Capa da publicação A extinção de punibilidade pelo pagamento de tributo devido
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Pagamento de tributo devido e causa de extinção da punibilidade

22/11/2017 às 07:05
Leia nesta página:

O artigo discute o pagamento de tributo como causa de extinção da punibilidade em caso de crime tributário diante da jurisprudência do STJ.

I - O ADIMPLEMENTO DO DÉBITO FISCAL E EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE: POSIÇÃO DO STJ 

Observa-se, do site do STJ, de 27 de setembro de 2017: 

“O adimplemento do débito tributário, a qualquer tempo, até mesmo após o advento do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, é causa de extinção da punibilidade do acusado.”.

Com base nesse entendimento, já consolidado na jurisprudência, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que havia negado a extinção da punibilidade em crime tributário, porque a quitação do débito só ocorreu após o recebimento da denúncia.

O relator do pedido de habeas corpus 362.478,  ministro Jorge Mussi, reconheceu que a Lei 9.964/00, que instituiu o Programa de Recuperação Fiscal (Refis), estabeleceu que a extinção da punibilidade em crime tributário só poderia ser declarada com o pagamento integral do débito, e desde que isso ocorresse antes do recebimento da denúncia.

No entanto, o ministro destacou que, com a edição da Lei 10.684/03, não foi fixado um limite temporal dentro do qual o pagamento da obrigação tributária e seus acessórios significaria a extinção da punibilidade do agente pela prática de sonegação fiscal.

“Embora tenha se instaurado certa dúvida acerca do alcance da norma em comento, pacificou-se na jurisprudência dos tribunais superiores pátrios o entendimento de que o adimplemento poderia se dar tanto antes como depois do recebimento da denúncia”, explicou o ministro.


II - CONDIÇÃO OBJETIVA DE PUNIBILIDADE 

Sabe-se que a prática de um fato definido na lei como crime traz consigo a punibilidade, aplicando-se uma pena que lhe é cominada em abstrato na norma penal.

Sendo assim, a punibilidade não é considerada, e nem pode ser, elemento do crime, mas a sua consequência jurídica, devendo ser aplicada a sanção quando se verificar que houve o crime e a conduta do agente foi culpável.

Já que, com a prática do crime, o direito de punir do Estado torna-se concreto, surge a punibilidade, que é a possibilidade jurídica de imposição de uma sanção, como ensinava Francesco Antolisei(Manual de derecho penal, parte general, Buenos Aires, 1960, pág. 531).

Por sua vez, a possibilidade jurídica da aplicação da sanção penal pode estar subordinada a eventuais causas extrínsecas ao fato delituoso. São as chamadas condições objetivas de punibilidade. Tais causas não se situam no dolo, elemento do tipo, situando-se fora do fato cometido pelo sujeito.

É certo que Francisco de Assis Toledo (Princípios básicos de direito penal, São Paulo, ed. Saraiva, 1991, pág. 155) discorreu que ¨como as denominadas condições de punibilidade não são, em geral, alcançadas pelo dolo ou pela culpabilidade do agente, para os autores que as fazem abranger o evento danoso, como é o caso de Nelson Hungria, quanto ao crime culposo, fica muito difícil, nessa e noutras hipóteses, evitar a intromissão no sistema penal, que tem por base o principio da culpabilidade, de uma responsabilidade objetiva, o que se dá pela transformação de um verdadeiro elemento objetivo do tipo(o resultado) em mera condição de punibilidade¨. Discordou, pois, Francisco de Assis Toledo em que se pudesse transformá-las em elementos do crime. Ao lembrar a sentença de quebra ou a anulatória de casamento, disse que ter-se-ia que admitir que os crimes a elas vinculados se consumariam nos tribunais... e por ato do juiz, não do criminoso. Concluiu por dizer, após estudar diversas correntes de opinião, que vem obtendo aceitação cada vez maior a ideia de que as chamadas características objetivas de punibilidade, em parte, devem ser incluídas entre os pressupostos da perseguibilidade, em parte entre as características de tipicidade (características de ação) ou entre as características puras do dever, na linha de Armin Kaufmann e Binding.

O lançamento tributário é condição objetiva de punibilidade para o ajuizamento de ação penal pública incondicionada pelo Parquet em matéria de crimes tributários. 

Ainda não se confundem as causas extintivas de punibilidade com as causas extintivas do crime (justificativas) ou com as causas de isenção da pena (dirimentes).

As causas extintivas da punibilidade não se confundem com as condições objetivas de punibilidade.

Há a extinção da punibilidade com a impossibilidade de punir o que praticou o crime. Por sua vez, as causas extintivas da punibilidade não fazem desaparecer o delito, mas o tornam impunível, uma vez que o Estado perde o seu ius puniendi.


III  - DELITOS FISCAIS E CRIMINAIS E A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE 

Fala-se num delito fiscal. 

Como ensinou Sacha Calmon Navarro Coêlho (Teoria e prática das multas tributárias, 2ª edição, pág. 22), no caso específico do Brasil, os delitos ditos fiscais são tratados no Código Penal ou leis criminais. O Direito Tributário ocupa-se estritamente de infrações fiscais (infrações ou ilícitos que não configuram delitos penais). 

Fala-se, pois, da extinção da punibilidade em sede criminal diante de pagamento de tributo. 

A extinção da punibilidade pode provir de atos ou de fatos jurídicos. Quanto aos atos jurídicos de que pode provir a extinção da punibilidade, vários são os que existem na legislação penal, dentre eles, os atos de reparação, que extinguem o jus puniendi do Estado, ou seja, a reparação do dano.O artigo 107 do Código Penal elenca hipóteses de extinção de punibilidade e outras hipóteses podem vir na legislação extravagante. 

No passado, Heleno Cláudio Fragoso (Lições de direito penal, 7ª edição, parte especial, artigos 121 a 212, pág. 364), analisando o delito penal com relação à apropriação indébita de contribuições previdenciárias e sindicais, crime omissivo próprio, disse: "O que normalmente sucede é que o empregador, em dificuldades financeiras, atrasa o pagamento". Para tanto, Heleno Cláudio Fragoso trouxe a lição do ministro Amarilio Benjamin, no julgamento do HC 1075, no extinto TFR: "Nas relações entre o empregador e a previdência, o que existe é na verdade um regime no prazo de pagamento. Quando esse prazo é excedido, há fluência de juros e acumulação de multa. Ora, para se verificar o crime não basta se dar a retenção, é preciso que, esgotadas todas as possibilidades legais de recebimento, a a apropriação da coisa se torne manifesta" (Rev. Bras. Crim. Direito Penal, 7/161). 

Concluiu Heleno Cláudio Fragoso, analisando o DL 66, de 21 de novembro de 1966, que o  próprio poder público não leva a sério a incriminação, concedendo, em várias oportunidades, favores especiais para a liquidação do débito em atraso, por reconhecer que tais atrasos são devidos à situação financeira e econômica difícil, por parte de indústrias e comerciantes, como consequência de uma crise generalizada. 

Ora, a dificuldade de pagamento, data vênia, é situação que envolve inexigência de conduta diversa, causa extralegal para excluir a culpabilidade. 

A extinção da punibilidade em virtude do pagamento do tributo devido foi inaugurada pela Lei n.º 4.357/64, que criou hipótese de apropriação indébita, por equiparação.

A Lei n.º 4.729/64, enquanto esteve em vigor, previa, em seu art. 2º, a extinção da punibilidade dos crimes de sonegação fiscal, se o pagamento do tributo fosse feito antes do início do procedimento administrativo para a cobrança do tributo.

 O  Decreto-lei n.º 326/67, ao dispor sobre a cobrança do Imposto Sobre Produtos Industrializados, determinou que a utilização do produto da cobrança do imposto devido que não o recolhimento passava a constituir crime de apropriação indébita, cuja punibilidade estaria extinta se pago o débito, espontaneamente, ou antes da decisão administrativa de primeira instância.

Posteriormente, o art. 5º do Decreto-lei n.º 1.060/69, determinou que fossem aplicadas as disposições sobre extinção da punibilidade contidas na Lei n.º 4.357/64, e o do Decreto-lei n.º 326/67, ou seja: a extinção da punibilidade ocorreria se o pagamento do tributo devido, qualquer que fosse ele, fosse feito antes da decisão administrativa de primeira instância.

A Lei n.º 8.137/90 cuidou da extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária, em seu art. 14, aduzindo que: “Extingue-se a punibilidade dos crimes previstos nos artigos 1º e 3º quando o agente promover o pagamento de tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.”.

Logo após o primeiro aniversário da Lei n.º 8.137/90, o dispositivo legal transcrito foi revogado pelo art. 98 da Lei n.º 8.383, de 30 de dezembro de 1991, que revogou também o art. 2º da Lei n.º 4.729/65, os §§ 1º e 2º do art. 11 da Lei n.º 4.357/64 e o art. 5º do Decreto-lei n.º 1.060/69.

O caso em discussão envolve a possibilidade do pagamento exinguir a punibilidade em sede de crime tributário. 

À época da Lei 9.249/1995, o Superior Tribunal de Justiça  pacificou o entendimento de que a admissão do devedor no regime de parcelamento tributário equivaleria ao pagamento, razão pela qual também era considerada causa de extinção da punibilidade.

Posteriormente, a Lei 9.964/2000, que instituiu o Programa de Recuperação Fiscal - REFIS, disciplinou que, durante o período no qual a pessoa física ou jurídica estivesse incluída no referido regime de parcelamento, a pretensão punitiva do Estado com relação aos delitos contra a ordem tributária permanecia suspensa, desde que a inclusão houvesse ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal, ficando suspenso também o curso do prazo prescricional.

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A extinção da punibilidade, entretanto, apenas poderia ser declarada com o pagamento integral do débito tributário, e desde que isto ocorresse antes do recebimento da denúncia, conforme a redação do § 3º, do artigo 15, da Lei 9.964/2000.

Com o advento da Lei 10.684/2003, optou o legislador por ampliar o lapso temporal durante o qual o adimplemento do débito tributário redundaria na extinção da punibilidade do agente responsável pela redução ou supressão de tributo, nos termos do seu artigo 9º, § 2º. 

Observe-se o entendimento de Douglas Fischer (Delinquência Econômica e Estado Social e Democrático de Direito. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006, p. 191) ensinando que a lei trazida à colação não traz marco para a sua incidência, de modo que o pagamento poderá ser feito em qualquer tempo. 

Nesse sentido:

HABEAS CORPUS. PENAL. ICMS. CRIME CONTRA ORDEM TRIBUTÁRIA. ADESÃO AO PROGRAMA DE PARCELAMENTO INCENTIVADO (PPI) E POSTERIOR PAGAMENTO DO DÉBITO, APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 9.º, § 2.º, DA LEI N.º 10.684/2003. PLEITO DE SOBRESTAMENTO DA EXECUÇÃO PENAL ATÉ O JULGAMENTO DE REVISÃO CRIMINAL. HABEAS CORPUS CONCEDIDO.

1. O art. 9.º, § 2.º, da Lei n.º 10.684/2003 estabelece expressamente que da quitação integral do débito tributário pela pessoa jurídica,decorre a extinção da punibilidade.

2. É entendimento jurisprudencial desta Corte Superior que com o advento da Lei n.º 10.684/03 o pagamento do tributo a qualquer tempo extingue a punibilidade quanto aos crimes contra a ordem tributária. Precedente.

3. Habeas corpus concedido para sobrestar a execução do feito até que se julgue a Revisão Criminal.

(HC 232.376/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA,julgado em 05/06/2012, DJe 15/06/2012)

HABEAS CORPUS. (...) SONEGAÇÃO FISCAL. CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. PAGAMENTO DO TRIBUTO. CAUSA DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. ARTIGO 9º, § 2º, DA LEI N.10.684/03. OCORRÊNCIA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

1. Com o advento da Lei n. 10.684/03, no exercício da sua função constitucional e de acordo com a política criminal adotada, o legislador ordinário optou por retirar do ordenamento jurídico o marco temporal previsto para o adimplemento do débito tributárioredundar na extinção da punibilidade do agente sonegador, nos termos do seu artigo 9º, § 2º, sendo vedado ao Poder Judiciário estabelecer tal limite.

2. Não há como se interpretar o referido dispositivo legal de outro modo, senão considerando que o pagamento do tributo, a qualquer tempo, até mesmo após o advento do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, é causa de extinção da punibilidade do acusado.

3. Como o édito condenatório foi alcançado pelo trânsito em julgado sem qualquer mácula, os efeitos do reconhecimento da extinção da punibilidade por causa que é superveniente ao aludido marco devem ser equiparados aos da prescrição da pretensão executória.

4. Ordem parcialmente concedida para declarar extinta a punibilidade do paciente, com fundamento no artigo 9º, § 2º, da Lei n. 10.684/03.

(HC 180.993/SP, de minha Relatoria, QUINTA TURMA, julgado em 13/12/2011, DJe 19/12/2011)

Assim, sendo feito o pagamento integral do débito, em qualquer tempo, será caso de declaração de extinção da punibilidade. 

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Pagamento de tributo devido e causa de extinção da punibilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5257, 22 nov. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60849. Acesso em: 26 abr. 2024.

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