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Entre a psicologia e o direito: cinco esclarecimentos sobre violência/abuso sexual e pedofilia

10/08/2019 às 16:00
Leia nesta página:

Violência/abuso sexual e pedofilia são temas que ainda geram muitas falhas de entendimento em relação a suas definições. A intenção desse texto é discutir o assunto e esclarecer algumas das dúvidas mais frequentes, à luz da psicologia e do direito.

1- Pedofilia é uma manifestação clínica. Violência sexual contra crianças e adolescentes é crime.

A pedofilia está entre as doenças classificadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como transtornos da preferência sexual. De forma geral, pedófilos são pessoas adultas que têm preferência sexual por crianças, geralmente pré-púberes (que ainda não atingiram a puberdade) ou no início da puberdade.

É importante salientar que o fato de uma pessoa ter preferência sexual por crianças não significa necessariamente que ela se tornará um abusador. Existem pessoas que, por meio das mais variadas estratégias, conseguem reprimir esses impulsos, não chegando, portanto, a cometer crimes.

Já a violência sexual contra crianças e adolescentes “é o envolvimento destes em atividades sexuais com um adulto, ou com qualquer pessoa um pouco mais velha ou maior, nas quais haja uma diferença de idade, de tamanho ou de poder, em que a criança é usada como objeto sexual para gratificação das necessidades ou dos desejos do adulto, sendo ela incapaz de dar um consentimento consciente por causa do desequilíbrio no poder ou de qualquer incapacidade mental ou física[1]”.

Do ponto de vista jurídico, o Código Penal considera crime a relação sexual ou ato libidinoso (todo ato de satisfação do desejo, ou apetite sexual da pessoa) praticado por adulto com criança ou adolescente menor de 14 anos. Conforme o artigo 241-B do ECA, também é considerado crime o ato de "adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente.”.


2- Nem todo abusador é pedófilo

Por mais que isso possa surpreender a maioria das pessoas, boa parte dos abusadores sexuais não são pedófilos. Existem pessoas cuja preferência sexual não é necessariamente por crianças e que escolhem suas vítimas pelos critérios de disponibilidade e oportunidade. “Esse agressor abusa de quem está disponível para satisfazer suas necessidades sexuais e o fato de atacar crianças faz parte desse contexto, não sendo a sua prioridade. Molestar uma criança é parte do padrão de abuso geral em sua vida, pois tem como hábito usar e abusar das pessoas. Esse indivíduo mente, trapaceia, furta e não vê motivo para não molestar crianças. Usa força, sedução ou manipulação para conquistar sua vítima”[2].

Existem, ainda, os casos em que o abusador não busca a satisfação por meio do ato sexual em si, mas usam de atos libidinosos como ferramenta para ferir (física e psicologicamente) sua vítima. Não se trata de uma preferência sexual pela criança, mas uma satisfação por meio da violência e pelo dano gerado.

Há, ainda, casos em que o abusador sofre de alguma forma de transtorno mental (retardo mental, demência etc.) que o impossibilita de perceber a diferença entre certo e errado em suas práticas sexuais. Em geral, não manifesta comportamento agressivo, mas busca satisfação sexual de forma inadequada, usando também pessoas vulneráveis (crianças, outras pessoas com transtorno mental) como objeto de satisfação.


3- Mesmo que um indivíduo seja pedófilo (possua o transtorno) isso não o isenta da responsabilidade penal.

A responsabilização penal (ou imputabilidade) pode ser definida como a possibilidade de atribuir a um indivíduo a responsabilidade por uma infração. Segundo prescreve o artigo 26, do Código Penal, podemos, também, definir a imputabilidade como a capacidade do agente entender o caráter ilícito do fato por ele perpetrado e de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Frequentemente indivíduos pedófilos que cometeram crimes sexuais, tentam-se valer da definição da pedofilia enquanto transtorno, para se livrar das acusações. Entretanto, é consenso entre os profissionais da saúde mental que o indivíduo pedófilo possui preservadas capacidades de entendimento do caráter ilícito do fato (salvo naqueles casos onde há comorbidade com outros transtornos mentais mais graves), sendo, portanto, indivíduos que podem responder criminalmente por seus atos.

A Comissão Parlamentar de Inquérito, em seu relatório final da CPI da Pedofilia (2010, p. 64), levantou dados significativos com relação àqueles que praticam abusos sexuais: Segundo o relatório, 80% (oitenta por cento) a 90% (noventa por cento) dos contraventores sexuais não apresentam nenhum sinal de alienação mental, portanto, são juridicamente imputáveis. Entretanto, aproximadamente 30% (trinta por cento) não apresentam nenhum transtorno psicopatológico da personalidade evidente e sua conduta sexual social cotidiana e aparente parece ser perfeitamente adequada. Um grupo minoritário, de 10% (dez por cento) a 20% (vinte por cento), é composto por indivíduos com graves problemas psicopatológicos e de características psicóticas alienantes, os quais, em sua grande maioria, seriam juridicamente inimputáveis[3].


4- A maior parte dos casos de violência sexual acontece no âmbito intrafamiliar:

O agressor sexual pode ser qualquer pessoa que se aproxima da criança, ganhando sua confiança e afeto, para, então, praticar atos sexualmente abusivos. Essa é a estratégia utilizada pela maioria dos agressores sexuais, podendo, inclusive, ter a confiança dos adultos responsáveis pela criança ou adolescente. Em geral, são pessoas da família - pais, padrastos, tios, avós e até irmãos mais velhos – seguidas por pessoas conhecidas da família. Exercem suas funções sociais de forma adequada, são bons vizinhos, bons colegas de trabalho, o que produz maior confusão, pois deles não se espera uma atitude tão degradante.

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Segundo dados do Conselho da Europa, uma em cada cinco crianças é vítima de algum tipo de violência sexual (abuso na própria família, pornografia e prostituição infantil, solicitação pela internet), sendo que entre 70 a 85% dos casos, a criança conhece e confia na pessoa que pratica esse abuso.


5- Abuso sexual é um problema de saúde pública, que deve ser combatido:

Estatísticas divulgadas em 18 de maio de 2016, apontam que quase 18.000 crianças podem ter sido vítimas de abuso sexual em 2015 (mais de 50 por dia). Os dados foram conhecidos através de denúncias feitas ao Disque-Denúncia Nacional (Disque 100)[4].

Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), o abuso sexual infantil é considerado um dos maiores problemas de saúde pública. Estudos realizados em diferentes partes do mundo sugerem que 7-36% das meninas e 3-29% dos meninos sofreram abuso sexual (WHO, 2003). As estatísticas, portanto, não são dados absolutos. Trabalha-se com um fenômeno que é encoberto por segredo, um “muro de silêncio”, do qual fazem parte os familiares, vizinhos e, algumas vezes, os próprios profissionais que atendem as crianças vítimas de violência (BRAUN, 2002)[5].

Desde 2003, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República passou a contar com uma área específica para tratar da prática da violência sexual cometida contra crianças e adolescentes: O Programa Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes (PNEVSCA). Por meio deste programa, iniciativas importantes foram implementadas, como o Disque 100 e o PAIR (Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual, Infanto-Juvenil no Território Brasileiro)[6].


Notas

[1] Fonte: TJDF em https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/glossarios-e-cartilhas/violenciaSexual.pdf

[2] Fonte: http://www.scielo.br/pdf/rpc/v36n3/v36n3a04.pdf

[3] Fonte: https://railandiasantoss.jusbrasil.com.br/artigos/228250356/a-questao-da-inimputabilidade-penal-que-envolve-a-pedofilia

[4] Fonte: http://www.ceert.org.br/noticias/crianca-adolescente/12347/50-criancas-por-dia-sofreram-violencia-sexual-em-2015-no-brasil

[5] Fonte: http://www.divulgaescritor.com/products/o-abuso-sexual-em-menores-um-dos-maiores-problemas-de-saude-publica/

[6] Fonte: http://www.sdh.gov.br/assuntos/criancas-e-adolescentes/programas/enfrentamento-a-violencia-sexual/metas-do-programa-nacional-de-enfrentamento-da-violencia-sexual-contra-criancas-e-adolescentes-pnevsca

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Sobre a autora
Cintia Santos

Psicóloga, Analista da Polícia Civil lotada no setor de Psicologia Forense do Instituto Médico Legal de Belo Horizonte. Especialista em Gestão de Pessoas e Projetos Sociais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Cintia. Entre a psicologia e o direito: cinco esclarecimentos sobre violência/abuso sexual e pedofilia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5883, 10 ago. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61416. Acesso em: 21 nov. 2024.

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