A Lei paraense 7591, de novembro de 2011, criou a taxa de controle, acompanhamento e fiscalização das atividades de pesquisa, lavra, exploração e aproveitamento de recursos minerais no Estado do Pará.
O poder de polícia referido em tal lei será exercido pela Secretaria de Estado de Indústria, Comércio e Mineração – SEICOM, com competência para:
“I- planejar, organizar, dirigir, coordenar, executar, controlar e avaliar as ações setoriais relativas à utilização de recursos minerais e à gestão e ao desenvolvimento de sistemas de produção, transformação, expansão, distribuição e comércio de bens minerais; II - registrar, controlar e fiscalizar as autorizações, licenciamentos, permissões e concessões para pesquisa, lavra, exploração e aproveitamento de recursos minerários; III - controlar, acompanhar e fiscalizar as atividades de pesquisa, lavra, exploração e aproveitamento de recursos minerários.” (artigo 2).
Dada a magnitude da tarefa, a SEICOM contará com o apoio de outras três Secretarias: SEFA, SEMA e SECTI (respectivamente, Secretaria da Fazenda, Meio Ambiente e Ciência, Tecnologia e Informação).
Deve-se expor que a atividade minerária no Pará tem importância essencial para a economia local, nacional e mundial. A propósito, confira-se dado da SIMINERAL (Sindicato das Indústrias Minerais do Estado do Pará, disponível em seu sítio eletrônico):
A mineração tem forte participação na economia do Estado do Pará. Estima-se que a indústria extrativa e a de transformação mineral representem mais de 20% do PIB paraense. Na balança comercial, a indústria mineral responde por mais de 85% das exportações do Estado do Pará, sendo o principal setor a contribuir para o superávit paraense na relação comercial com outros países.Na geração de emprego e renda, a cadeia mineral responde por 143 mil postos de trabalho, entre empregos diretos e indiretos.A indústria mineral é também a que mais investe no Pará. Até 2014, o SIMINERAL prevê US$ 40 bilhões em investimentos no setor, com aportes destinados à indústria extrativa, transformação mineral, infraestrutura e novos negócios.
A atividade mineradora, como se vê, é de importância considerável; porém, não se pode perder de vista que, junto à instalação de tais empreendimentos, ocorrem problemas também de peso similar, seja no que diz com o meio-ambiente seja mesmo com o aspecto social - fluxo populacional (principalmente de pessoas carentes), pressão por serviços públicos, infraestrutura e outros tipos de problemas. Faz parte da memória brasileira o que se viu em Serra Pelada.
A Constituição Federal previu ser de competência privativa da União legislar sobre: “XII – jazidas, minas, outros recursos minerais e matelurgia”, tal como se vê no seu artigo 22. Trata-se, bem se percebe, de competência para legislar.
A despeito da mencionada competência legislativa, o sistema federativo brasileiro convive com a competência material concorrente, referindo o artigo 23, XII, ser de “competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios.”.
Bem se percebe que a Constituição reconheceu existir interesse tanto da União, quanto dos Estados e Municípios no que diz respeito ao registro, acompanhamento e fiscalização da exploração de recursos minerais em seu território.
Tal competência deve ser relacionada com o interesse do Estado na participação do resultado da exploração de recursos minerais em seu território (art.20, §1º, CF – a CFEM), também, e por conta do inegável impacto ambiental (e lembrando que a atividade de mineração constitui-se em exploração de bem não-renovável) causado, relaciona-se com a competência legislativa, também concorrente, de dispor sobre “conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos minerais” (art. 24, VI, CF/88).
O Supremo Tribunal Federal já se manifestou quanto ao estabelecimento de taxa de polícia decorrente da competência comum prevista no artigo 23 da CF:
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. TAXA DE FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL. EXAÇÕES COBRADAS PELA UNIÃO E PELO ÓRGÃO ESTADUAL. BITRIBUTAÇÃO DESCARACTERIZADA. CONFISCO. RAZÕES RECURSAIS INSUFICIENTES PARA CONCLUIR PELA DESPROPORCIONALIDADE OU PELA IRRAZOABILIDADE DA COBRANÇA. É condição constitucional para a cobrança de taxa pelo exercício de poder de polícia a competência do ente tributante para exercer a fiscalização da atividade específica do contribuinte (art. 145, II da Constituição). Por não serem mutuamente exclusivas, as atividades de fiscalização ambiental exercidas pela União e pelo estado não se sobrepõem e, portanto, não ocorre bitributação. Ao não trazer à discussão o texto da lei estadual que institui um dos tributos, as razões recursais impedem que se examine a acumulação da carga tributária e, com isso, prejudica o exame de eventual efeito confiscatório da múltipla cobrança. Agravo regimental ao qual se nega provimento.(RE 602089 AgR, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 24/04/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-099 DIVULG 21-05-2012 PUBLIC 22-05-2012) (grifo nosso)
Resta, por fim, analisar alguns aspectos tributários; mais especificadamente, a natureza do tributo ora em discussão e sua base de cálculo.
Não restam dúvidas que, na forma do artigo 145, II, da CF, podem a União, Estados e municípios instituírem taxas “em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição”.
Ínsito à ideia de taxa é a noção de contraprestação, no sentido de que as taxas são devidas em razão de alguma atividade do Estado. Diferentemente dos impostos, as taxas são tributos vinculados a alguma atividade estatal – seja poder de polícia ou serviços públicos. Para entender-se melhor o ponto é preciso socorrer-se ao parágrafo 2º do citado artigo, no sentido de que “as taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos”.
LUIS EDUARDO SCHOUERI sobre o ponto esclarece: “Pelo mandamento constitucional, já se tem uma primeira resposta, ainda que pela negativa: não serve de base de cálculo das taxas uma grandeza que busque a capacidade contributiva. Por outro lado, se a justificativa da taxa está em não forçar toda a coletividade a suportar um gasto que pode ser imputado a um contribuinte individualizado, é claro que se tem aí uma indicação da base de cálculo possível: será aquela suficiente para medir, ainda que com certo grau de aproximação, o valor da atividade que o referido contribuinte exigiu do Estado”.
Assim, e especificamente quanto ao aspecto quantitativo erigido na TRFM, talvez objeto de maior controvérsia, previu o artigo 6º que:
Art. 6° O valor da TFRM corresponderá a três Unidades Padrão Fiscal do Estado do Pará - UPF-PA, vigente na data do pagamento, por tonelada de minério extraído. § 1° No caso de a quantidade extraída corresponder a uma fração de tonelada, o montante devido será proporcional. § 2° Para os fins do disposto neste artigo, o contribuinte levará em consideração, em relação ao material extraído, somente a parcela livre de rejeitos. § 3º O Poder Executivo poderá reduzir o valor da TFRM definido no caput deste artigo, com o fim de evitar onerosidade excessiva e para atender as peculiaridades inerentes as diversidades do setor minerário.
Erigiu-se como critério a tonelada extraída e a fixação de um valor. Não há o que se questionar quanto à legalidade da mensuração: sendo o fato gerador da taxa o controle, fiscalização e acompanhamento da atividade mineradora, quanto maior for a atividade do contribuinte (extração), maior será a incidência do poder de polícia e, por consequência, o custo estatal correlato.
Como já ressaltado, existe um critério de coerência entre o valor da taxa e a atividade estatal exercida decorrente do poder de polícia, tal critério, porém, deve ser aproximado e proporcional, não se tratando de uma fórmula matemática fechada.
Com base nas informações coletadas no Cadastro Estadual criado no artigo 13 da lei, poderá o Estado ter noção das políticas públicas a empreender, bem como conhecer de forma mais adequada a realidade e os impactos resultantes da atividade minerária em seu território – o artigo 14 prevê uma série de informações valiosas para o Estado que serão processadas e frutos da atividade fiscalizadora que deu ensejo à taxa.
As alegações lançadas na ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) que questionam a legislação paraense não convencem, pois, como já ressaltado: i – não se trata o ente legislar sobre recursos minerários, pois não se estar a legislar sobre o tema, mais sim fiscalizando a atividade mineradora em seu território na forma do artigo 23, XII; ii – não se trata de burla às regras existentes quanto à exoneração na exportação de minérios e tráfico interestadual do produto, pois se está diante de um tributo relacionado tão somente com o poder de polícia correlato; iii – a alegação de que o tributo foi criado com fins de arrecadação não convence, máxime quando se tem em vista que a taxa também pode medir a capacidade contributiva, tal como ressaltou o STF no julgamento da constitucionalidade da taxa de fiscalização da CVM (Súmula 665 do STF)
Como conclui o já citado SCHOUERI: “uma constituição plural, como a brasileira, admite a convivência de inúmeros princípios. Esta constatação tem relevância quando se apresente a base de cálculo das taxas. Afinal, fosse o sinalagma a única justificativa para as taxas, então exigir-se-ia, sempre, que sua base de cálculo refletisse, em estrita proporcionalidade, o custo da atividade estatal. A existência de outros princípios constitucionais pode justificar uma base de cálculo diversa. As outras justificativas são identificadas em cada caso concreto, sempre em adição ao sinalagma; a base de cálculo concreta será a resultante de todos os valores empregados pelo legislador, cada qual deles com sua base constitucional.” (Direito Tributário, 3 edição, p 513,514).
Vistos assim os fatos, é o momento de relembrar-se que o Estado do Pará sofre com a desoneração no que se refere à exportação de minérios, mesmo na forma “in natura” ou sem qualquer processo de industrialização. Por outro lado, é de inegável impacto ambiental a repercussão da atividade no território paraense; para além disso, é público e notório os conflitos sociais que se criam ao derredor dos empreendimentos voltados à extração mineral – não que tais fatores sejam a principal causa do tributo, por obvio que não; mas sim de podem e devem os mesmos serem levados em consideração.
Tudo isso a demonstrar que o critério erigido quanto ao valor da taxa, para além de relacionar-se com o custo da atividade criada, relaciona-se também com outros valores constitucionais envoltos e que o Estado do Pará quer dar guarida.
Sobre o tema, conferir a ADI 4786 STF.