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Direitos humanos das mulheres no envelhecimento

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28/09/2017 às 15:40
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As Mulheres Idosas Vítimas de Violência e Discriminação

Em qualquer fase da vida as mulheres são um dos grupos vulneráveis e com maior probabilidade de sofrer qualquer forma de violência e discriminação. Não é pelo facto de as mulheres envelhecerem que a violência e a discriminação deixam de existir, muito pelo contrário, existe maior risco de violência escondida.

A discriminação em função da idade, conhecida como Idadismo (ageism) é responsável pela diminuição da qualidade de vida e da saúde da população envelhecida, constituindo uma forma de violência. Neste sentido a Organização Mundial da Saúde (WHO) criou uma campanha para combater esta forma de discriminação[35].

A Declaração de Toronto sobre a Prevenção dos maus tratos a idosos define violência como:

“A single or repeated act, or lack of appropriate action, occurring within any relationship where there is an expectation of trust which causes harm or distress to an older person”[36].

Isto significa que se consideram maus tratos todas as ofensas físicas, psicológicas, sexuais, mentais e o abuso financeiro. Este risco de violência existe por parte de terceiros, dos cuidadores dos idosos, sejam familiares, terceiras pessoas ou instituições públicas ou privadas. O risco de violência nas instituições impõe, portanto, a necessidade de criação de planos para prevenir e resolver práticas de maus tratos. Acresce, igualmente, a necessidade de prevenção no discurso público já que a pressão económica e social pode conduzir a situações de violência. Prevenir os maus tratos é também um problema de direitos humanos.

Compreender os dados sobre a violência implica estudar estruturas complexas da sociedade, contudo constituem indicadores de risco na população feminina envelhecida o isolamento social, a pobreza e as falhas nos programas sociais de apoio específico e a prevenção da violência.

Segundo o Comentário Geral do Comité contra a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres (nº 27) de 2010[37] sobre os direitos das mulheres idosas e proteção dos seus direitos, importa considerar a desproporção dos números da discriminação no grupo das mulheres idosas. A Recomendação aconselha a colocar no centro das prioridades das políticas internacionais as medidas favoráveis aos direitos das mulheres idosas, nomeadamente, a eliminação das leis e das práticas discriminatórias.

A múltipla discriminação é igualmente preocupante porquanto os motivos da discriminação são se cingem, por exemplo, à idade. Esta forma de discriminação pode manifestar-se em várias áreas como no trabalho, na saúde, na educação, nos seguros e nos serviços bancários, na participação na elaboração de políticas, na compra de casa e outros bens.

A Carta Europeia dos direitos e responsabilidades das pessoas idosas que necessitem de cuidados a longo prazo e de assistência, desenvolvida em 2010 pelo EUSTACEA[38] contém um grupo de direitos e princípios não vinculativos como o direito à saúde, às prestações sociais, à privacidade, à informação, à participação na sociedade, aos cuidados paliativos e à dignidade na morte.

A tentativa de estabelecer um documento com as regras mínimas de proteção dos direitos nos casos de envelhecimento surgiu com a conhecida “Declaration of Old Age Rights”[39] apresentada pela Argentina, a qual abrangia os direitos à assistência, à alimentação, à saúde, ao trabalho e ao vestuário adequado às necessidades das mulheres. Contudo, os esforços individuais e coletivos não conduziram à implementação de um diploma internacional sobre os direitos das mulheres idosas no qual se reconhecem e se fixam os direitos e medidas relevantes referentes ao envelhecimento.


Novas Políticas

O envelhecimento feminino, como processo natural e social, é um processo com consequenciais culturais e políticas, colocando desafios a vários níveis nomeadamente no plano do desenvolvimento legal. Contudo, a criação de leis não é suficiente para resolver os problemas do envelhecimento. Elas constituem um conjunto de valores, um leque orientador para a criação de adequadas medidas concretas.

A proteção das pessoas no envelhecimento deve ser uma proteção no âmbito dos direitos humanos. Apesar de os direitos humanos se aplicarem às mulheres idosas é verdade que há fundamentos para estabelecer um diploma sobre direitos humanos das pessoas idosas que considere a tutela das mulheres, quer no plano da proteção internacional, quer no plano da proteção regional. Com esta visão, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas criou em 2010 o “Open-ended Working Group on Ageing”[40], com o objetivo de identificar e reforçar os direitos humanos no envelhecimento. Este grupo de trabalho identificou as áreas mais problemáticas relativas ao respeito dos direitos, as falhas na proteção internacional, os problemas de informação, os problemas de fiscalização e de implementação das medidas. Acresce que as pessoas idosas, e em especial, as mulheres não encontram suficiente proteção nos sistemas legal internacional e regional.

Algumas das medidas especiais com vista a reforçar o sistema de proteção internacional das pessoas idosas são medidas que visam responder à violência, por exemplo, medidas contra a exploração financeira das pessoas idosas, quer por parte da família, quer por parte de terceiros, medidas que visam garantir o acesso à saúde, que visam criar condições para a assistência na saúde e alimentação adequada. Acrescem medidas de participação na elaboração das políticas sociais, o que pressupõe cumprir o direito à informação e reforçar a legislação que permita boas condições de trabalho a pessoas idosas e na qual se preveja, expressamente, a proibição de discriminação em função da idade.

Neste contexto, o Report of the United Nations High Commissioner for Human Rights, United Nations Economic and Social Council (20.4.2012)[41] identificou as principais áreas cujas lacunas impõem alterações legislativas e a criação de medidas para as superar. De acordo com este documento as áreas que necessitam de atenção são o combate à discriminação, a violência e o abuso, novas regras sobre a capacidade legal, cuidados a longo prazo, normas sobre a fiscalização das instituições que prestam serviços a idosos nos centros ou lares de

Idosos, ou as que prestam cuidados em casa, regras especiais sobre o acesso a recursos financeiros, trabalho, alimentos, habitação, normas sobre segurança social, proteção social, regras de apoio sobre o fim da vida (providenciar por condições materiais, psicológicas, apoio espiritual no sentido de garantir a dignidade no fim da vida) e normas de apoio quando há casos de deficiência, o que se entende visto que o envelhecimento não acompanhado de condições apropriadas de saúde e reabilitação pode conduzir à deficiência e a situações graves de dependência. Conforme se diz no The World Report on Disability 2011[42] existe uma relação estreita entre a idade e a deficiência.

Por último, uma das áreas com maiores falhas no que concerne à proteção de idosos é a situação destes na prisão e o acesso à justiça. Neste campo, inserem-se a necessidade de novas medidas físicas de adequação do espaço à idade dos detidos e à separação dos restantes presos como as condições de vestuário, alimentação e saúde. Acresce a adequação das medidas de punição à idade.

O acesso ao direito e à justiça não se limita ao acompanhamento por advogado, mas ao direito a exigir uma decisão rápida e conforme com o direito. Também, o tratamento dado pelas instituições é considerado para efeitos de cumprimento de direitos humanos e é necessário fiscalizar o cumprimento das regras que garantam a independência e a autonomia das pessoas idosas.

Uma conclusão evidente é a de que à medida que a população envelhece espera-se que a população prisional também envelheça com todas as exigências que isso implica para os direitos humanos, nomeadamente, na fase da detenção, da aplicação de medidas de coação e da substituição da prisão por outras medidas. A violação da ponderação das condições de saúde ou outras situações especiais dos idosos na fase decisória pode significar violação do artigo 3º (proibição de tratamento desumano e degradante) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. São exemplos, dessa violação os casos Enea v. Italy; Farbtubs v. Latvia e Contrada v. Italy[43].

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Todas as novas medidas devem considerar em especial a condição feminina já que segundo as estimativas mundiais as mulheres são o género maioritário nesta faixa etária.

Os direitos dispersos pelas várias convenções internacionais e os direitos humanos identificados neste trabalho escrito são exemplos dos direitos humanos específicos das pessoas idosas particularmente relevantes para as mulheres no presente e no futuro.

Compreender que o envelhecimento é uma realidade e um processo natural, um processo principalmente feminino é um passo fundamental para respeitar os direitos humanos. Acresce que compreender a alteração da composição da sociedade pressupõe criar novas medidas e ajustar ações de modo a proteger os direitos no envelhecimento, ou seja, os direitos das mulheres. Por outro lado, é importante prevenir as consequências dos riscos de violência no envelhecimento, nomeadamente, através de medidas que promovam a igualdade no acesso ao trabalho e a igualdade de salários, pois uma sociedade desigual e discriminatória em relação às mulheres é um travão ao desenvolvimento e um elemento promotor do empobrecimento generalizado.

Perante os desafios do envelhecimento há que reforçar o discurso da proteção dos direitos das mulheres no envelhecimento como direitos humanos. A nível mundial têm sido definidas orientações e prioridades a seguir.

A Conferência Africana sobre os direitos humanos das pessoas envelhecidas[44] definiu como orientações, entre outras, identificar as necessidades das pessoas idosas e incluir tais necessidades nos documentos sobre o tema do desenvolvimento e nos programas concretos a implementar tendo em atenção as especiais necessidades das mulheres, bem como as suas especificidades em função das zonas nas quais vivem, sejam elas zonas rurais ou urbanas.

Desenvolver uma cultura baseada na idade, e defender um discurso equitativo contribuirá para que este grupo passe a ser visto como um grupo que participa na sociedade contribuindo para o seu desenvolvimento.

No quadro de uma política global de envelhecimento devem ser fixadas medidas de apoio a idosos, serviços e cuidados de saúde no domicílio.

Em matéria de queixas por violação de direitos para além dos mecanismos de proteção judicial há que reforçar os meios de reação não judicial, como a atuação do Provedor de Justiça, mas também criar meios de prevenção nas áreas em maior risco de violação, através, por exemplo, das organizações sociais. Vários exemplos de boas práticas existem e visam cumprir e respeitar os direitos humanos no envelhecimento.

 A União Europeia com a finalidade de melhorar as condições de saúde criou o programa “The Pilot European Innovation Partnership on active healthy ageing”[45] cujo objetivo é melhorar os índices de envelhecimento saudável.

O Conselho da União Europeia adoptou um conjunto de recomendações contra a violência no documento “Preventing and combating all forms of violence against women and girls, including female genital mutilation”[46] .

O programa “WHO-Age Friendly Cities Programme”[47]  também se destaca nesta matéria. No ano de 2007, a Organização Mundial de Saúde criou medidas para ajudar as cidades a implementar medidas amigas das pessoas idosas como a criação de lugares públicos seguros para descansar, sentar, rampas e espaços verdes.

Uma política de proximidade que funciona a nível local, municipal e estatal será benéfica e complementará as medidas da sociedade civil. Dessas medidas deverão fazer parte o incentivo a programas de prevenção de violência, e de exclusão social, assim como, o respeito pelos idosos manifestada na lei e no discurso social. Reforçar a educação social, a educação para o relacionamento entre as gerações, e medidas específicas para as mulheres no envelhecimento é um positivo indicador de desenvolvimento no contexto dos direitos humanos.

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Sobre a autora
Susana Costa Monteiro

Mestrado em Direito Internacional Público e Europeu, Universidade de Coimbra, Portugal Experiência em Advocacia Jurista

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONTEIRO, Susana Costa. Direitos humanos das mulheres no envelhecimento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5202, 28 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60753. Acesso em: 26 abr. 2024.

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