Sob o Direito Constitucional, chama-se de “fraude à Constituição” quaisquer ações ou interpretações que levem à aniquilação da integridade dos princípios constitucionalmente referendados.
Como temos um poder que chegou ao ápice por meio de “golpe institucional”, em 2016, nossa “fraude à Constituição” ainda reverbera interpretações de exceção. Se a regra é a Constituição, o golpe é a exceção interpretativa que viola seus fundamentos.
Neste conjunto, permitido após o golpe, agora, como via de sacramentar-se a intenção não-confessada em 2016, tenta-se uma “fraude ao Poder Constituinte” – como também designa a melhor doutrina.
O golpe no Poder Constituinte, em 2017, não é tão singular ou sofisticado quanto aquele de 2016. Sem meias tratativas, trata-se de duas frentes: 1) Garantir foro privilegiado aos caciques dos partidos envolvidos em graves acusações por corrupção institucional e que respondem a processos judiciais; 2) Perpetrar no Poder Executivo o mesmo Grupo Hegemônico que chegou ao comando central sem receber votos.
As manobras de manipulação e de afronta à Constituição atendem pelo pseudônimo de Reforma Política.
Uma parte, denominada de Centrão ou de “baixo clero” do Legislativo, prega uma reforma política denominada de “Distritão”. Somente os mais bem votados seriam (re)eleitos: é uma corrida de cavalos que só premia o primeiro colocado. Isto é, só serão eleitos os caciques, os donos dos partidos; exatamente os que mais respondem processos judiciais por Caixa 2 ou corrupção. Os partidos serão ainda mais enfraquecidos.
A outra parte do grupo que sustenta o Executivo central (leia-se PSDB) defende o Parlamentarismo para 2022, mas articula-se, em benefício próprio – e de encontro ao Centrão –, para que em 2018 haja um sistema distrital misto.
Enfim, nas duas manobras – que são a dupla face da mesma moeda – há uma mudança do sistema presidencial por algum tipo de Parlamentarismo. E sem nenhuma chance do povo compreender e declinar ou não seu apoio às reformas protagonizadas.
Por mais que seja abominável o modelo de Super-presidencialismo que herdamos das cortes políticas dos EUA e que refinamos ao gosto das castas senhoriais, patrimoniais e coronelistas, e que requer de séria e profunda mudança, não é atropelando a Constituição – sem a mínima legitimidade – que se vai operar o fim da crise sistêmica.
O que se fará, na prática, é trocar o sistema presidencial – aprovado em plebiscito/1993 – por um tipo qualquer de Parlamentarismo. Ora, se as Disposições Constitucionais Transitórias relegaram ao povo o “direito-poder” de decidir se queria presidencialismo ou parlamentarismo, isto foi feito sob a égide do Poder Constituinte Originário.
Pela lógica jurídica, o poder derivado não tem condição constitucional de remover o que a decisão popular sacramentou com a força eivada do Poder Constituinte Originário, prorrogado até 1993, quando lhe deu rendeu esta outorga e, em seguida, pavimentou a decisão popular depositada no sufrágio universal.
Portanto, modificar o sistema presidencial sem consulta popular, sem que o povo tenha direito de decidir sobre seu futuro político, por óbvio, é fraude ao Poder Constituinte mediante golpe à Constituição.
A mudança parlamentar – Bonapartismo Parlamentar – ainda viola cláusula pétrea que estabelece o “voto livre, secreto e direto”, ao impedir que o povo decida de forma soberana. Então,por meio de uma única tacada, violam princípios constitucionais e direitos fundamentais: sufrágio universal e soberania popular.
Não há pior acomodação ao realismo político do que esse tipo de gravíssima violação constitucional. Realmente nada mais apropriado para o século XXI do que ganharmos o cavalo de Napoleão embrulhado como presente de grego.