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Reforma trabalhista 2017 – ilegalidade da extinção de ação ajuizada antes da reforma, sem resolução de mérito

14/12/2017 às 14:00
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Trata este artigo do instituto da extinção do processo sem julgamento de mérito, criada pelo artigo 840, § 3º, da CLT, especificamente no que tange à exigência de liquidação dos pedidos na exordial, criada pelo parágrafo 1º, do artigo 840 da CLT.

INTRODUÇÃO

Com a entrada em vigor da Reforma Trabalhista de 2017 (Lei nº 13.467/2017), no dia 11/11/2017, o art. 840 da Consolidação das Lei do Trabalho passou a ter a seguinte redação:

“Art. 840 – A reclamação poderá ser escrita ou verbal.§ 1º Sendo escrita, a reclamação deverá conter a designação do juízo, a qualificação das partes, a breve exposição dos fatos de que resulte o dissídio, o pedido, que deverá ser certo, determinado e com indicação de seu valor, a data e a assinatura do reclamante ou de seu representante. (Grifos nossos)

§ 2º Se verbal, a reclamação será reduzida a termo, em duas vias datadas e assinadas pelo escrivão ou secretário, observado, no que couber, o disposto no § 1o deste artigo.

§ 3º Os pedidos que não atendam ao disposto no § 1o deste artigo serão julgados extintos sem resolução do mérito.”

Com isso, diversos Juízos da Justiça Federal do Trabalho da 2ª Região (a que tivemos acesso), passaram a extinguir ações trabalhistas, através de sentenças sem julgamento de mérito, pela falta de liquidação dos pedidos apostos na inicial – inclusive das ações distribuídas antes da entrada em vigor da Lei nº 13.467/2017.

A título de exemplo, podemos trazer à baila decisão da 83ª Vara do Trabalho de São Paulo, que possui a seguinte disposição:

 “Tendo em vista que na presente ação, apesar de distribuída anteriormente à entrada em vigor da Lei nº 13.467/2017, ocorrida em 11/11/2017, todos os atos processuais serão praticados já sob a égide da nova lei, e que a petição inicial não atende aos requisitos do artigo 840, § 1º, da CLT, JULGO EXTINTO O PRESENTE FEITO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, com fundamento no artigo 485, inciso IV, do Novo Código de Processo Civil”.

No nosso entender, essa não é a melhor aplicação do artigo 840, § 3º, da CLT, conforme passaremos a demonstrar.


DIREITO INTERTEMPORAL E A REFORMA TRABALHISTA

Segundo lição de Jônatas Milhomens[1], a lei, disposição de ordem geral, abstrata, projeta-se no tempo e no espaço, voltando-se, naturalmente, para o futuro. E, desde que começa a vigorar, regula todas as hipóteses que venham a surgir e se ajustem ao respectivo preceito.

Tal lição decorre inexoravelmente do art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil, que fixa:

“A lei terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, odireito adquirido e a coisa julgada.”

Tanto que nossa doutrina estabeleceu, com base em tal disposição legal, duas regras de direito processual intertemporal:

(a) a lei processual nova não se aplica aos processos já findos quando ela entrou em vigor, cujos atos se regeram pela lei anterior e cujas decisões têm eficácia já conseguida antes da passagem da lei velha para a nova – rigorosa aplicação da máxima tempus regit actum;

(b) a lei processual nova aplica-se inteiramente aos processos instaurados na sua vigência, bem como aos que se encontrarem em trâmite, respeitando-se sua fase, sobretudo porque as previsões contidas na lei velha já não existem e, obviamente, as consequências jurídicas dos atos futuros não são as que ela ditara no passado.

Esta segunda regra foi internalizada em nossa legislação processual (art, 6º, LICC, art. 1.211 do antigo CPC e art. 1.046 do NCPC), vigorando no Brasil o respeito às fases procedimentais já superadas ou em curso (postulatória, ordinatória, instrutória, decisória), impondo a lei nova apenas quanto às fases subsequentes.

Não há, destarte, dúvida acerca da imediata aplicação da nova redação do art. 840 e seus parágrafos, da CLT, aos processos em trâmite que não haviam sido sentenciados até 11/11/2017.

Todavia, há a necessidade de observância prévia de outras regras do processo, especialmente do processo comum, quando da aplicação de tal novel regramento processual do trabalho ao caso concreto, por nossos Juízes. Tal observância é aplicável, no nosso entender, tanto nos processos já em trâmite, quanto naqueles que ainda serão distribuídos.


A (NOVA) APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA E SUPLETIVA DO PROCESSO COMUM AO PROCESSO DO TRABALHO

O Título desta seção foi tirado do excelente artigo de Bruno Freire, publicado no livro “Processo do Trabalho Atual – Aplicação dos Enunciados do Fórum Nacional e da Instrução Normativa do TST”[2]. Em brevíssimo resumo, o autor concluiu que “a partir da vigência do Novo Código de Processo Civil passaremos a ter uma nova forma de aplicação desse ramo do direito processual ao direito processual do trabalho, pautado na convivência e harmonia do art. 15 do novo diploma processual e o art. 769 da CLT”. 

Mas o que isso significa, efetivamente?

Para responder a este questionamento, temos que voltar alguns passos na conclusão do Professor Bruno Freire. Em primeiro lugar, a subsidiariedade das regras processuais comuns ao processo do trabalho é velha conhecida, tanto da doutrina quanto da jurisprudência pátrias, sendo prevista no art. 769 da CLT – “Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título”.

Neste ponto, vale consignar que a doutrina nos ensina que o sistema brasileiro de aplicação do processo comum ao processo do trabalho é misto ou eclético, uma vez que une duas formas de aplicação subsidiária. Nas palavras do professor FREIRE, são as mesmas: “1º) Subsidiariedade expressa – indica pontualmente os dispositivos do processo comum a serem aplicados no processo do trabalho. 2º) Subsidiariedade aberta – dispõe genericamente que as normas do processo comum são subsidiárias do processo do trabalho". 

É certo, destarte, que o direito processual civil é fonte subsidiária do direito processual do trabalho.

Ocorre que, com a edição do Novo Código de Processo Civil, o mesmo trouxe a lume interessante novidade no que tange a este tema. Mais, especificamente, seu artigo 15 assevera: “Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente". 

A novidade está na adição do termo “supletiva”. A subsidiariedade constante originalmente no art. 769 da CLT pressupunha a necessidade de total omissão da lei processual trabalhista, para a aplicação das normas processuais comuns. 

Já na supletividade, não há omissão na norma processual trabalhista, mas, sim, um tratamento insuficiente por ela ao caso concreto apresentado, invocando a complementação com institutos e regras processuais comuns, aumentando assim a abrangência do uso do processo comum nas lides trabalhistas.

Sobre tal tema, SHIAVI concluiu que:

“Pode-se argumentar que houve revogação dos arts. 769 e 889, da CLT, uma vez que o Código de Processo Civil, cronologicamente, é mais recente que a CLT. Também se pode argumentar que, diante do referido dispositivo legal, o processo do trabalho perdeu sua autonomia científica, ficando, doravante, mais dependente do processo civil. Embora o art. 15 e as disposições do novo CPC exerçam influência no processo do trabalho, e certamente, impulsionarão uma nova doutrina e jurisprudência processual trabalhista, não revogou a CLT, uma vez que os arts. 769 e 889, da CLT, são normas específicas do processo do trabalho, e o CPC apenas uma norma geral. Pelo princípio da especialidade, as normas gerais não derrogam as especiais (...). O art. 15 do novel CPC não contraria os arts. 769 e 889, da CLT. Ao contrário, com eles se harmoniza.”[4]

Tal lição se coaduna perfeitamente com o esposado por MAXIMILIANO, que assevera: “Procure-se encarar as duas expressões de Direito como parte de um só todo, destinadas a complementarem-se mutuamente”[5]. Assim, nas palavras finas de SHIAVI, “conjugando-se o art. 15 do CPC com os arts. 769 e 889, da CLT, temos que o CPC se aplica ao processo do trabalho da seguinte forma: supletiva e subsidiariamente, nas omissões da legislação processual trabalhista, desde que compatível com os princípios e singularidade do processo trabalhista”[6].


INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 39/2016

   Frente às inovações trazidas pelo NCPC, o Tribunal Superior do Trabalho aprovou, em 15/03/2016, a Instrução Normativa nº 39, que “Dispõe sobre as normas do Código de Processo Civil de 2015 aplicáveis e inaplicáveis ao Processo do Trabalho, de forma não exaustiva”. O art. 1º da aludida Instrução Normativa fixa que:

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Art. 1° Aplica-se o Código de Processo Civil, subsidiária e supletivamente, ao Processo do Trabalho, em caso de omissão e desde que haja compatibilidade com as normas e princípios do Direito Processual do Trabalho, na forma dos arts. 769 e 889 da CLT e do art. 15 da Lei nº 13.105, de 17.03.2015

Já em seu art. 2º apresenta rol taxativo de quais artigos do Código de Processo Civil são incompatíveis com a CLT, não se aplicando, por consequência, ao processo do trabalho:      

Art. 2° Sem prejuízo de outros, não se aplicam ao Processo do Trabalho, em razão de inexistência de omissão ou por incompatibilidade, os seguintes preceitos do Código de Processo Civil:

I - art. 63 (modificação da competência territorial e eleição de foro);

II - art. 190 e parágrafo único (negociação processual);

III - art. 219 (contagem de prazos em dias úteis);

IV - art. 334 (audiência de conciliação ou de mediação);

V - art. 335 (prazo para contestação);

VI - art. 362, III (adiamento da audiência em razão de atraso injustificado superior a 30 minutos);

VII - art. 373, §§ 3º e 4º (distribuição diversa do ônus da prova por convenção das partes);

VIII - arts. 921, §§ 4º e 5º, e 924, V (prescrição intercorrente);

IX - art. 942 e parágrafos (prosseguimento de julgamento não unânime de apelação);

X - art. 944 (notas taquigráficas para substituir acórdão);

XI - art. 1010, § 3º(desnecessidade de o juízo a quo exercer controle de admissibilidade na apelação);

XII - arts. 1043 e 1044 (embargos de divergência);

XIII - art. 1070 (prazo para interposição de agravo).  

Como podemos ver da redação do artigo supratranscrito, o mesmo não faz nenhuma referência aos artigos 4º, 317 e 321 do Novo Código de Processo Civil. Assim, por força do art. 15 do NCPC c.c. art. 769 da CLT e art. 3º, primeira parte, da IN 39/2016 do TST, os mesmos são aplicáveis supletivamente ao processo do trabalho, eis que com ele não são incompatíveis.


PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA DECISÃO DE MÉRITO

   O princípio da primazia da decisão de mérito é informador do processo civil, e está contido no artigo 4º do NCPC:

Art. 4º. As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.

Em verdade, o artigo 4º exprime três princípios norteadores do processo civil, quais sejam: Duração razoável do processo, efetividade do processo e primazia da decisão de mérito.

No que tange ao princípio da primazia da decisão de mérito (que nos interessa para este estudo), o mesmo busca assegurar às partes o direito à solução de mérito na demanda, em detrimento de julgamentos meramente processuais.

A efetivação de tal princípio, no âmbito do processo civil, é assegurada pelos seguintes institutos:

  1. O dever do juiz de determinar o saneamento dos vícios processuais (previsão do art. 139, IX);
  2. Determinação de emenda da inicial nos casos de não cumprimento de seus requisitos (art. 321);
  3. Possibilidade do Relator do recurso determinar o saneamento do vício ou complementação da documentação exigível (art. 932, parágrafo único).

Além destes, há ainda a previsão genérica constante do art. 317 do NCPC, que diz:

Art. 317. Antes de proferir decisão sem resolução de mérito, o juiz deverá conceder à parte oportunidade para, se possível, corrigir o vício.

Assim, ao verificar vício sanável no processo, ou falta de cumprimento dos requisitos da inicial, é dever-poder do Juiz, no âmbito do processo civil, conceder à parte faltante oportunidade para corrigir o vício ou erro, antes de proferir decisão de extinção sem julgamento do mérito.

Tal princípio – e os institutos que o garantem – no nosso entender, aplicam-se supletivamente ao processo do trabalho. Desta feita, aplicando-se ao caso da 83ª vara do Trabalho de São Paulo, citado no início deste trabalho, é nosso entendimento que o órgão jurisdicional deveria, antes de prolatar sua sentença, intimar a parte Reclamante, com fulcro na aplicação supletiva dos artigos 317 e 321 do NCPC, para emendar sua inicial, apresentando a liquidação de seus pedidos (e cumprindo assim a exigência do art. 840, § 1º, da CLT).


CONSIDERAÇÕES FINAIS

 Conforme apresentado nos itens anteriores, por força do art. 15 do NCPC c.c. art. 769 da CLT e art. 3º, primeira parte, da IN 39/2016 do TST, deve ser aplicado supletivamente ao processo do trabalho o Princípio da Primazia da Decisão de Mérito, constante do artigo 4º do NCPC.

Assim, para a correta aplicação do art. 840, §§ 1º e 3º da CLT, nos casos em que as iniciais de ações trabalhistas, distribuídas antes ou depois da entrada em vigor da Reforma Trabalhista de 2017, não apresentarem pedidos devidamente liquidados (com indicação expressa do valor pretendido), deve o Reclamante ser intimado, com fulcro nos arts. 317 e 321 do Novo Código de Processo Civil, para aditar a inicial, sanando tais incorreções, eis que os mesmos são aplicáveis supletivamente ao processo do trabalho, eis que com ele não são incompatíveis.

Eventual julgamento do processo sem resolução do mérito só poderá ser exarado nos casos em que os Reclamantes se quedarem inertes após a citada intimação.


CITAÇÕES

  • [1] MILHOMENS, Jônatas. Hermenêutica do direito processual civil. Rio de Janeiro : Forense. p. 19.
  • [2] COLNAGO, Lorena de Mello Rezende e NAHAS, Thereza Christina, organizadoras, Ed. Revista dos Tribunais, 2016, págs. 29 a 45.
  • [3] Op. citada, pág. 37.
  • [4] SHIAVI, Mauro – A aplicação supletiva e subsidiária do Código de Processo Civil ao processo do trabalho – in O Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no processo do trabalho. Ed. JusPodium. 2015, pág. 56.
  • [5] MAXIMILIANO, Carlos – Hermenêutica e aplicação do direito, Ed. Forense, 2003, pág. 110/111.

[6] Op. Citada, pág. 56.


REFERÊNCIAS

  1. COLNAGO, Lorena de Mello Rezende e NAHAS, Thereza Christina, organizadoras, Processo do Trabalho Atual.  Ed. Revista dos Tribunais
  2. FREIRE, Bruno. A nova aplicação subsidiária e supletiva do processo comum ao processo do trabalho, in Processo do Trabalho Atual, Ed. Revista dos Tribunais
  3. MILHOMENS, Jônatas. Hermenêutica do direito processual civil. Rio de Janeiro : Forense.
  4. MAXIMILIANO, Carlos – Hermenêutica e aplicação do direito, Ed. Forense
  5. SHIAVI, Mauro – A aplicação supletiva e subsidiária do Código de Processo Civil ao processo do trabalho – in O Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no processo do trabalho. Ed. JusPodium.

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Sobre o autor
Oliver Alexandre Reinis

Bacharel pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo - FDSBC, Membro do ICC - International Chamber of Commerce. Membro do IBC - Instituto Brasileiro de Compliance. Membro do IBAP - Instituto Brasileiro de Advocacia Pública. Membro da ALADA - Academia Latino Americana de Direito Ambiental. Membro da APET – Associação Paulista de Estudos Tributários, Membro do ISOC - Internet Society. Membro do Grupo Setorial do Gerenciamento Costeiro do Litoral Norte - GERCO/LN da Secretaria Estadual do Meio Ambiente – SMA/SP - biênio 2014/2015, Autor colaborador em publicações de direito, Advogado atuante nas áreas de Direito Político, Direito Eleitoral, Direito Administrativo e Direito Digital.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REINIS, Oliver Alexandre. Reforma trabalhista 2017 – ilegalidade da extinção de ação ajuizada antes da reforma, sem resolução de mérito: Análise da aplicação do artigo 840, § 3º, da CLT, inserido pela lei n 13.467/2017. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5279, 14 dez. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/62378. Acesso em: 28 mar. 2024.

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