Há expectativa do empresariado, dos sindicatos e dos trabalhadores em geral sobre como funcionarão as novas regras trabalhistas aprovadas pelo Congresso e sancionadas pela Presidência da República em julho deste ano (Lei nº 13.467/2017). Por envolver questões muito técnicas, o assunto é dominado apenas por alguns especialistas. Mais: tomando-se apenas a visão dos defensores desta reforma, amplamente divulgada pela grande mídia, conclui-se por uma perspectiva “rósea” ou otimista dos seus efeitos. Neste artigo, levantamos algumas conjecturas que nos parecem mais realistas de repercussão da reforma trabalhista.
No médio prazo, nada garante que, em função da reforma, haverá uma redução expressiva da taxa de desemprego, como alega o governo. O número de empregos em uma economia não tem como determinante a legislação trabalhista. O que determina o nível de emprego é o investimento. E este está comprimido, em virtude de vários fatores, entre os quais a medida de contenção dos gastos públicos. Além disso, como os contratos de trabalho serão em sua grande maioria mais precarizados (temporário, intermitente, autônomo, home office ou terceirizado) haverá reflexos para baixo do salário médio. Portanto, o mais provável é que, mesmo havendo algum incremento de postos de trabalho, ocorra a queda da massa salarial.
Ainda no que se refere à suposta relação entre geração de empregos e reforma da legislação trabalhista que reduz os custos e aumenta a flexibilidade do trabalho, cabe registrar que estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 2016, com base nos dados de 63 países desenvolvidos ou em desenvolvimento, mostrou que não há indicação de que as reformas trabalhistas que tenham este escopo levem automaticamente à redução da taxa de desemprego. O que o estudo constatou foi que, na grande maioria dos casos, houve sim redução da renda e do poder de compra dos consumidores.
O governo brasileiro aponta também para o efeito positivo da reforma na elevação da produtividade. O Ministério do Planejamento veiculou cálculos que indicam que, graças à reforma, haverá um aumento entre 1,5% e 2% na produtividade nos próximos dez anos. Parte-se da aposta de que a prevalência do negociado sobre o legislado gerará efeitos benéficos como a melhor adequação da jornada de trabalho às oscilações de produção, com acentuada redução no pagamento de horas extras. Adiciona-se a isto o provável incremento da participação da renda variável (prêmios, abonos, Participação nos Lucros e Resultados - PLR) na composição da renda do empregado, cujo alargamento é permitido pela nova legislação. As empresas deverão condicionar cada vez mais o aumento da renda à metas de produtividade. O home office será, nesta visão, fator que também deve impulsionar a produtividade, ao permitir alta flexibilidade na jornada e redução de custos físicos da empresa (com móveis, telefone, energia, alimentação, transporte etc).
A nosso ver, estas hipóteses são frágeis, pois não põem na balança os efeitos negativos sobre a produtividade gerados pela precarização do trabalho, como é o caso do menor comprometimento dos trabalhadores em função dos vínculos mais tênues com as empresas. Além disso, não se deve desconsiderar que, em razão da inexistência de controle sobre o excesso de jornada de trabalho, aumentem os acidentes e as doenças profissionais, reduzindo a produtividade.
Sobre o home office, o debate é grande. Se há aspectos positivos como os já apontados, por outro lado fatores como distrações, dificuldade de concentração e falta de sociabilidade podem afetar negativamente a produtividade. Vale lembrar que, no início de 2013, em Sunnyvale, Califórnia, a direção da empresa Yahoo! convocou seus funcionários a retornarem para atividades presenciais na empresa, tendo em vista que “a velocidade e a qualidade” (vale dizer, a produtividade) estavam sendo comprometidas com o home office.
A produtividade tem forte relação com a capacidade do País e das empresas em promover inovações de produto e de processo, adotando estas inovações no processo produtivo. A capacidade de inovação, por sua vez, está fortemente relacionada com a qualidade da educação do país. Neste sentido, não são otimistas as projeções para o Brasil, especialmente se levada em conta os problemas estruturais da educação no Brasil agravados pela política de contenção dos gastos públicos nos próximos vinte anos.
A reforma procura, implicitamente, tornar o custo do trabalho no Brasil fator de atratividade de investimentos para o país. Contudo, como já exposto, a legislação trabalhista e o correspondente custo do fator trabalho não costumam ser elementos decisivos na tomada de decisão das empresas em relação aos seus investimentos. É a expansão do mercado brasileiro que costuma pesar decisivamente nas decisões de investimento no país. O mercado interno tem relação com a massa salarial, que tenderá a não crescer, como visto.
A reforma trabalhista deve impactar negativamente a arrecadação previdenciária. As empresas devem implementar mudanças em suas políticas de recursos humanos, aumentando o peso da remuneração variável, na forma de prêmios, abonos e PLR, haja vista a não incidência da contribuição previdenciária sobre esses valores. O mesmo ocorre com relação às diárias de viagens.
Outro fator que deverá fazer cair a arrecadação previdenciária é a provável queda do salário médio (e da massa salarial), em virtude da precarização do trabalho e da terceirização. Registre-se também a dificuldade da Receita em fiscalizar as inúmeras empresas prestadoras de serviços, que devem se expandir com a reforma. Sabe-se que estas empresas caracterizam-se pelos baixos valores de capital, o que gera a dificuldade de pagamento destes débitos.
Desta maneira, a reforma trabalhista aprovada contribuirá para aprofundar a crise da Previdência Social e intensificar o debate sobre a “necessidade” de soluções por via da Previdência Privada.
Defensores da Reforma Trabalhista argumentam que a nova legislação deverá levar a uma redução dos processos, em função do aumento da segurança jurídica e do aumento dos custos para o trabalhador. Acreditamos, no entanto, que o efeito será o contrário: ocorrerá o aumento das ações judiciais, tendo em vista as várias contradições e inconstitucionalidades da reforma trabalhista. Acrescente-se ainda que a tendência à insegurança jurídica deverá aumentar também porque a reforma estabelece que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) somente poderá estabelecer súmulas após atendida uma tramitação muito mais complexa do que se verifica hoje.
A partir da nova legislação trabalhista, haverá a possibilidade de expressiva redução de custos com as novas contratações. Por conseguinte, é provável que haja uma redução da participação dos contratos de trabalho tradicionais por prazo indeterminado e o incremento da participação das contratações por meio do trabalho temporário, intermitente, autônomo e home office. O trabalho terceirizado também deverá ampliar-se significativamente, avançando-se para a atividade-fim das empresas.
Com a reforma, os índices de desigualdade (o Índice de Gini, por exemplo) devem piorar no país. A precarização do trabalho, fruto das novas modalidades de contratação do trabalho, combinado com a terceirização em larga escala, deverá ampliar a diferença de inserção dos trabalhadores no mercado de trabalho. O resultado deverá ser um aumento da amplitude da estrutura salarial das empresas e uma piora nos índices de concentração da renda, com o aumento da desigualdade.
A reforma tende a provocar o enfraquecimento dos sindicatos, especialmente por meio da crise financeira gerada pelo fim da contribuição (imposto) sindical.
Um cenário que não se pode descartar, porém, é a reação dos sindicatos que – por meio de um processo de resistência e luta – podem buscar se reestruturar e promover processos de unificação. Neste cenário, a constituição de sindicatos maiores pode ampliar o peso desses nas negociações e, por conseguinte, viabilizar no longo prazo o surgimento de acordos não tão corroídos como se espera atualmente.
No âmbito do local de trabalho, embora a reforma tenha possibilitado a criação de comissões de empresas desvinculadas do Sindicato, é possível acreditar que, em alguns casos, possa haver também uma reação dos sindicatos, com a implementação de uma política de aproximação e conquista destas representações.
Ainda assim, reafirmamos que o cenário não é favorável ao sindicalismo no curto e no médio prazo.
Um efeito imediato deverá ser o impasse nas mesas de negociação logo após a Reforma Trabalhista, em virtude dos Sindicatos, legitimamente, almejarem garantir cláusulas que “amenizem” o impacto da reforma.
Outra tendência será a luta permanente dos sindicatos em buscar garantir direitos e conquistas que já estavam consolidados na lei e normas coletivas. Basta um exemplo singelo: a garantia de que a homologação de rescisão contratual seja feita no Sindicato. Assim como este, uma série de normas já estabelecidas como usuais serão postas em xeque, indicando um claro retrocesso nas pautas de negociação.
No médio prazo, as negociações coletivas tendem também a apresentar um maior grau de diferenciação entre os conteúdos dos acordos por conta da adequação do acordo à realidade de cada categoria e da prevalência do negociado sobre o legislado.
No que se refere aos acordos individuais, permitidos pela nova legislação, é provável que haja o aumento do número destes acordos. Contudo, o resultado deste aumento, no médio prazo, será a elevação de pedidos na Justiça da nulidade destes acordos, em razão da fragilidade dos empregados na relação de emprego. É possível que uma parte destes acordos sejam de fato anulados pela Justiça do Trabalho.
Neste quadro bastante negativo à ação sindical e benéfico ao empresariado, cumpre registrar que, em face do papel ampliado da negociação coletiva após a reforma, aos sindicatos cabe exigir das empresas maior transparência nas suas informações e indicadores.
Os Sindicatos, por sua vez, precisarão estar mais preparados, demandando especialização e capacitação para a negociação. O fortalecimento das assessorias sindicais (jurídicas, econômicas, de saúde do trabalhador, de formação, entre outras), e de entidades como o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócioeconômicos (DIEESE) é essencial na estratégia de fortalecimento sindical.
Por fim, cabe ter claro que as conjecturas deste artigo somente fazem sentido na hipótese do insucesso da campanha promovida atualmente pela maior central sindical do Brasil, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), para a anulação desta reforma trabalhista aprovada em julho e cujo início de aplicação está previsto para novembro de 2017.