidente de trânsito em todo o território nacional, sem análise de culpa (art. 5º da Lei 6.194/74), mediante simples prova do acidente e do dano.

As coberturas do DPVAT são de morte, invalidez permanente (que não permite cura, resultando em sequela ou limitação) e despesas médicas e suplementares (art. 3º da Lei 6.194/74), de acordo com tabela indenizatória. A questão em análise diz respeito ao dever de indenizar a vítima de acidente de trânsito quando é ela mesma quem deveria ter pago o prêmio do seguro DPVAT e não o fez.

Como regra geral, só há cobertura securitária mediante pagamento de prêmio (art. 12, parágrafo único, do Decreto-lei 73/66 c/c art. 763 do Código Civil), sendo que o próprio regulamento administrativo (Resolução CNSP 273/2012) do tema estabelece, em seu artigo 13, § 7º: ˜Fica dispensando o pagamento da indenização ao proprietário inadimplente”.

Contudo, a Súmula 257 do STJ expressamente determina: “A falta de pagamento do prêmio do seguro obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT) não é motivo para recusa do pagamento da indenização”. A questão é explicitar se a súmula está a contemplar o interesse da vítima quando ela é o próprio segurado, o dono do veículo, que deveria ter pago o prêmio.

No julgamento do Recurso Especial 67.763/RJ que deu ensejo ao sumulado, o Ministro Rui Rosado de Aguiar iniciou sua decisão referindo o seguinte dispositivo legal: 

"Quanto ao primeiro ponto, o recurso não merece conhecido. Os dispositivos indicados não sofreram prequestionamento, limitando-se a eg. Câmara a aplicar a regra específica criada para o caso, contida no artigo 7° da Lei n. 8.441, de 13.07.1992, que assim dispõe:

Art. 7º A indenização por pessoa vitimado por veículo não identificado, com seguradora não identifi cada, seguro não realizado ou vencido, será paga nos mesmos valores, condições e prazos dos demais casos por um Consórcio constituído, obrigatoriamente, por todas as Sociedades Seguradoras que operem no seguro objeto desta Lei.

§ 1º O Conselho Nacional de Trânsito implantará e fiscalizará as medidas de sua competência, garantidoras do não licenciamento e não circulação de veículos automotores de vias terrestres, em via pública ou fora dela, a descoberto de seguro previsto nesta Lei. (fl . 17).

Impertinente, pois, qualquer referência às disposições legais sobre os contratos em geral, e sobre seguros em particular, porquanto existe regra específica para o caso de seguro obrigatório, cujo prêmio não estivesse pago no momento do fato gerador. A jurisprudência citada, pelo que dela se pode deduzir, não enfrentou situação assemelhada”.

Ocorre que a Lei 8.441/92, referida, altera o art. 7º da Lei 6.194/74, mas sua redação do parágrafo primeiro diverge desta mencionada no Acórdão. Eis o que diz a lei:

Art. 7º da Lei 8.441/92: a indenização por pessoa vitimada por veículo não identificado, com seguradora não identificada, seguro não realizado ou vencido, será paga nos mesmos valores, condições e prazos dos demais casos por um consórcio constituído, obrigatoriamente, por todas as sociedades seguradoras que operem no seguro objeto desta lei.

§ 1o  O consórcio de que trata este artigo poderá haver regressivamente do proprietário do veículo os valores que desembolsar, ficando o veículo, desde logo, como garantia da obrigação, ainda que vinculada a contrato de alienação fiduciária, reserva de domínio, leasing ou qualquer outro.

A diferente redação do parágrafo primeiro faz toda a diferença para a resolução do tema aqui proposto. Da leitura do Acórdão acima se conclui impertinente qualquer análise do pagamento do prêmio pelo segurado-proprietário, haja vista que o julgador afasta expressamente esse requisito.

As divergências de redação do parágrafo primeiro do art. 7º, apresentadas, mudam profundamente o entendimento sobre o tema, na medida em que conteúdo do referido parágrafo estabelece, claramente, que o consórcio poderá haver regressivamente do proprietário que deixa de pagar o prêmio o seu veículo como garantia da obrigação inadimplida - isso porque a análise em questão é a de que as vítimas a serem beneficiadas pelo seguro são terceiros e deverá, o proprietário, ressarcir quem as indenizou. Portanto, o dispositivo legal está assinalando que o dever de pagamento do prêmio permite a própria perda do direito de propriedade pleno sobre o bem.

Adiante, ainda no bojo das decisões que formam a Súmula 257, a resposta está no magnífico Acórdão do Recurso Especial 144.583/SP. Neste processo está sendo julgado fato em que o proprietário de um caminhão faleceu e sua viúva pleiteia a indenização securitária, mas o prêmio do seguro DPVAT não havia sido pago. O Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito entendeu que a seguradora deve indenizar a viúva e, se quiser, ressarcir-se junto ao espólio.

Já o Ministro Eduardo Ribeiro entendeu de forma absolutamente diversa, pois não conheceu o recurso. O desempate vem com o voto do eminente Ministro Ari Pargendler, que merece transcrição:

"A lei, todavia, está voltada para as famílias das vítimas sem recursos (este no mais das vezes o motivo da falta de pagamento do prêmio), tendo instituído em favor do consórcio das empresas seguradoras, que lhe cumpre a função social, uma preferência inusual sobre a alienação fiduciária, o leasing, o contrato de reserva de domínio e outros, cujo objeto - o veículo sinistrado - fica como garantia do ressarcimento do seguro pago (art. 7º, § 1º).

A idéia - enfatize-se - é a de que o veículo fique como garantia do ressarcimento do seguro pago, esteja ou não vinculado a gravames. Se, ao revés, a viúva quiser aproveitar-se do seguro em detrimento do quinhão dos herdeiros, esse desvio de conduta será, com certeza, inibido judicialmente.

Voto, por isso, no sentido de conhecer do recurso especial e de dar-lhe provimento para julgar procedente a ação, condenando a ré ao pagamento da quantia de R$ 5.081,00 (cinco mil e oitenta e um reais), acrescida de correção monetária desde a data do acidente, mais juros desde a citação e honorários de advogado à base de dez por cento sobre o valor da condenação”.

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Temos resolvida a contenda. A jurisprudência sumulada expressamente consagra o dever de indenizar do Consórcio Líder ao(s) beneficiário(s) do segurado-proprietário, e/ou a ele próprio, quando deixa de pagar o prêmio do seguro obrigatório DPVAT, por se tratar de um seguro com caráter social. Impertinente, pois, qualquer análise de pagamento do prêmio para o cumprimento da obrigação indenizatória das coberturas contempladas pelo seguro DPVAT.

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Sobre o autor
Alexander Soares Luvizetto

Advogado formado em 1996 pela UniRitter, pós-graduado em Direito Tributário pela FGV e em Direito Civil e Processo Civil pelo IDC. Especialista em Direito do Seguro.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LUVIZETTO, Alexander Soares. Indenização DPVAT ao segurado impontual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5157, 14 ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59725. Acesso em: 19 abr. 2024.

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A Seguradora Líder, em que pese antigas e consagradas decisões judiciais, tem negado indenização do seguro DPVAT aos proprietários e/ou beneficiários deste, quando o prêmio não foi pago.

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