A tutela penal decorrente de maus tratos contra animais.

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3 Da proteção aos animais e suas penalidades

A primeira lei de proteção aos animais do Brasil foi o Decreto Federal n.º 16.590/1924, que regulamentava as “Casas de diversões públicas”, proibindo a prática de diversos “divertimentos” como brigas galo, corridas de touros dentre outros práticas onde os animais eram maltratados (MURARO, 2014, p. 114).

Em 1934, foi promulgado o Decreto Federal n.º 24.645, que estabelecia medida de proteção aos animas, segundo o qual os maus tratos contra os animais se tornavam contravenção penal (DIAS, 2000, p. 155).

Já em 3 de outubro de 1941, foi editado o Decreto-Lei n.º 3.688, Lei de Contravenções Penais, que, em seu artigo 64, proibia a crueldade contra os animais. Vejamos:

Art. 64. Tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo: Pena - prisão simples, de 10 (dez) dias a 1 (um) mês, ou multa.

§ 1º. Na mesma pena incorre aquele que, embora para fins didáticos ou científicos, realiza, em lugar público ou exposto ao público, experiência dolorosa ou cruel em animal vivo.

§ 2º. Aplica-se a pena com aumento de metade, se o animal é submetido a trabalho excessivo ou tratado com crueldade, em exibição ou espetáculo público (BRASIL, 1941).

Posteriormente outras leis foram sendo aprovadas: Código de Pesca (Decreto-Lei n.º 221/1967), Lei de Proteção à Fauna (Lei Federal n.º 5.197/1967), Lei dos Cetáceos (Lei Federal n.º  7.643/1987), entre outros instrumentos jurídicos de proteção aos animais. (BRASIL, 1967), (BRASIL, 1967) e (BRASIL, 1987).

No Brasil, a maior inovação adveio com a Constituição Federal de 1988, dedicando capítulo inteiro ao meio ambiente. O artigo 225 dispõe que todos têm o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao Poder Público e a sociedade o dever de defendê-lo e preserva-lo para as presentes e futuras gerações. (BRASIL, 1988).

Em seu parágrafo 1º, inciso VII, do dito artigo, salienta que incumbe ao Pode Público proteção a fauna e a flora, vedando-se práticas cruéis contra os animais. Assim o direito conferido aos animais, torna-se a dever do homem e verdadeiro exercício de cidadania. (BRASIL, 1988).

Entretanto, o documento, talvez, mais importante quanto à proteção dos animais foi apresentado em 1978, ou seja, a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, proclamado pela UNESCO em 27/01/1978, na cidade de Bruxelas na Bélgica. Diz a Declaração Universal dos Direitos dos Animais em seus artigos 2º e 3º que:

· Cada animal tem o direito ao respeito;

· O homem, enquanto espécie animal não pode atribuir-se o direito de exterminar os outros animais ou explorá-los, violando este direito. Ele tem o dever de colocar a sua consciência a serviço dos outros animais;

· Cada animal tem o direito à consideração, à cura e à proteção do homem;

· Nenhum animal deverá ser maltratado e submetido a atos cruéis;

· Se a morte de um animal é necessária, deve ser instantânea, sem dor nem angústia. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1978).

Por influência de diversos tratados internacionais, surgiu no Brasil a Lei de Crimes Ambientais, Lei Federal n.º 9.605/1998, passando a crueldade contra animais a ser tratada como crime e não mais como contravenção penal. (BRASIL, 1998).

Diz o artigo 32, da Lei Federal n.º 9.605/1998 que é crime contra a fauna praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal (BRASIL, 1998).

Trata-se de crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa, tanto a pessoa física como jurídica. De acordo com o artigo 2º, da Lei Federal n.º 9.605/1998:

Art. 2º. Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.

Reza o artigo 3º, da Lei Federal n.º 9.605/1998, que as pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de órgão colegiado, no interesse ou benefício da pessoa jurídica. (BRASIL, 1998).

Além disso, a própria Constituição Federal dispõe em seu artigo 225, parágrafo 3º que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. (BRASIL, 1988).

Sobre a responsabilização da pessoa jurídica, para Fernando Galvão, a Constituição Federal acolheu opção política no sentido de responsabilizar criminalmente a pessoa jurídica e, portanto, cabe aos operadores do direito construir caminho dogmático capaz de materializar, com segurança, a vontade política. (GALVÃO, 2002, p. 165).

Por sua vez, o sujeito passivo nos crimes ambientais é sempre a coletividade, uma vez que o artigo 225, da Constituição Federal, nos diz que o meio ambiente é bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida (COPALA, 2012, p. 23).

Sobre o objeto jurídico do Direito Ambiental, leciona Vladimir Freitas:

O objetivo da proteção do presente tipo penal é o de reprimir os atentados contra os animais. O ser humano deve respeitar os demais seres da natura e evitar-lhes o sofrimento desnecessário. A crueldade avilta o homem e faz sofrer, desnecessariamente o animal. O objetivo da norma é buscar que tais fatos não se tornem rotineiros e tacitamente admitidos pela sociedade (FREITAS, 2000, p. 94).

A objetividade jurídica prevista na norma consiste na “preservação da integridade biológica e do bem-estar dos animais em geral, da fauna e do meio ambiente” (FILHO, 2001, p. 151).

O tipo se utiliza de três verbos: praticar ato de abuso, maus tratos e ferir ou mutilar.

Configura a prática de ato de abuso quando se exige do animal um esforço acima de suas forças, abusando dele, extrapolando limites. É o caso daquele que cavalga por muitas milhas, sem dar necessário repouso ao animal, ou aquele que exige dos jumentos atrelados a carroça que puxem cargas pesadas em longos trajetos (MILARÉ e COSTA JUNIOR, 2002, p. 86).

A prática de maus tratos consiste no castigo excessivo e desnecessário do animal (MILARÉ e COSTA JUNIOR, 2002, p. 86).

Pela conduta “ferir”, entendemos, lesionar o animal, lesar sua integridade corporal. Por sua vez, “mutilar” é extrair parte do corpo do animal (DIAS, 2000, p. 156).

Para Gina Copola esse é um tipo penal excessivamente aberto, o qual direciona ao intérprete o encargo de completar o tipo penal, adequando-o ao caso concreto. (COPOLA, 2012, p. 23).

Este artigo deve ser interpretado em conjunto com o Decreto Federal n.º 24.645 de 10/07/1934, na medida em que este último é o único dispositivo legal que define maus tratos. Desta forma, o mencionado decreto enumera trinta e uma situações consideradas maus tratos, vejamos algumas:

V - abandonar animal doente, ferido, extenuado ou mutilado, bem como deixar de ministrar-lhe tudo que humanitariamente se lhe possa prover, inclusive assistência veterinária;

VII - abater para o consumo ou fazer trabalhar os animais em período adiantado de gestação;

XV - prender animais atrás dos veículos ou atados às caudas de outros;

XXV - engordar aves mecanicamente;

XXVI - despelar ou depenar animais vivos ou entregá-los vivos a alimentação de outros;

XXVIII - exercitar tiro ao alvo sobre patos ou qualquer animal selvagem ou sobre pombos, nas sociedades, clubes de caça, inscritos no Serviço de Caça e Pesca;

XXIX - realizar ou promover lutas entre animais da mesma espécie ou de espécie diferente, touradas e simulacros de touradas, ainda mesmo em lugar privado;

XXX - arrojar aves e outros animais nas casas de espetáculos e exibi-los, para tirar sortes ou realizar acrobacias;

XXXI - transportar, negociar ou caçar, em qualquer época do ano, aves insetívoras, pássaros canoros, beija-flores, e outras aves de pequeno porte, exceção feita das autorizações para fins científicos, consignadas em lei anterior (BRASIL, 1934).

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Gina Copola salienta que o § 1º, do artigo 32, da Lei dos Crimes Ambientais, institui que incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda quem para fins didáticos ou científicos, quando inexistirem outros recursos. (COPOLA, 2012, p. 24).

Observa-se que o artigo 32 impõe àqueles que praticam maus tratos contra qualquer tipo de animal, a pena de detenção de três meses a um ano e multa. No caso de ocorrer morte, a sanção será aumentada de um terço a um sexto. Todavia, em 2012 foi aprovada pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, por unanimidade, o Projeto de Lei n.º 2833/2011, de autoria do Deputado Federal Ricardo Tripoli, o qual aumenta as penalidades para quem comete maus tratos contra animais, em especial, cães e gatos.

Desta forma, Elga Helena de Paula Almeida esclarece que,

As penas passaram a ser de cinco a oito anos de reclusão para quem provoca a morte de animais e tem como agravante, nos casos da morte ser cometida com emprego de veneno, fogo, asfixia, espancamento, arrastamento, tortura ou outro meio cruel, o aumento da pena para seis a dez anos de reclusão, sendo esta dobrada se o crime for cometido por duas ou mais pessoas ou pelo responsável pelo animal, e sendo o crime culposo a pena cai para três à cinco anos de detenção.

O abandono de animais ou a promoção de luta entre eles incorre em pena de três à cinco anos de detenção. Expor a vida, a saúde ou a integridade de um animal á perigo será de dois à quatro anos. A penalidade para aqueles que mantém animais presos à correntes ou cordas em propriedade particular é de um à três anos de detenção. (ALMEIDA, 2014, p. 21).

            Elga Helena de Paula Almeida assevera ainda que na maior parte das vezes os crimes contra animais nem se quer chegam ao conhecimento das autoridades, seja devido ao medo de denunciar, ou por ignorância da população que considera tal fato normal, e até mesmo porque desconhecem os procedimentos. Neste sentido, acrescenta que:

a denúncia por crimes de maus tratos contra animais poderá ser feita por qualquer pessoa. Todos têm o dever legal e moral de delatar qualquer caso de violência ou agressão contra um animal, até mesmo ameaças podem ser comunicadas à polícia, pois ficar em silêncio ao presenciar a ocorrência de tais fatos acarretará omissão.

Cabe à autoridade policial transcrever o termo circunstanciado de ocorrência – TCO, e instaurar o inquérito policial. Ele não poderá se eximir desta obrigação, pois, se o fizer, será responsabilizado por crime de prevaricação e negligência, previstos no artigo 319 do Código Penal.

Caso o atendimento são seja satisfatório tem-se a opção de recorrer ao Ministério Público identificando a autoridade que se recusou a tomar as medidas cabíveis e encaminhando a queixa ao Promotor de Justiça. (ALMEIDA, 2014, p. 25).

Vale salientar que o cidadão que relatou o ato criminoso à autoridade não será autor do eventual processo judicial, e, sim, o Ministério Público, pois o meio ambiente, incluindo os animais, está sobre a tutela do Estado, conforme o artigo 1º, do Decreto Federal n.º 24645/1934, que nos traz: “Todos os animais existentes no país são tutelados do estado”. Logo, uma vez concluído o inquérito para apuração do crime, ou elaborado termo circunstanciado de ocorrência, o Delegado o encaminhará ao juízo para abertura da competente ação penal onde o “Autor” da ação será o Estado. Além disso, os crimes previstos na Lei Federal n.º 9.605/1998 são de ação penal pública incondicionada, desta forma, ao tomar conhecimento, o Ministério Público estará obrigada a proceder com a ação (ALMEIDA, 2014, p. 28).

A lei ambiental não tem sido freio suficiente. A proliferação normativa desativa a força intimidatória do ordenamento. Outras vezes, a sanção é irrisória e vale a pena suportá-la, pois a relação custo benefício estimula a vulneração da norma (NALINI, 2001, p. 23). Por esta razão, é necessário a utilização do Direito Penal como forma de garantir a efetiva proteção do meio ambiente, que se torna cada vez mais necessária para dar fim a tal prática.

Em matéria publicada pelo Superior Tribunal de Justiça, a Comissão de reforma do Código Penal passará a tratar o crime de maus tratos. Foi definido como “praticar ato de abuso, maus-tratos a animais domésticos, domesticados ou silvestres, nativos ou exóticos”, com pena de prisão de um a quatro anos. (BRASIL, 2012).

No caso de ocorrência de lesão grave permanente ou mutilação do animal, a pena será aumentada de um sexto a um terço. Se os maus tratos resultam na morte do animal, a pena é aumentada da metade, podendo ir de três a seis anos.

A incorporação da legislação ambiental no Código Penal representa um grande avanço. Está se dando aos crimes ambientais a dignidade penal que eles merecem.

Em seguida, trataremos sobre o caso de envenenamento de cães na cidade de Parnamirim/PE.

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Sobre os autores
Leonardo Barreto Ferraz Gominho

Graduado em Direito pela Faculdade de Alagoas (2007); Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina (2010); Especialista e Mestre em Psicanálise Aplicada à Educação e a Saúde pela UNIDERC/Anchieta (2013); Mestre em Ciências da Educação pela Universidad de Desarrollo Sustentable (2017); Foi Assessor de Juiz da Vara Cível / Sucessões da Comarca de Maceió/AL - Tribunal de Justiça de Alagoas, por sete anos, de 2009 até janeiro de 2015; Foi Assessor do Juiz da Vara Agrária de Alagoas - Tribunal de Justiça de Alagoas, por sete anos, de 2009 até janeiro de 2015; Conciliador do Tribunal de Justiça de Alagoas. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito das Obrigações, das Famílias, das Sucessões, além de dominar Conciliações e Mediações. Advogado. Professor da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF -, desde agosto de 2014. Professor e Orientador do Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF -, desde agosto de 2014. Responsável pelo quadro de estagiários vinculados ao Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF - CCMA/FACESF, em Floresta/PE, nos anos de 2015 e 2016. Responsável pelo Projeto de Extensão Cine Jurídico da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF, desde 2015. Chefe da Assessoria Jurídica do Município de Floresta/PE. Coautor do livro "Direito das Sucessões e Conciliação: teoria e prática da sucessão hereditária a partir do princípio da pluralidade das famílias". Maceió: EDUFAL, 2010. Coordenador e Coautor do livro “Cine Jurídico I: discutindo o direito por meio do cinema”. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821832; Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito civil e direito processual civil”. Volume 01. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821749; Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito das famílias e direito das sucessões”. Volume 01. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821856. Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito das famílias e direito das sucessões”. Volume 02. Belém do São Francisco: Editora FACESF, 2018. ISBN: 9788545558019. Coordenador e Coautor do livro “Cine Jurídico II: discutindo o direito por meio do cinema”. Belém do São Francisco: Editora FACESF, 2018. ISBN: 9788545558002.

Barbara Maria da Costa Barbosa

Acadêmica de Direito da Facesf.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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