A Lei nº 13467/2017, por fim, trouxe ainda questão intrigante em relação à obrigação do beneficiário da assistência judiciária gratuita de arcar com os custos da perícia, mesmo gozando de tal condição. Segundo o §4º, do mesmo art. 790-B, em sua interpretação literal, foi excluída, do benefício da gratuidade de justiça, a despesa atinente aos honorários periciais. É o que se depreende:
“Art. 790-B. A responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, ainda que beneficiária da justiça gratuita.
(...)§ 4o Somente no caso em que o beneficiário da justiça gratuita não tenha obtido em juízo créditos capazes de suportar a despesa referida no caput, ainda que em outro processo, a União responderá pelo encargo.”.
Não é novidade que a responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente. E a bem da verdade, não é raro identificar pedidos de insalubridade e periculosidade sem qualquer fundamento e absolutamente inconsequentes, embora sejam, na maioria das vezes, exigida uma investigação científica no iter da apuração.
Visou-se, com a imposição do ônus financeiro mesmo ao beneficiário da gratuidade de justiça, conferir alguma racionalidade aos pedidos que demandam a prova técnica.
O açodamento do processo legislativo, que resultou da Lei 13.467/2017, todavia, acabou por, ao visar o equacionamento a questão, criar perspectivas antissistêmicas, permitindo, por exemplo, interpretação do instituto da gratuidade em projeção ainda mais gravosa do que o regime geral das relações civis, com previsão no NCPC.
Como se depreende da leitura acima, segundo a redação literal do dispositivo inserido na CLT, o beneficiário da justiça gratuita, acaso sucumbente do objeto da perícia, somente no caso em que não tenha obtido, em juízo, créditos capazes de suportar a despesa, responderá pelos encargos através dos créditos auferidos no mesmo processo ou em outro.
A interpretação aligeirada do dispositivo pode fazer crer que mesmo o beneficiário da justiça gratuita, o autor sucumbente do objeto da perícia, será obrigado ao pagamento (preferencial) das despesas atinentes à parcela, caso aufira qualquer parcela em Juízo, ou em outro processo.
Tal interpretação autorizaria a conclusão, por exemplo, de que, tendo o autor auferido alguns valores, em razão da inadimplência do réu, o mesmo seja obrigado a dispor desses mesmos valores para o pagamento (prioritário) das despesas decorrentes da perícia que tenha constatado, por exemplo, inexistir a insalubridade pretendida pela parte.
Não parece ser, nem de longe, a melhor compreensão do instituto.
Em primeiro lugar, porque tal interpretação instituiria, em favor das despesas processuais, preferência creditória que inexiste em qualquer outro espaço do sistema pátrio. Sendo o processo mero meio para a obtenção de um fim, qual seja, o bem da vida, as despesas processuais são o efeito, e não a causa, do direito material das partes. Não parece adequado que se imponha, pela atuação estatal compulsória do Poder Judiciário, a prioridade ao pagamento da despesa processual em detrimento da satisfação do próprio direito material envolvido.
Os créditos decorrentes das relações de trabalho possuem prioridade, inclusive em caso de falência, sobre todos os créditos, mesmo sobre os tributários, nos quais se enquadram algumas das despesas processuais (custas), segundo a regulamentação prevista na Lei 11.101/2005 (art. 83). Ou seja, reconhece o legislador pátrio que, dentre as prioridades creditórias, as parcelas de natureza alimentar possuem prioridade sobre as decorrentes da atuação estatal (tributárias).
Assim, resulta com alguma clareza que a prioridade dos créditos decorrentes das relações de trabalho, que são justamente a finalidade da prestação jurisdicional, não podem sujeitar-se aos encargos decorrentes do meio utilizado para a sua obtenção.
Em segundo lugar, não parece remanescer dúvida de que a regra é justamente a de que o beneficiário da gratuidade, por não possuir meios para o pagamento das despesas processuais, não é o responsável pelo adimplemento das mesmas despesas. Se a exceção é justamente a responsabilidade, por parte do beneficiário da gratuidade, tem-se que se deve interpretar o dispositivo excepcionalmente, ou seja, como exceção que é.
Para tanto, sugerimos que há duas premissas que devem ser levadas em consideração. A primeira delas decorre da própria redação do art. 790, §4º, da CLT, em que se prevê que o benefício da justiça gratuita será concedido à parte que comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo. O requisito legal, portanto, é justamente a insuficiência de recursos para o pagamento das despesas processuais. A justiça gratuita, no âmbito do processo do trabalho, mantém como paradigma a necessidade de ser respeitada a manutenção do trabalhador e de sua família.
A segunda premissa que deve ser observada é justamente aquela que refere caber à União suportar o encargo, na hipótese de a parte não ter obtido, em Juízo, o suficiente para suportar a despesa.
Ora, diante das duas aludidas premissas, parece certo que o dispositivo deve ser interpretado no sentido de que apenas será possível o pagamento prioritário dos honorários periciais na hipótese em que existam, em favor da parte autora, no processo ou em outra demanda, “créditos capazes de suportar a despesa”.
Deve-se, assim, concluir que a melhor interpretação a ser conferida ao §4º do art. 790-B da CLT, a partir da Lei 13.467/2017, é aquela que autoriza, no momento em que o Juízo afere a existência ou não sucumbência, ou seja, da sentença, a identificar se a parte permanece em situação de insuficiência de recursos para o pagamento das despesas do processo. Mantida tal condição, a da insuficiência, caberá à União a assunção do débito; do contrário, poderá a parcela ser exigida da parte.
Ou seja, parece certo dizer que a interpretação dos dispositivos em questão impõe ao Juízo, avaliando o caso concreto, identificar que, tendo sido deferidas parcelas em favor da parte autora, no processo ou fora dele, se o deferimento de tais parcelas tem o condão de retirar a parte daquela condição de insuficiência de recursos para o pagamento das despesas processuais.
A partir da análise do caso concreto, assim, acaso conclua o Juízo que a parte passou a ter condições de adimplir as despesas processuais, ou seja, que auferiu parcelas capazes de fazer frente à despesa, e apenas em tal hipótese, caberá àquela a adimplência das aludidas despesas, mediante a compensação do seu crédito.
Do contrário, ou seja, se as parcelas deferidas em Juízo, ou em outro processo, não tornam a parte capaz de assumir as aludidas despesas, manter-se-á a sua exoneração quanto ao seu pagamento, dado que não auferiu crédito suficiente para suportar a despesa (art. 790, §4º, CLT).
Assim, deve-se reafirmar que tal compreensão não deve levar em conta exclusivamente o aspecto nominal das parcelas deferidas, frente às despesas processuais fixadas. Deve-se aferir se os valores eventualmente auferidos pela parte são efetivamente capazes de o colocar em situação de possibilidade de arcar com as despesas do processo.
Do contrário, ter-se-ia o inusitado panorama em que se impõe o pagamento de despesas processuais a quem não possui condição para tanto, ou que as despesas processuais passariam a ter prioridade mesmo sobre parcelas de cunho alimentar, ou que as despesas oficiais prevaleceriam sobre a própria subsistência do autor, situações que afrontam quaisquer lógicas jurídicas democráticas ou a própria noção de acesso ao Poder Judiciário.
Nesse sentido, ainda, diante da possibilidade conferida pelo art. 98, §5º do NCPC, aplicável supletivamente, está autorizado o juízo a conceder a gratuidade em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou a redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adimplir.
Assim sendo, parece adequado concluir que caberá ao Juízo a aferição, no caso concreto, da condição de insuficiência de recursos, seja para o pagamento total, seja mesmo para o pagamento parcial, das despesas processuais, levando em consideração inclusive o eventual incremento do patrimônio da parte, em razão do próprio provimento jurisdicional.
Por fim, a redação do art. 790-B, §4º, da CLT, decorrente da Lei 13.647/2017, traz subjacente a noção de que será conferida ao Perito a prerrogativa de ter os seus honorários deduzidos dos valores havidos nos autos.
Mas o texto vai além, ao induzir que a execução poderia abranger outros créditos, ainda que obtidos em processo diverso. Tal premissa nos leva a crer que caberá ao Perito a execução dos seus créditos, no bojo dos próprios autos da Reclamatória, com a possibilidade de responsabilização da União, uma vez insuficiente a existência de crédito em face do devedor.
Ou seja, em todo caso, constatado pelo Juízo que não existem recursos suficientes para o adimplemento da parcela, incumbirá à União a assunção do aludido encargo. Presume-se, assim, que serão ajustados os termos da S. 457 do TST, que estipula a obrigação de adimplemento sempre em desfavor da União:
SUM-457 HONORÁRIOS PERICIAIS. BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA. RESPONSABILIDADE DA UNIÃO PELO PAGAMENTO. RESOLUÇÃO Nº 66/2010 DO CSJT. OBSERVÂNCIA. A União é responsável pelo pagamento dos honorários de perito quando a parte sucumbente no objeto da perícia for beneficiária da assistência judiciária gratuita, observado o procedimento disposto nos arts. 1º, 2º e 5º da Resolução n.º 66/2010 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho – CSJT.
Essa parece ser a melhor interpretação do art. 790-B da CLT, instituída a partir da Lei 13.467/2017, e o regime da responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais pela parte beneficiária da justiça gratuita.