"(...) O primeiro compromisso, cogente e inarredável de um povo civilizado é com a promoção dos direitos humanos, universais e irrenunciáveis, no contexto de inviolabilidade em todos os seus aspectos, autonomia da vontade e dignidade da pessoa, sobretudo, na proteção da vida, bem jurídico maior na sua essência e na pujança, desde a sua concepção, mas como a princípio não existem direitos absolutos, salvo o direito de não ser escravizado e o de não ser torturado, e assim, nem mesmo a vida é rotulada como direito absoluto, art. 23 do Código Penal pátrio, sendo de bom alvitre que a sociedade brasileira seja consultada e respeitada em torno de algumas questões sensíveis e delicadas, inclusive acerca da manutenção ou não do aborto terapêutico e do sentimental, hoje autorizados por força do artigo 128 do Código Penal. Se precisar de um guerreiro para lutar em favor da causa e dos valores da mulher, na clara e insofismável defesa da vida, desde a concepção, dos direitos humanos, da democracia, do estado democrático de direito, sem utopias regressivas e avançadas, eis-me aqui, no alto do Iracema, nas colinas de Teófilo Otoni, nas montanhas de Minas, da luminosidade dos arrebóis, onde se ouve o eco do grito pela liberdade, o brandir da espada que propugna o espírito republicano, resoluto e abnegado, sem medo de nada, inclusive, com o sacrifício da própria vida, se preciso for, por uma causa justa, nobre e transcendental (...)"
RESUMO: O presente texto tem por objetivo principal analisar os reflexos da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 181/2015, que amplia direitos sobre licença-maternidade em caso de parto prematuro e ainda proíbe todas as formas de aborto no Brasil, inclusive, revoga casos de abortos permitidos na legislação brasileira, artigo 128 do Código Penal, em vigor desde 1940.
Palavras-Chave. Proposta de Emenda à Constituição nº 181/2015. Direito Penal. Proibição do aborto. Aborto terapêutico. Aborto sentimental. Criminalização.
Tramita, no Congresso Nacional, a Proposta de Emenda à Constituição, (PEC) 181/2015, que nasce, inicialmente, com objetivo de alterar o inciso XVIII do art. 7º da Constituição Federal para dispor sobre a licença-maternidade em caso de parto prematuro, estendendo à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com duração de cento e vinte dias, cuja duração poderá se estender em até 240 dias, de acordo com o período de internação da criança.
Porém, duas substituições realizadas no texto a PEC originária modificam outros artigos da Constituição além do 7º, que trata da licença-maternidade.
Por essa razão, a supracitada PEC está sendo rotulada de “Cavalo de Troia”: na história, o grande cavalo de madeira foi dado como regalo pelos gregos aos troianos durante a guerra de Troia, segundo a posição clássica da obra “Odisseia”, de Homero. Dentro dele, estavam os soldados inimigos que derrotaram de vez os troianos.
Destarte, o art. 1º, inciso III, da Constituição, que trata dos princípios fundamentais da República, foi inserida a frase: “dignidade da pessoa humana desde a concepção”.
E, ainda no art. 5º, caput, que garante a igualdade de todos perante a lei e a inviolabilidade do direito à vida – acrescentou-se a expressão “a inviolabilidade do direito à vida desde a concepção”.
O texto final ficou assim redigido:
SUBSTITUTIVO ÀS PROPOSTAS DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 181-A, DE 2015 E DE Nº 58-A, DE 2011 Altera a redação do inciso XVIII do artigo 7º para dispor sobre a licença-maternidade em caso de parto prematuro, bem como do inciso III do art. 1º e do caput do art. 5º, todos da Constituição Federal. As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:
Art. 1º O inciso XVIII, do art. 7º da Constituição Federal, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 7º.
XVIII – licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias, estendendo-se, em caso de nascimento prematuro, à quantidade de dias que o recém-nascido passar internado, não podendo a licença exceder a duzentos e quarenta dias.
Art. 2º Dê-se a seguinte redação ao inciso III do art. 1º da Constituição Federal:
“Art. 1º.
III- dignidade da pessoa humana, desde a concepção;
Art. 3º Dê-se a seguinte redação ao caput do art. 5º da Constituição Federal:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida desde a concepção, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
.................................................”.
Art. 4º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.
Na hermenêutica jurídica, a Constituição da República está no ápice, e, por isso, a mudança afeta, necessariamente, a interpretação infraconstitucional.
E assim, proibiu todas as modalidades de aborto no Brasil. Várias são as discussões interdisciplinares travadas no mundo jurídico, científico, social e religioso, já provocadas em função dos direitos de 6ª dimensão.
Ativistas vão às ruas na intransigente defesa dos direitos e interesses das mulheres.
De início, pode-se conceituar aborto como sendo a interrupção da gravidez com a consequente morte do produto da concepção. Ou é a cessação da gravidez, antes do termo normal, causando a morte do feto.
Etimologicamente, a palavra aborto provém do latim ab-ortus, ou seja, “privação do nascimento.”
A doutrina pátria conhece diversas formas de aborto, a saber.
I - Aborto Natural: é a interrupção da gravidez oriunda de causas patológicas, que ocorre de maneira espontânea.
II - Aborto Acidental: é a cessação da gravidez por conta de causas exteriores e traumáticas, como quedas e choques ( não há crime).
III - Aborto Permitido ou legal: é cessação da gestação, com a morte do feto, admitida em lei.
IV- Aborto Terapêutico ou necessário: é a interrupção da gravidez realizada por recomendação médica, a fim de salvar a vida da gestante. Trata-se de hipótese específica de estado de necessidade.
V - Aborto Sentimental ou humanitário: é a autorização legal para interromper a gravidez quando a mulher foi vítima de estupro.
VI - Aborto Eugênico ou Eugenésico: é a interrupção da gravidez, causando a morte do feto, para evitar que a criança nasça com graves defeitos genéticos.
VII - Aborto econômico-social: é a cessação da gestação, causando a morte do feto, por razões econômicas ou sociais, quando a mãe não tem condições de cuidar do seu filho, seja porque não recebe assistência do estado, seja porque possui família numerosa, ou até por política estatal.
VIII - Aborto Honoris causa: É aquele praticado em decorrência de gravidez "extra-matrimonium".
IX - Aborto Criminoso: é a interrupção forçada e voluntária da gravidez, provocando a morte do feto.
O Código Penal brasileiro, em seu artigo 128, autoriza duas formas de aborto, dizendo que não se pune o aborto praticado por médico, se não há outro meio de salvar a vida da gestante e se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
Assim, desde 1940, o Código Penal pune, severamente, a prática do aborto nos termos dos artigos 124, 125 e 126, quais sejam, autoaborto, aborto consentido pela gestante e aborto sem o consentimento da gestante, considerando crime contra a vida, cujo processo e julgamento é de competência do Tribunal do Júri.
Os dispositivos citados em epígrafe se referem aos tipos penais sobre aborto criminoso na legislação brasileira, in verbis;
Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento
Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:
Pena - detenção, de um a três anos.
Aborto provocado por terceiro
Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de três a dez anos.
Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de um a quatro anos.
Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.
Entrementes, como se afirma antanho, a lei penal autoriza a prática de duas modalidades de aborto, num primeiro momento, quando não há outro meio de se salvar a vida da gestante, funcionando, neste caso, num verdadeiro e insofismável estado de necessidade, sendo, portanto, excludente de ilicitude.
Também não se pune o aborto quando a gravidez resultar de estupro, havendo consentimento da gestante ou de seu representante legal, para a interrupção da gravidez.
Eis o enunciado do artigo 128 do Código Penal:
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
Aborto necessário
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
Os dispositivos acima foram objeto de ADPF nº 54, proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde - CNTS, cujo relator foi o ministro Marco Aurélio, onde o Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126, 128, incisos I e II, todos do Código Penal, contra os votos dos Senhores Ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello que, julgando-a procedente, acrescentavam condições de diagnóstico de anencefalia especificadas pelo Ministro Celso de Mello; e contra os votos dos Senhores Ministros Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso (Presidente), que a julgavam improcedente. Ausentes, justificadamente, os Senhores Ministros Joaquim Barbosa e Dias Toffoli.
Decisão Final ESTADO – LAICIDADE. O Brasil é uma república laica, surgindo absolutamente neutro quanto às religiões. Considerações.
FETO ANENCÉFALO – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – MULHER – LIBERDADE SEXUAL E REPRODUTIVA – SAÚDE –DIGNIDADE – AUTODETERMINAÇÃO – DIREITOS FUNDAMENTAIS – CRIME – INEXISTÊNCIA. Mostra-se inconstitucional interpretação de a interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal.
Aqui, decerto, a lei não pode obrigar a mulher a conviver com uma gravidez indesejável, fruto de violência, de vilipêndio e de toda sorte de desprezo.
Por certo, estuprador é mais monstro que pai, é mais criminoso que pai, e o legislador não pode obrigar a mulher a conviver eternamente com as marcas das agressões. Seria uma espécie de pena de caráter perpétua exigir da mulher o sacrifício da vida naquilo que hoje chamamos de aborto terapêutico ou a ter que conviver com as cicatrizes da violência no caso da gravidez proveniente de estupro.
Certamente, o crime de estupro, hediondo, na forma da Lei nº 8.072/90, expressa ofensa à dignidade humana, demonstra o ponto máximo da conduta abjeta do autor do crime, aviltamento e desrespeito aos direitos da mulher, isto porque extremamente abominável, agride o senso de moralidade, machuca e humilha, menospreza e reduz a liberdade da mulher em relação ao seu corpo, lembrando que o ventre da mulher é essencialmente livre. Assim, estupro é crime abominável, altamente censurável, cujo autor se sujeita aos rigores da lei dos crimes hediondos.
E mais, é possível afirmar que a maior parte das vítimas de delitos contra a dignidade sexual é de jovens, adolescentes, sem estrutura orgânica formada que, na maior parte das vezes, sequer suporta, sem consequências, as alterações provocadas por uma gravidez tão prematura.
E merece ressaltar que ninguém nasceu para ser vítima de estupradores desalmados, vermes sociais, delinquentes frios e calculistas, criminosos sem perdão.
Se o legislador não tem consciência da maldade que se propõe com a PEC 181, é melhor passar por um exame de insanidade mental, pois não existe horror maior que obrigar a mulher a carregar as marcas indeléveis da violência, a profunda dor da alma, as ações ultrajantes de um estuprador sem sentimento e sem coração. Aprovar monstruosidade dessa natureza é o mesmo que ser conivente com o estupro, é se revelar inimigo da sociedade, dos valores humanos, é ser parceiro da canalhice e partícipe sem escrúpulos de um crime hediondo.
É certo que a Convenção Interamericana de Direitos Humanos de 1969, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto 678/92, no seu artigo 4º dispõe que:
"1. Toda pessoa tem direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente".
O primeiro compromisso, cogente e inarredável de um povo civilizado é com a promoção dos direitos humanos, universais e irrenunciáveis, no contexto de inviolabilidade em todos os seus aspectos, autonomia da vontade e dignidade da pessoa, sobretudo, na proteção da vida, bem jurídico maior na sua essência e na pujança, desde a sua concepção, mas como a princípio não existem direitos absolutos, salvo o direito de não ser escravizado e o de não ser torturado, e assim, nem mesmo a vida é rotulada como direito absoluto, art. 23 do Código Penal pátrio, sendo de bom alvitre que a sociedade brasileira seja consultada e respeitada em torno de algumas questões sensíveis e delicadas, inclusive acerca da manutenção ou não do aborto terapêutico e do sentimental, hoje autorizados por força do artigo 128 do Código Penal.
Se precisar de um guerreiro para lutar em favor da causa e dos valores da mulher, na clara e insofismável defesa da vida, desde a concepção, dos direitos humanos, da democracia, do estado democrático de direito, sem utopias regressivas e avançadas, eis-me aqui, no alto do Iracema, nas colinas de Teófilo Otoni, nas montanhas de Minas, da luminosidade dos arrebóis, onde se ouve o eco do grito pela liberdade, o brandir da espada que propugna o espírito republicano, resoluto e abnegado, sem medo de nada, inclusive, com o sacrifício da própria vida, se preciso for, por uma causa justa, nobre e transcendental.