SUMÁRIO: I - Introdução; II - Lançamento tributário e seus requisitos; III - Defeitos no lançamento tributário e suas consequências; IV - Das medidas necessárias a otimização da atividade tributária; V - Conclusão.
I - INTRODUÇÃO
A execução fiscal é, sem dúvida, o grande gargalo que desafia a Fazenda Pública e o Poder Judiciário brasileiro, seja em razão do excessivo volume de processos que lotam suas prateleiras, seja da dificuldade de tratá-los e escoá-los até o seu deslinde, especialmente face ao tormentoso interstício que enlaça a citação até a efetiva constrição de bens.
Segundo estudos do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, que teve como objeto ações executivas fiscais da União no exercício financeiro de 2010, tão somente 0,68% de um total de R$ 168 bilhões foi arrecadado, tornando latente o dispendioso custo do processo para um resultado pouco satisfatório. A situação torna-se ainda mais alarmante se considerado o tempo e o custo estimado para cada execução fiscal, correspondendo a aproximados 8 anos de tramitação e um custo de R$ 4,3 mil por processo [1]
Mas, afinal, quais as causas para o dispendioso gasto de tempo e erário para a manutenção de uma única execução fiscal?
Diversos são os elementos aptos a justificar as inoperacionalidades que acometem as execuções fiscais, mormente sua tramitação no Judiciário. Como bem destacado no estudo do CNJ, são fatores determinantes: a) a complexa sistemática processual que a reveste; b) o elevado lapso temporal até o seu cumprimento; c) o adequado treinamento dos agentes de arrecadação e; d) a profunda reformulação do modelo de gestão de dívida ativa.
Evidente que todos os diagnósticos guardam íntima pertinência com o processo de otimização das ações executivas fiscais, contudo, a proposta de um novo paradigma de gestão tributária assume contornos preponderantes para, ao menos, minimizar os custos da execução fiscal.
É que, por se tratar de ato final da atividade tributária, a validade e a eficácia da execução fiscal está condicionada a observância das cautelas e prescrições legais prévias ao seu ajuizamento, isto para evitar vícios que resultem na nulidade da Certidão de Dívida Ativa - CDA e outros no curso do processo.
Nesta esteira, exsurge a importância da qualidade do cadastro, bem como da eficiência no desempenho das atividades exercidas na Dívida Ativa dos Municípios. Para tal, será demonstrado ao longo deste estudo as causas e os efeitos decorrentes da inadequada estrutura fazendária, que culminam no considerável dispêndio temporal e financeiro dos processos executivos.
II – LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO E SEUS REQUISITOS
Consoante descrito no proêmio, a ação executiva fiscal configura ato final de um sistema inaugurado por ato administrativo de natureza vinculada, que constitui “conditio sine qua non” ao seu ajuizamento. A este ato convencionou-se chamar lançamento, cuja definição e características estão dispostas a partir do artigo 142 do Código Tributário Nacional – CTN.
Segundo Paulo de Barros Carvalho, “lançamento tributário é o ato jurídico administrativo, da categoria dos simples, constitutivos e vinculados, mediante o qual se insere na ordem jurídica brasileira u’a norma individual e concreta, que tem como antecedente o fato jurídico tributário e, como consequente, a formalização do vínculo obrigacional, pela individualização dos sujeitos ativo e passivo, a determinação do objeto da prestação, formado pela base de cálculo e correspondente alíquota, bem como pelo estabelecimento dos termos espaço-temporais em que o crédito há de ser exigido.” [2]
Noutras linhas, o lançamento tributário objetiva: a) confirmar a ocorrência do fato jurídico-tributário; b) definir a matéria objeto da tributação; c) quantificar o montante pertinente ao crédito; d) promover a escorreita identificação do sujeito passivo e; e) aplicar a penalidade, se cabível.
Disto se depreende que a partir do referido ato administrativo exsurge o antecedente e o consequente da norma jurídica tributária, podendo-se, então, identificar os critérios que perfazem a Regra Matriz de Incidência Tributária – RMIT. Destarte, uma vez satisfeitos os requisitos pertinentes ao lançamento, o crédito tributário estará definitivamente constituído.
Como bem descreve Paulo de Barros Carvalho, “o ato jurídico de lançamento deve trazer alusão a um fato, equivale a dizer, a um enunciado protocolar, denotativo, referente a alteração do mundo econômico - social, devidamente individualizada no espaço e no tempo, com o verbo no pretérito. E mais: que satisfaça os padrões do antecedente de regra matriz de incidência tributária. Tal descrição fáctica terá de coincidir, à justa, com aquela previsão hipotética, qualificada por critérios e aberta para cobrir infinitos enunciados factuais”. [3]
A esse respeito convém consignar, ainda, as disposições expressas nos artigos 202 e 2º, § 6º, do CTN e da Lei de Execuções Fiscais – LEF, respectivamente, cujos dispores estabelecem os elementos que necessariamente deverão nortear o título executivo extrajudicial. Logo, a formalização da Certidão de Dívida Ativa – CDA exige efetiva submissão da autoridade fazendária à lei, subordinando sua atividade aos exatos termos dos artigos em destaque, sob pena de vícios que repercutirão na ação de execução fiscal.
Assim, Hugo de Brito Machado adverte que “o não-atendimento de qualquer dos requisitos legais do termo de inscrição do crédito em dívida ativa da Fazenda Pública, estabelecidos expressa e taxativamente pelo art. 202 do Código Tributário Nacional, provoca a nulidade por vício formal, tanto da inscrição como da execução correspondente. A nulidade da inscrição vicia o título executivo extrajudicial consubstanciado na correspondente certidão, e daí decorre a nulidade do processo de execução no mesmo fundado” [4]
Uma vez delineados os requisitos e pressupostos atinentes ao lançamento tributário, necessário compulsar as causas e consequências decorrentes dos erros e omissões em seu procedimento, que ocasionam o dispêndio temporal e financeiro que caracteriza a tramitação das execuções fiscais no judiciário brasileiro.
III – DOS DEFEITOS NO LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO E SUAS CONSEQUÊNCIAS
Via de regra, o lançamento é caracterizado pela imutabilidade, mormente por se tratar de ato administrativo vinculado, circunstância que inviabiliza, em tese, sua alteração. Todavia, a teor das hipóteses taxativas do artigo 149, CTN, admite-se a revisão de ofício, permitindo corrigir eventuais distorções, inclusive a substituição da CDA até julgamento de primeira instância, nos termos do artigo 2º, §8º, LEF e da Súmula nº 392 do Superior Tribunal de Justiça – STJ.
Com efeito, uma vez constatado o erro material ou formal da CDA, poderá a Fazenda promover a substituição do título, ressalva feita, apenas, à mudança do sujeito passivo. De sorte que, “não é viável a extinção da execução fiscal com base na nulidade da CDA sem antes oportunizar à Fazenda Pública emendar ou substituir o título”. [5]
Fato é que tanto o erro de fato quanto o erro de direito permitem a revisão do lançamento, seja “ex officio” ou mediante provocação do sujeito passivo. Para melhor ilustrar a complexidade do tema e compreender a extensão de seus efeitos, faz-se mister considerar a distinção estabelecida por Paulo de Barros Carvalho, consoante se destaca, in verbis:
“(…) o erro de fato é um problema intranormativo, um desajuste interno na estrutura do enunciado, por insuficiência de dados linguísticos informativos ou pelo uso indevido de construções de linguagem que fazem as vezes de prova. Esse vício na composição semântica do enunciado pode macular tanto a oração do fato jurídico tributário como aquela do consequente, em que se estabelece o vínculo relacional. Ambas residem no interior da norma e denunciam a presença do erro de fato. Já o erro de direito é também um problema de ordem semântica, mas envolvendo enunciados de normas jurídicas diferentes, caracterizando-se como um descompasso de feição externa, intranormativa.” [6]
Da leitura do brilhante excerto doutrinário, tem-se que tanto o erro de direito quanto o erro de fato decorrem de problemas na interpretação, diferindo-se apenas quanto ao seu núcleo, eis que o primeiro se dá quando a lei não for observada ou quando indevidamente aplicada, ao passo que o segundo decorre da inexatidão de um fato trazido à autoridade fazendária.
De certo, tais fenômenos decorrem de diversos fatores, que interferem diretamente sobre a atividade tributária exercida no momento do lançamento, mas é inequívoco asseverar que considerável parcela deve ser atribuída às imperfeições no cadastro e na dívida ativa dos municípios brasileiros.
Cediço que a importância do banco de dados municipais revela-se mediante análise do custo e da sorte da tramitação de uma ação executiva fiscal. Afinal, o lançamento tributário depende necessariamente das informações nele constantes, tais como: (i) a qualificação do sujeito passivo; (ii) endereço atualizado; e a (iii) a correta especificação da metragem do imóvel.
De sorte que, uma vez registrados tais dados, compete à Dívida Ativa proceder ao lançamento tributário, devendo promover adequado filtro daqueles dados, materializar o título executivo extrajudicial e remeter o produto final ao destinatário: procuradorias fiscais.
Inobstante ao relvante papel exercido no cadastro imobiliário e na dívida ativa, quase sempre o que se observa são departamentos desprovidos de gestão integrada e de aptidão para instrumentalizar as CDA's, resultando em falhas e omissões que obstaculizam o andamento e a consequente arrecadação dos cofres públicos municipais.
Esse desajuste operacional e organizacional evidencia erros comuns, porém extremamente nocivos ao regular seguimento da execução fiscal, destacando-se, dentre outros: a) homonímia; b) endereço insuficiente, desatualizado ou incorreto; c) duplicidade de CDA's; d) inadequada identificação do sujeito passivo. [7]
Os casos relativos a homonímia são os mais comuns, em razão da expressiva quantidade de indivíduos com mesmo nome e patronímico, a exemplo de “José da Silva”, cuja incidência de registros remete a um sem número de pessoas, diferenciadas apenas por seus documentos fiscais e de registro geral. Destarte, a ausência de triagem e confronto de dados, muitas vezes leva ao fisco a erro, imputando a homônimos a qualidade de sujeito passivo, resultando em bloqueios indevidos em seu nome e sujeitando a fazenda ao pagamento de indenizações a título de dano moral.
É o que se extrai do julgado abaixo:
INDENIZATÓRIA POR DANO MORAL - COBRANÇA INDEVIDA DE IPTU INCLUSÃO DO NOME DO AUTOR NA RELAÇÃO DE DEVEDORES INSCRIÇÃO DA DÍVIDA FISCAL - EXECUÇÃO FISCAL - NEGLIGÊNCIA HOMÔNIMO - DANO MORAL - CABÍVEL.
Verificou constar o nome do autor na relação de devedores, bem como em ação de Execução Fiscal, relativo a cobrança de IPTU de um imóvel o qual nunca possuiu. Assim, tratando-se de erro da Administração, o qual foi constatado o caso de homônimo, e sendo o autor, obrigado a contratar advogado para defendê-lo, este sofreu constrangimento, e todos os dissabores e aborrecimentos. Indenização por dano moral devida, cujo quantum deve ser fixado em termos razoáveis. Recurso provido em parte, apenas no tocante ao valor indenizatório e honorários advocatícios. [8]
O fato torna-se ainda mais latente e dispendioso em municípios cujo limite para ajuizamento de demandas fiscais inexiste ou possui valor desatualizado, ensejando o pagamento de indenizações e pagamento de verbas de sucumbência que extrapolam o valor da causa da ação executiva.
Outro vício bastante comum diz respeito ao “endereço insuficiente, desatualizado ou incorreto”, cuja recorrência é, sem dúvida, um dos principais vilões da celeridade almejada nas acoes executivas. É que muitos cadastros municipais possuem latente desatualização, fazendo com que as ações sejam ajuizadas sem o devido endereçamento, promovendo diversas idas e vindas dos autos ao cartório a fim de promover a localização do sujeito passivo.
Outrossim, se levado a efeito o estudo realizado pelo CNJ, cujo resultado aponta para excessivos 8 (oito) anos de tramitação de uma ação executiva fiscal, tem-se inequívoco reconhecer que a dificuldade na localização do sujeito passivo é determinante para o computo, devendo o fisco atentar para a necessária e constante atualização de seu cadastro, sob pena de tornar inócua a atividade jurisdicional impulsionada pela Fazenda Pública.
No que tange à “duplicidade de CDA's”, verifica-se que o aludido vício, provocado pela equivocada emissão de 2 (dois) ou mais títulos executivos extrajudiciais para um mesmo sujeito passivo e crédito tributário, ocorre em função da ineficiência administrativa e da ausência de ferramentas eletrônicas adequadas a gestão dos dados.
Na verdade, tais hipóteses de litispendência são mais comuns do que deveria, mormente porque, em regra, detectada após a citação do executado, ensejando o oferecimento de exceções de pré-executividade, que mesmo reconhecidas e seguidas de desistência, acarretam o pagamento de honorários advocatícios, conforme reiterados entendimentos do STJ [9]
Por derradeiro, surge, talvez, o mais complexo dos vícios, qual seja: a inadequada identificação do sujeito passivo.
Ainda em virtude da desatualização do cadastro imobiliário, não poucas as vezes o Município ajuíza demanda executiva contra pessoa física ou jurídica que não aquela descrita no artigo 34 do Código Tributário Nacional – CTN. É que em razão do tempo, o desajuste cadastral enseja o equivocado direcionamento da ação executiva, provocando distorções que inviabilizam sobremaneira seu regular andamento.
Noutros termos, uma vez ajuizada a ação executiva fiscal, próximo ao termo dos 5 (cinco) anos contados da notificação, contra indivíduo que não o efetivo sujeito passivo, restará obstada a substituição da CDA e comprometido o redirecionamento da execução contra o legítimo sujeito passivo.
Isto se dá em razão do disposto na Súmula nº 392 do STJ, cujo teor transcreve-se in verbis:
“A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução.”
Se considerado que parte dos municípios brasileiros não mantém seus cadastros atualizados e que a defasagem muitas vezes atinge a casa dos 10 (dez) anos, resta evidente o prejuízo causado ao erário, que deixa de arrecadar em virtude do descompasso na gestão de dados, fazendo com que as demandas executivas sejam ineficazes e dispendiosas aos cofres.