Capa da publicação Declaração prévia do CADE na infração contra a ordem econômica para configuração de crime
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A necessidade de manifestação prévia do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) para a tipicidade do crime econômico previsto no artigo 4º da Lei nº 8.137/90

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03/10/2017 às 13:40
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4.      A Competência e Função do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE)

O CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica foi criado pela Lei 4.137, de 10/09/62, que regulava a repressão ao abuso do poder econômico, com sede no Distrito Federal e jurisdição administrativa em todo o território nacional.

A Lei 8.884/94 transformou o CADE em autarquia federal,  funcionando junto a Secretária de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE), que lhe dá suporte administrativo e de pessoal, segundo a regulamentação estabelecida na Lei 8.884/94, que instituiu normas para a defesa da concorrência.

Dentre as atribuições do CADE destacam-se: a) verificar se há real motivo para instauração de processo administrativo destinado a apurar e reprimir os abusos do poder econômico; b) apurar a existência de atos puníveis; c) ordenar as providências necessárias à cessação do abuso do poder econômico; d) decidir sobre a existência de abusos do poder econômico; e) requisitar diligências, informações, documentos e providências aos órgãos estatais; f) requerer ao Poder Judiciário a execução de suas decisões; g) cominar multa aos infratores; h) propor a intervenção e desapropriação de empresas, de suas ações ou quotas; i) decidir os processos instaurados pela Secretária da SDE; l) determinar à Procuradoria do CADE a adoção de providências administrativas e judiciais; m) firmar contratos e convênios; n) responder a consultas sobre matéria de sua competência.

Neste diapasão, para efeito de aproveitamento da conclusão que se busca neste trabalho, pode-se afirmar que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) constitui um órgão administrativo de apoio do Poder Executivo competente legal para a apuração e punição extrapenal de práticas consideradas abusivas do poder econômico, tendo também por função atuar preventivamente, autorizando a formalização de atos de concentração de empresas, desde que não impliquem prejuízo ao consumidor ou usuário final.

Em outras palavras, o CADE é o órgão competente, em sede de julgamento de processo administrativo, para declarar a existência de abuso do poder econômico, ou para impedir que ele aconteça.

Percebe-se, de plano, a importância que a atuação do CADE terá para efeito da aplicação da legislação penal.


5.      A Tipicidade no Direito Penal Econômico

As normas penais visam atender o ordenamento jurídico em situações consideradas por uma determinada comunidade como as mais graves, isto é, tem por escopo principal tentar garantir a proteção de bens jurídicos das ações mais violentas pela sociedade consideradas num determinado momento histórico.

Nesse sentido, ao se pensar na proteção penal de um bem jurídico de caráter econômico, é imperioso o questionamento acerca do conteúdo deste bem e, além disso, de quais seriam os ataques violentos que as normas sancionatórias de caráter não penal falharam em evitar.

Para tanto, é preciso saber da idéia de normalidade econômica para se chegar ao conhecimento dos desvios causadores da anormalidade econômica.

Ocorre que esta normalidade ideal é contingente, historicamente determinada. Trata-se de um valor, uma aspiração, que sofre contínua mutação, influenciada pelos valores de cada sociedade: o que é bom economicamente num momento não o é em outro.

Desta forma, não há como falar em proteção penal da normalidade econômica dissociada da configuração específica de determinada sociedade. O sistema econômico é que determina o que se deve fazer e quais os objetivos a serem alcançados pela sociedade, determinaram o que seja, dentro daquele modelo, a normalidade.

Neste contexto, o Estado passa a atuar disseminadamente no sistema jurídico, aproveitando-se de todos os instrumentos que estão ao seu alcance para a consecução da política econômica.

Daí a assertiva de que o Direito Econômico não possa ser visto como um ramo jurídico propriamente dito, mas como um conjunto de normas com vetorialidade especial, nas palavras de Fábio Nusdeo, normas que se inserem em cada um e em todos os ramos tradicionais do Direito, espraiando-se pelo Direito Administrativo, Comercial, Civil, dentre outros. Klaus Tiedemann também destaca esta característica do Direito Econômico:

“De este modo, el Derecho Económico en sentido amplio, es decir, como derecho de las actividades económicas o de la empresa, no constituye por sí mismo una categoría nueva, sino que agrega al derecho ya existente un valor específicamente económico general y reúne en forma sistemática las leyes vigentes sobre la materia. El Derecho Económico comprende pues, en especial, el Derecho de Empresa, o sea, el problema de quiénes serán admitidos como empresarios y cuáles son las condiciones básicas del funcionamiento de las empresas. Pero se refiere también a la regulación de las relaciones de las empresas entre sí y, sobre todo, a las formas de comportamiento en materia de competencia de mercado”[21].

Ocorre que a característica supra referida do Direito Econômico, aliada à sua instabilidade, constituem a sua vulnerabilidade mais latente, devendo ser atenuada ou até, superada em nome da segurança. Segurança  para a sociedade de que as metas objetivadas com a intervenção estatal serão o progresso, a estabilidade, a justiça e a liberdade econômica[22].

Estabelecidos, assim, os meios e os fins que o Estado pretende obter com a Política Econômica implementada, ou seja, o que seria, naquele momento histórico, a sua normalidade, já pode se entrever a necessidade, extensão e limites de uma possível proteção penal da ordem econômica.

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É inevitável concluir que a multidisciplinariedade e instabilidade do Direito Econômico terá reflexos inexoráveis no, assim chamado, Direito Penal Econômico. Sobretudo, porque o caráter penal destas normas exige o esforço, mais que em outras matérias jurídicas, da segurança, da certeza e da determinação necessária à proteção da liberdade individual.

Outra característica marcante da disciplina penal econômica é o caráter supra individual dos bens que protege. Como no campo econômico podem chocar-se interesses individuais e supraindividuais tutelados, o embate transfere-se para o âmbito de proteção penal, com o efeito de tornar ainda mais delicada a questão da função garantidora  da liberdade individual comumente atribuída a este ramo jurídico.

Destaca-se, além da amplitude do bem jurídico tutelado, que a potencialidade lesiva das formas delitivas próprias do Direito Penal Econômico é muito superior à tradicional delinqüência; podendo ser encontradas, como acentua Willian Terra de Oliveira, suas marcas distintivas: “numa rápida análise do contexto atual notamos uma dicotomia entre a criminalidade tradicional, pautada pela violência, imediatidade e pessoalidade, frente a novas formas comportamentais caracterizada pelo racionalismo, astúcia, tecnicismo, anonimato e diluição de seus efeitos”[23].

Dada a já aludida vetorialidade e instabilidade das normas econômicas, é que se tem recomendado a criação de tipos legais de crimes que sejam aptos a acompanhar essa agilidade da vida econômica.

Isto não quer dizer, contudo, que a instabilidade das normas econômicas se refletirá nos tipos penais. Ao Direito Penal Econômico cumpre tutelar com sua sanção peculiar as metas objetivadas e não as minúcias da regulamentação econômica.

Feita a ressalva, propugna-se a maior parte da doutrina por um tratamento diferenciado relativamente aos delitos econômicos. As técnicas empregadas na sua tipificação prefeririam o emprego de normas penais em branco, de tipos de perigo (concreto ou abstrato), de elementos normativos, de cláusulas gerais e da supressão de qualificadoras do elemento subjetivo do tipo.

Sugere-se, assim, uma flexibilização de diversos princípios e garantias penais conquistadas ao longo do último milênio, especialmente no que concerne ao princípio da legalidade e princípios dele decorrentes.

Propõe-se o questionamento dos tradicionais conceitos dogmáticos de ação, culpabilidade e pena, com a sua reestruturação à luz das modernas demandas sociais, “pois se apenas uma das recentes formas delitivas indicassem a necessidade de adoção de mecanismos punitivos mais vulnerantes e incisivamente eficazes, já teríamos identificado um claro sintoma de que o sistema penal em seu conjunto estaria clamando pela aplicação de “meios de calibragem e ajuste”[24].

Outrossim, saliente-se que o Direito Penal Econômico, com a amplitude de seu conteúdo, é um direito de superposição. Pois, para a compreensão do direito econômico será imprescindível a compreensão, logicamente anterior da disciplina jurídico-econômica do fato. É exatamente por causa deste fenômeno da superposição que os tipos delituosos econômicos não incidem diretamente sobre os fatos, mas, antes, sobre normas jurídicas que regulam situações de fato.

Asseverou esse fenômeno o Professor Geraldo Ataliba. Referindo-se ao Direito Penal Tributário já afirmava que “é preciso considerar que a lei penal não vai incidir diretamente sobre comportamentos ou sobre fatos, mas vai incidir sobre comportamentos e fatos regulados antes pela lei tributária”[25]. No mesmo sentido, adverte Klaus Tiedemann que:

“Debemos partir del supuesto de que esta parte del Derecho Penal Económico está vinculada a las decisiones del legislador en materia económica y depende de ellas. En este âmbito es imposible, más aún que en otros, hablar de delitos “naturales”. Un elocuente ejemplo de ello lo constituye el Derecho Penal Fiscal: todos los ordenamientos jurídicos estructuram sus tipos penales, destinados a proteger el sistema fiscal, en forma tal que, el que un hecho sea punible, depende de si infringe algún deber fiscal (declarar, pagar, hacer efectivos los impuestos, etc.). Si estos deberes no están precisados o no lo están suficientemente, no hay lugar a responsbilidad penal”[26].

Nesse sentido, a desenvoltura própria da vida econômica e a complexidade da sua regulamentação legislativa e administrativa causam quase a inevitabilidade do emprego de elementos normativos e cláusulas gerais.

Entretanto, a necessidade desta técnica na descrição típica dos delitos econômicos, só poderá implicar na declaração da responsabilização penal do agente quando e na medida em que estes elementos consubstanciem valorações reconhecidas e seguras.

Isto é, no âmbito do Direito Penal, necessário se faz que o intérprete utilize de critérios razoáveis para o alcance da utilização dos elementos normativos e cláusulas gerais, de natureza econômica, sob pena de trazer a insegurança social.

Enfim, muito embora visualize-se uma nova perspectiva de abordagem dogmática e legislativa dos delitos econômicos, são as categorias e os princípios gerais do Direito Penal, em seu conjunto, que devem nortear as novas formulações nesta matéria.

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Sobre o autor
Jorge Paulo Caroni Reis

Sou advogado qualificado e experiente, formado pela USP. Tenho mais de 20 anos de atuação jurídica e especialista na área criminal. Meu escritório possui profissionais que atuam de forma qualificada em diversas áreas do Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIS, Jorge Paulo Caroni. A necessidade de manifestação prévia do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) para a tipicidade do crime econômico previsto no artigo 4º da Lei nº 8.137/90. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5207, 3 out. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60379. Acesso em: 18 abr. 2024.

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