INTRODUÇÃO
Hodiernamente, a mídia populista vem dando destaque cada vez maior aos crimes cometidos por militares sejam eles das Forças Armadas ou das Forças Auxiliares (Policiais e Bombeiros Militares). Acontece que com a alteração normativa ocorrida no ano de 1996, os crimes militares quando dolosos conrta a vida passaram a ser julgados pelo Tribunal do Júri, exceto quando praticado no contexto de ação militar realizada na forma do art. 303 da Lei nº. 7.565 de 19 de dezembro de 1986 – Código Brasileiro de Aeronáutica (Redação dada pela Lei nº 12.432 de 2011). Ou seja, quando um militar em serviço, na forma do art. 9º, inciso II, alínea “c”, do Código Penal Militar (CPM) comete um crime militar doloso contra a vida de civil, a competência para seu julgamento será a do Tribunal do Júri, conforme mencionamos alhures. Contudo a Lei n. 13.491 de 13 de Outubro de 2017, novamente trouxe para a Justiça Militar da União a competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticado por militares das Forças Armadas, trazendo uma diferença injustificada entre militares das Forças Armadas e os Militares Estaduais, artigo 42 da Constituição Federal (CF), visto que conforme dispõe o Decreto-Lei 88.777/83, estes estão sujeitos ao Código Penal Militar, ao Regulamento Interno de Normas Gerais e Serviços, dentre outras.
Nesta quadra, é comum na praxe policial a abertura de dois inquéritos policiais visando apurar um mesmo fato e com mesma capitulação penal, ou seja, um presidido por um Delegado de Polícia e outro por um Oficial das Forças Armadas e ou Oficial das Forças auxiliares, em corolário diante destes inquéritos há a presença de dois juízes com competências materialmente estabelecidas pela Constituição Federal. Logo, eventual indiciamento por uma autoridade policial sem atribuições legais, percebe-se que haverá patente constrangimento ilegal praticado em desfavor do investigado. Além disso, uma possível medida cautelar antecipada e não repetível estará provavelmente maculada de nulidade absoluta, pois foi autorizada por uma autoridade judicial materialmente incompetente, salvo nos casos em que a jurisprudência aponta quando decretada pelo magistrado aparentemente competente.
DO CRIME MILITAR
Emprestando o ensinamento do Manual técnico do Inquérito Policial Militar, adotado pela Polícia Militar do Estado de Mato Grosso, através Portaria nº 217/GCG/PMMT/09, de 16 de Outubro de 2009 que trouxe à luz a padronização dos procedimentos nos atos de investigação e de Polícia Judiciária Militar, classificou os Crimes Propriamente Militares, através da Teoria inominada (ou para alguns “teoria topográfica”, clássica e processual (POLICIAL MILITAR DE MATO GROSSO, 2009, p. 49).
Em arremate, com precisão cirúrgica é brilhantes o pensamento do Membro do Ministério Público Militar Cícero Robson Coimbra Neves que sobre bem jurídico militar assim expõe:
Vários bens da vida interessam ao Direito Penal Militar, destacando-se, obviamente, a hierarquia e a disciplina, hoje elevadas à bem jurídico tutelado pela Carta Maior. Desta forma, além da disciplina e da hierarquia, outros bens da vida foram eleitos, tais como a preservação da integridade física, do patrimônio etc.
Por outro lado, é possível afirmar que, qualquer que seja o bem jurídico evidentemente protegido pela norma, sempre haverá, de forma direta ou indireta, a tutela das instituições militares, o que permite asseverar que, ao menos ela, sempre estará no escopo de proteção dos tipos penais militares, levando-nos a concluir que alguns casos teremos um bem jurídico composto como objetivo da proteção do diploma penal castrense. Uma dupla proteção do bem jurídico. É dizer, e.g., o tipo penal do art. 205, sob a rubrica “homicídio”, tem como objetividade jurídica, em primeiro plano, a vida humana, porém não se afasta de uma tutela mediata da manutenção da regularidade das instituições militares. (Grifo nosso) (NEVES, 2014, p. 433)
Por fim, é importante trazer a baila à natureza do crime militar objeto deste trabalho. Primeiro devemos levar em conta que o Código Penal Militar adotou a teoria tricotômica de delito, fruto do causalismo que possui como essência o esvaziamento da conduta no que tange ao seu elemento subjetivo, situado na culpabilidade, como se depreende do art. 33 do Código Penal Militar.
Por isso, podemos afirmar que a estrutura causal deve considerar a culpabilidade como elemento do crime, ou de outro modo estaria admitindo que o crime não careça de elemento psíquico, o dolo.
Noutro aporte sobre a importância do crime ser militar é a sua não qualificação como crime hediondo, conforme já se manifestou o Supremo Tribunal Federal, nesse termo: Supremo Tribunal Federal, 2ª Turma, HC 86. 459/RJ, Rel. Ministro Joaquim Barbosa, DJ 02/02/2007, p. 159. Nesse pensamento, Renato Brasileiro de Lima assim se pronuncia sobre o tema:
Portanto, hedionda será apenas a infração penal prevista no Código Penal ou na Lei nº 2.889/56, jamais a mesma infração penal que encontre tipificação em outro diploma legal. É o que ocorre, por exemplo, com o crime de homicídio qualificado previsto no Código Penal Militar (...) (LIMA, 2014, p. 31).
Por fim, dentre outros temas que poderiam levar a discussão sobre a natureza do crime militar, elege-se a não possibilidade de aplicação dos benefícios despenalizadores previstos na Lei nº 9.099/95, o que sem dúvida é uma medida mais gravosa aplicada aos Militares. Essa vedação para Suprema Corte Brasileira possuir amparo constitucional como se observa do julgado, Supremo Tribunal Federal, pleno, HC 99.743/RJ Rel. Min. Luiz Fux, j. em 06/10/2011.