Capa da publicação O ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor: afinal, quais seus reais efeitos?
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Os efeitos da inversão do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor

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26/10/2017 às 15:00
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2 O ÔNUS DA PROVA

Após compreender a relevância da prova ao processo, é necessário enxergar a regulamentação do ônus da prova. Contudo, inicialmente é imperioso que analisemos as particularidades e o conceito de ônus da prova.

“A palavra vem do latim, ônus, que significa carga, fardo, gravame. Não existe obrigação que corresponda ao descumprimento do ônus.” (NERY JR., 2012, p. 727). É possível afirmar que, diante do conceito apresentado, ônus da prova é uma incumbência conferida à uma das partes, com o objetivo de expor a existência ou inexistência dos fatos controversos na lide, a fim de que o julgador possa ter uma melhor analise do caso.

Por um longo tempo, o ônus da prova era compreendido como uma espécie de obrigação, de acordo com a qual a parte, em um determinado prazo, realizaria o ato com o intuito de alcançar o efeito jurídico aspirado.

Outra ideia de ônus foi ganhando espaço jurídico, sustentando que o ônus não está adstrito ao sentido de obrigação, por conta de sua faculdade, de modo que o não cumprimento não caracterizaria um ato ilícito. Conforme alude Luiz Eduardo Boaventura Pacífico (2001, p. 20) “atualmente a doutrina é unanime em dotá-lo de autonomia conceitual, não o confundindo com a obrigação, com o direito subjetivo ou com outras situações jurídicas [...].”.

À vista disso, o ônus se reveste de outro significado, um encargo que é instituído à parte de praticar ou se abster da prática de um ato, visto que seu descumprimento suscita tão somente prejuízos àquele que não o exerceu e que deveria. Fica a cargo da parte, assim, cumprir ou não com o ônus a ela distribuído.

Para assimilar melhor o conteúdo, podemos conceituar o ônus como sendouma prerrogativa que as partes detêm para praticar ou deixar de praticar alguns atos processuais - ação esta que lhe proporciona determinado proveito próprio se cumprir com seu encargo. Ao contrá\rio, se a parte se abstiver de praticar o ônus que lhe compete, ela deixa de desfrutar a vantagem processual obtida caso tivesse cumprido. Segundo Luiz Eduardo Boaventura Pacífico (2001, p. 24)

[...] o ponto fundamental para distinção operada reside na percepção de que as ideias de liberdade e de poder estão abrangidas na noção de ônus, que indica um meio para o atingimento de determinado fim em favor do próprio onerado, e cuja inobservância não implica cometimento de ato ilícito.

No entendimento de João Batista Lopes (2002, p. 38)

[...] não existe dever jurídico de provar, mas simplesmente ônus de fazê-lo. Entende-se por ônus a subordinação de um interesse próprio a outro interesse próprio; obrigação é a subordinação de um interesse próprio a outro, alheio.

Isso significa que ter o “ônus” não que dizer a mesma coisa que ter “obrigação”, pois esta surge do inadimplemento de uma imposição jurídica. Quem não desempenhar uma obrigação espontaneamente será submetido a prestá-la.

Processualmente, há o ônus no instante em que se protege um interesse próprio e a obrigação surgiria no momento em que há o interesse do outro. Eis o entendimento apresentado por Alvim Netto, apud Rodrigo Garcia Schwarz (2006, p. 16), que faz essa diferenciação de maneira precisa:

A distinção que nos parece primordial é a de que a obrigação pede uma conduta cujo adimplemento ou cumprimento aproveita à parte que ocupa o outro polo da relação jurídica. Havendo omissão do obrigado, este será ou poderá ser coercitivamente obrigado pelo sujeito ativo. Já com relação ao ônus, o indivíduo que não o cumprir sofrerá, pura e simplesmente, via de regra, as consequências negativas do descumprimento que recairão sobre ele próprio. Aquela é essencialmente transitiva e o ônus só o é reflexamente.

O titular do ônus é, efetivamente, quem possui vantagem em cumpri-lo, porque se não o fizer poderá amargar as sequelas. Desta maneira, o ônus não pressupõe a presença do direito de outrem.

Podemos depreender que o ônus está intrinsecamente coadunado a uma faculdade, tanto do requerente quanto do requerido, em provar ou não o fato levantado em juízo. Sem embargo, o descumprimento do ônus pode fomentar uma decisão da lide desfavorável àquele que era de interesse, mas não realizou.

O ônus da prova apresenta duas funções essenciais. A primeira é impelir as partes a provar suas afirmações e a segunda, assessorar o magistrado, que se encontra indeciso para proferir o julgamento, conferindo-lhe um juízo critico para a decisão impedindo, desta forma, o non liquet. No mesmo sentido afirma Alexandre Freitas Câmara (2010, p. 406)

A análise do ônus da prova pode ser dividida em duas partes: uma primeira, em que se pesquisa o chamado ônus subjetivo da prova, e onde se busca responder à pergunta “quem deve provar o quê?”; e uma segunda, onde se estuda o denominado ônus objetivo da prova, onde as regras sobre este ônus são vistas como regras de julgamento, a serem aplicadas pelo órgão jurisdicional no momento de julgar a pretensão do autor.

A primeira função, portanto, é o ônus subjetivo da prova, que constitui na imposição às partes de provar suas pretensões, ou seja, a distribuição entre as partes da atividade de comprovar o fato alegado. Esse tipo de ônus subjetivo está intimamente ligado ao principio dispositivo, deste modo, quando o principio é mitigado, esse ônus fica limitado.

Vale assinalar que, caso a parte não tenha o ônus probatório naquele momento processual, ou seja, não seja aquela parte especifica que tenha que provar determinada afirmação, contudo, ela possui o desejo na impugnação do fato que a parte contraria está incumbida de provar, ela pode se utilizar, para tanto, da contraprova, impugnação específica para a situação.

A espécie subjetiva do ônus probatório é imprescindível para decidir a que parte cabe à produção da prova e qual a consequência proveniente da ausência da produção da prova, efeitos que serão verificados no julgamento, momento no qual haverá a aplicação das regras de distribuição do ônus.

Para o magistrado é imprescindível que haja normas para a divisão do ônus probatório quando existam fatos controversos. Com isto, é dever do juiz para uma decisão justa, averiguar toda a matéria de fato oferecida nos autos, não importando quem tenha produzido a prova. Importa ao juiz o que está provado no processo, neste ponto assiste o outro aspecto do ônus, qual seja, o ônus objetivo da prova, no qual a atividade das partes não possui tanta distinção.

Assentado no principio do non liquet, é vedado que o magistrado se exima de resolver uma questão controversa com argumentação na dúvida sobre a veracidade dos fatos alegados. A ordem jurídica, assimilando que a situação jurídica necessita ser resolvida, disponibilizou ao julgador regras que o permitem solucionar o conflito. E é por meio das regras da distribuição do ônus da prova que as incertezas levantadas são suprimidas.

Isto é, ao surgir a dúvida, o magistrado utilizará as regras de distribuição do ônus da prova, abastecendo a quem possuía a função e não a executou uma sentença desfavorável.

À vista disso, o escopo do ônus objetivo da prova como regra de julgamento é proporcionar ao magistrado o esclarecimento dos fatos, a fim de evitar o non liquet. Conforme assevera Rodrigo Klippel (2011, p. 295):

O ônus probandi, em seu aspecto objetivo, é uma regra de julgamento subsidiária, suplementar, a ser usada pelo juiz como critério para decidir todas as vezes que não tiver se convencido, por meio da análise das provas, sobre quem tem razão – se autor ou réu.

As normas do ônus da prova amparam o magistrado no momento da decisão e por isso sua problemática não se resume em saber quem sofrerá as consequencias pela ausência de prova. Desta maneira, na falta de prova do fato alegado, configura-se como aplicação subsidiária e regra de julgamento.

O vocábulo “ônus” determina que o indivíduo responsável pela alegação é do mesmo modo aquele que tem a obrigação de oferecer a prova imprescindível para defendê-la. Por conseguinte, o ônus é utilizado no Direito a fim de estabelecer que seja o responsável por suportar uma declaração.

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A priori, o principio do ônus da prova parte do postulado que toda alegação necessita de uma sustentação e, a partir do instante em que não é apresentada a prova para amparar a afirmação, deve-se desconsiderar o raciocínio lógico.

Consoante os pensamentos de Barbosa Moreira (apud DIDIER 2012, p. 78)

o valor normativo das disposições pertinentes à distribuição do ônus probandi assume real importância na ausência de prova: em semelhante hipótese é que o juiz há de indagar a qual dos litigantes competia o ônus, para imputar-lhe as consequências desfavoráveis da lacuna existente no material probatório.

Pela regra geral do Código de Processo Civil em vigor, mais precisamente no artigo 333, incumbe ao autor o ônus de provar o fato constitutivo de seu direito e ao réu o de provar a inexistência desse fato ou provar os fatos extintivos, impeditivos e modificativos do direito do requerente, in verbis

Art. 333. O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

[...]

O fato constitutivo pode ser compreendido como uma conjuntura da vida que é empregada como um dos pilares para o pedido da parte ativa, ou seja, aquele que deu origem a relação jurídica advertida em juízo.

O fato impeditivo é um fato de essência negativa, ou seja, a inexistência de um dos quesitos genéricos de legitimidade do ato jurídico. Em vista disso, o fato impeditivo é o que entrava o corolário jurídico do requerente.

O fato que altera a relação jurídica é conhecido, para tanto, como modificativo. Já o fato extintivo é aquele no qual provoca o encerramento da relação jurídica.

O encargo do ônus da prova é primordial para autenticar o arrazoado na lide e que são reestruturadas pela via probatória, com a intenção de um julgamento pelo magistrado. Nas palavras de João Batista Lopes (2002, p. 38)

No ônus, há a ideia de carga, e não de obrigação ou dever. Por outras palavras, a parte a quem a lei atribui um ônus tem interesse em dele se desincumbir; mas se não o fizer nem por isso será automaticamente prejudicada, já que o juiz, ao julgar a demanda, levará em consideração todos os elementos dos autos, ainda que não alegados pelas partes (CPC, art. 131).

Consequentemente, qualifica-se como uma tarefa das partes, uma vez que elas são as responsáveis por se desvincular do encargo, trata-se, portanto, do ônus subjetivo. Não obstante, caso o ônus seja descumprido, pode haver a possibilidade de faltar elementos necessários à resolução da lide, desta forma a parte que teria o ônus de prova e não o fez será a parte derrotada no processo.

Conforme alude Fredie Didier Jr. (2012, p. 78), a regra que permite ajudar o juiz nos casos em que não existam elementos necessários para configurar seu convencimento é o que conceituamos como ônus objetivo da prova, vejamos

Na realidade, ao julgador é suficiente que verifique se o resultado da instrução foi completo ou não. Se completo, irrelevante é quem foi responsável pela produção da prova. O magistrado não deve ater ao aspecto subjetivo do ônus probatório, não importando quem foi o responsável pela produção da prova [...]. Mas se incompleto (o resultado da instrução), deverá ater-se ao caráter objetivo do ônus probatório, investigando qual das partes foi responsável pela sua incompletude, para que suporte os prejuízos da inexatidão fática que permaneceu nos autos.

Existem, portanto, duas funções fundamentais à regra do ônus da prova, servindo, primeiramente, como norte às partes do processo que serão capaz de reconhecer quais afirmações necessitam ser comprovadas, e por ultimo, como regra auxiliar de julgamento ao magistrado, que no caso de duvida sobre quem deve ter o julgamento de procedência, pode utilizar-se do ônus da prova, decidindo desfavorável à quem deveria teria o encargo do ônus e não se desonerou.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Paula Mello Silva. Os efeitos da inversão do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5230, 26 out. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60256. Acesso em: 21 nov. 2024.

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