Capa da publicação Reforma trabalhista e tarifação da indenização por danos extrapatrimoniais
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O equívoco da tarifação da indenização por danos extrapatrimoniais pela Lei nº 13.467/2017

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A Lei nº 13.467/2017, ao estabelecer o salário do trabalhador como critério para o arbitramento do dano extrapatrimonial, padece de inconstitucionalidade material.

Nota do Editor: a redação do § 1º do art. 223-G da CLT, dada pela Lei nº 13.467/2017, foi alterada pela Medida Provisória nº 808/2017, que vinculou a indenização ao valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, em vez do último salário contratual do ofendido.


1. Introdução

Depois de muita polêmica e protestos de parlamentares de partidos de oposição ao Governo e de entidades de representação dos trabalhadores e Associações de Magistrados de Justiça do Trabalho, foi aprovado pelo Congresso Nacional Projeto de Lei 6.787/2016, originário da Câmara dos Deputados que recebeu no Senado Federal o n. 38/2017, sancionado pelo Presidente Michel Temer converteu-se na Lei 13.467, de 13.7.2017, que entrar em vigor em 11.11.2017, introduzindo profundas alterações na velha Consolidação das Leis do Trabalho – CLT e, por consequência, criando aquilo o que se poderia denominar de “um novo Direito do Trabalho brasileiro”.

Necessário, assim, ainda que sinteticamente tecer algumas considerações a respeito das bases jurídicas da nova Lei para que se possa compreender o que a seguir se defenderá.

Nesse passo, vale lembrar que a chamada “Reforma Trabalhista” se encontra fundamentada, essencialmente, em duas grandes pilastras:

a) o reconhecimento e a valorização da autonomia individual visando permitir que trabalhadores e empregadores ou contratantes possam negociar diretamente sem necessidade da tutela estatal, às vezes excessiva, e para alguns, paternalista, certas condições que regerão o contrato de emprego ou de trabalho;

b) a valorização, o prestígio e a preferência da autonomia coletiva da vontade das categorias que terão, a partir da entrada em vigor da nova Lei, maior liberdade para negociar as condições a que se submeterão, na pressuposição de que ninguém melhor daquele que trabalha e de quem se apropria dos frutos do labor - verdadeiros atores do processo produtivo - têm mais e melhores condições de conhecer suas próprias realidades e necessidades.

E para se constatar esse fato, basta vê os vários dispositivos constantes da Lei 13.467/2017 valorizando a autonomia individual da vontade do trabalhador e do empregador para convencionar diretamente por meio do diálogo e da negociação vários direitos, inclusive fora do padrão garantido pelo Estado, desde é claro, que não se achem marcados pelo caráter da indisponibilidade absoluta, como, por exemplo, aqueles ligados à jornada, salários e outras condições de trabalho, dando-se prevalência aquilo que se tem denominado de “convencionado sobre o legislado”.

De fato, prevê o art. 611-A da CLT acrescido pela nova lei:

A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:

I - pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais;

II - banco de horas anual;

III - intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas;

IV - adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei no 13.189, de 19 de novembro de 2015;

V - plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança; VI - regulamento empresarial;

VII - representante dos trabalhadores no local de trabalho;

VIII - teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente;

IX - remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual;

X - modalidade de registro de jornada de trabalho;

XI - troca do dia de feriado;

O legislador partiu da idéia que aos atores da relação de empregou ou de trabalho e às categorias a que integram, deve ser garantido o direito de negociar, especialmente por meio da autonomia coletiva aquilo que entendam seja mais conveniente e aproximado de suas próprias realidades como, aliás, foi reconhecido pelo Excelso Supremo Tribunal no julgamento do RE 590.415-SC, ao deixar assentado no voto do Ministro Luis Roberto Barroso:

A negociação coletiva é uma forma de superação de conflito que desempenha função política e social de grande relevância. De fato, ao incentivar o diálogo, ela tem uma atuação terapêutica sobre o conflito entre capital e trabalho e possibilita que as próprias categorias econômicas e profissionais disponham sobre as regras às quais se submeterão, garantindo aos empregados um sentimento de valor e de participação. É importante como experiência de autogoverno, como processo de autocompreensão e como exercício da habilidade e do poder de influenciar a vida no trabalho e fora do trabalho. É, portanto, um mecanismo de consolidação da democracia e de consecução autônoma da paz social. O reverso também parece ser procedente. A concepção paternalista que recusa à categoria dos trabalhadores a possibilidade de tomar as suas próprias decisões, de aprender com seus próprios erros[1].

Esse entendimento, diga-se de passagem, havia sido acolhido anteriormente pela Excela Corte no julgamento do RE 590.415-SC a respeito da validade da negociação coletiva limitando para efeitos de pagamento as horas in itinere, numa clara demonstração de que antes mesmo da edição da Lei 13.467/2017 se prestigiava a autonomia coletiva das categorias para, por meio do mecanismo da negociação coletiva superar o conflito com estabelecimento de normas que atendam a realidade dos trabalhadores e empregadores como ocorre no modelo laboral europeu, no qual o legislador se baseou, e que tem dado margem a muitas discussões e debates.

E essa autonomia da vontade para negociação foi também reconhecida e prestigiada no campo da relação individual de trabalho à medida que a nova Lei permite que o trabalhador e o empregador possam, em dadas condições, negociar e convencionar fora do padrão legal vários direitos como, por exemplo, banco de horas (art. 59, §§ 5º e 6º), intervalo para amamentação da trabalhadora lactante (art. 396, § 2º), fracionamento de férias, alteração do trabalho presencial para teletrabalho (art. art.75-C, § 2º acrescido pela nova Lei), intervalo intrajorda e até mesmo tacitamente outros direitos, estimulando um louvável processo de diálogo e de negociação direta sem intervenção estatal ou/e intermediação da entidade sindical. Tanto assim que criou a representação do trabalhador na empresa como um espaço democrático para esse diálogo direto (510-A acrescido à CLT pela citada Lei), regulamentando o que se encontra previsto no art. 11 da Carta da República e na Convenção 135 da OIT, tornando realidade aquilo que o constituinte de 1988, fundado no pluralismo democrático, pretendeu, não constituindo qualquer ameaça ao relevante papel social e político do sindicato que em verdade deve agir em cooperação com a representação dos trabalhadores na empresa (art. 5º da aludida Convenção Internacional).

É evidente, todavia, que a autonomia coletiva exige a presença de sindicatos fortes e representativos, com capacidade de negociar com as empresas ou empregadores dentro de certos parâmetros de equilíbrio de forças, o que infelizmente no Brasil, salvo algumas exceções, não ocorre, pois ainda temos o sindicato organizado com base na categoria fundado no princípio unicidade que exige para que possa adquirir a capacidade de representação o registro no órgão competente do Estado, em absoluta falta de sintonia com os princípios e normas da Organização Internacional do Trabalho - OIT, especialmente o disposto na Convenção 87 que até o memento foi não ratificada pelo Brasil, o que torna o sindicato uma entidade de certa forma dependente o Estado para poder atuar. Portanto, necessária também uma reforma no sistema sindical para adequá-lo à nova realidade advinda com a Lei 13.467/2017.

Mesmo assim, e em que pese o previsto na nova Lei, tanto a autonomia individual como a coletiva não são absolutas como, aliás, nenhum direito ou liberdade o é. Ao contrário, embora reconhecida pelo Texto Maior (arts. 7º, inciso XXVI e 8º) encontra limites na proteção daquilo que doutrinariamente se convencionou denominar de padrão mínimo civilizatório constituído pelo conjunto de direitos garantidos pela Carta da República, especialmente aqueles elencados nos arts. 7º e seguintes da Carta Suprema, quase todos marcados pelo caráter de indisponibilidade e que, em obséquio ao princípio vedatório do retrocesso social[2] previsto nos arts. 7º do Texto Supremo e 26 da Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica[3] - não podem ser retirados, ainda que mediante negociação coletiva, Todavia, isso não implica afirmar que não possam ser objeto de certa “flexibilização” para serem adequados à realidade da empresa, especialmente aquelas médias e pequenas, em homenagem ao princípio da adequação setorial negociada, mas sempre respeitado o núcleo essencial[4] do próprio direito.

Assim, tanto a autonomia individual como a coletiva da vontade, têm balizas que uma vez não observadas, poderá ensejar à anulação perante a Justiça do Trabalho do que negociado, em que pese o equivocadamente previsto no art. § 3º do art. 8º da CLT acrescido pela nova Lei, pois é evidente que “o juiz não é escravo da lei”, como pensam alguns positivistas; antes é seu intérprete.

É com essa visão que pensamos se deve interpretar as disposições contidas na Lei 13.467/2017 que como toda obra humana não é perfeita, evidentemente, mas contém muitos avanços, e isso não se pode negar.

De fato, e como tivemos oportunidade de afirmar em dado momento[5], a negociação coletiva menos ainda a individual, não pode ser erigida em um cheque em branco para se negociar o que bem se entender, contrariamente o que alguns desavisados têm entendido, à medida que o Texto Maior e a própria Lei impõe determinados limites ao intérprete. Porem, na atividade interpretativa não se pode adotar posições maniqueístas, corporativas ou ideológicas que apenas vêem na Lei o lado negativo.

Assim entendido, passa-se ao tema proposto: a tarifação da indenização do dano moral.

É esse o objeto do presente artigo que nem de longe se pretende completo, mas apenas contribuir para o debate do tema.


2. O dano moral ou extrapatrimonial trabalhista e a disciplina contida na Lei 13.467/2017

Entre as matérias que a nova Lei veio disciplinar se encontra a questão do dano expatrimonial no âmbito das relações laborais, inclusive quanto à tarifação da indenização e que, a nosso juízo terminou por agredir o Texto Maior, ao estabelecer alguns critérios e limites que além de violarem o garantia da justa reparação, agride o previsto nos arts. 1º, 3º e 5º do Texto Supremo, 927, 942 e 944 do Código Civil, afetando o princípio da isonomia e proibitivo da discriminação, ao fixar como base para a quantificação da reparação do dano extrapatrimonial trabalhista, o salário ou o contracheque do trabalhador.

Assim posto, vale lembrar inicialmente que a partir da entrada em vigor da Emenda Constitucional 45/2004 que atribuiu à Justiça do Trabalho a competência para apreciar e julgar as ações de indenização por dano moral decorrente das relações de trabalho, e que à época também deu margem a muita polêmica até que o Excesso Supremo Tribunal Federal viesse interpretá-la.

As ações envolvendo esse tipo de reparação, talvez em consequência da alteração do modelo de produção e de trabalho decorrente da implementação de novas tecnologias com maior propensão a produzir danos ao trabalhador, aumentaram sobremaneira s partir da entrada em vigor da Emenda Constitucional 45/2004, especialmente aquelas nas quais se pede reparação por danos morais, a ponto de hoje quase toda reclamatória conter um item a esse titulo. e isso é reconhecido na Justificativa do Projeto de Lei n. 6.787/2027 que deu origem à Lei 13.467/20017.

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Para alguns, com os quais, com o devido respeito, não concordamos, surgiu uma verdadeira “indústria do dano moral” e para outros, teria ocorrido uma maior conscientização pelos trabalhadores a respeito de seus direitos levando, como consequência, a certos exageros - não se pode negar – não apenas nos pedidos, mas também quanto aos valores arbitrados às indenizações, sendo assim, necessário, ao contrário do que defende parte da doutrina, que o legislador, ponderadamente, estabelecesse algum critério para que as vítimas possam balizar os pedidos e os juízes arbitrem as indenizações em parâmetros justos.

Nesse quadro, não causa nenhuma surpresa ter o legislador reagido ao editar a Lei 13.467/17[6] que, além de fixar limite máxime para esse tipo de indenização, terminou, em boa hora, reconhecendo outra modalidade de dano, o chamado dano existencial.

Originário do Direito italiano, o chamado dano existencial pode ser considerado como “uma espécie de dano imaterial que tem aptidão de acarretar à vítima, de modo parcial ou total, a impossibilidade de executar, dar prosseguimento ou reconstruir o seu projeto de vida na dimensão familiar, afetivo-sexual, intelectual, artística, científica, desportiva, educacional ou profissional, entre outras e a dificuldade de retomar sua vida de relação (de âmbito público ou privado, especialmente no âmbito da convivência familiar, profissional ou social. Subdivide-se no dano ao projeto de vida e no dano à vida de relações. Em outras palavras, o dano existencial se alicerça em 2 (dois) eixos: de um lado, na ofensa ao projeto de vida, por meio do qual o indivíduo se volta à própria autorrealização integral, ao direcionar sua liberdade de escolha para proporcionar concretude, no contexto espaço-temporal em que se insere, às metas, objetivos e ideias que dão sentido à sua existência; e, de outra banda, no prejuízo à vida de relação, a qual diz respeito ao conjunto de relações interpessoais, nos mais diversos ambientes e contextos, que permite ao ser humano estabelecer a sua história vivencial e se desenvolver de forma ampla e saudável, ao comungar com seus pares a experiência humana, compartilhando pensamentos, sentimentos, emoções, hábitos, reflexões, aspirações, atividades e afinidades, e crescendo, por meio do contato contínuo (processo de diálogo e de dialética) em torno da diversidade de ideologias, opiniões, mentalidades, comportamentos, culturas e valores ínsita à humanidade”[7]. Pode-se, então, afirmar, em síntese, que o dano existência é aquele originário da vida em relações. É assim, um prejuízo ao livre desenvolvimento da pessoa que impede ou prejudica o seu projeto de vida pessoal ou profissional.

O dano ao projeto de vida - lembra a doutrina[8] - incide sobre a liberdade do sujeito a realizar segundo sua própria decisão. É assim, um dano de tal magnitude que afeta a forma em que o sujeito tenha decidido viver, “que trunca el destino de la persona, que le hace perder el sentido mismo de su existencia”.

Embora admitido pela doutrina e na jurisprudência nacional, essa modalidade de dano ainda não tinha recebido disciplina legal entre nós, o que agora aconteceu pela Lei 13.467/2017, não havendo mais espaço para qualquer discussão a respeito dessa modalidade de dano na ordem jurídica brasileira, e nesse aspecto a nova lei é muito bem-vinda.

A aludida Lei inseriu na CLT o “TÍTULO II-A” disciplinando a questão da indenização dos danos morais decorrentes da relação de trabalho, nos seguintes termos: 

Art. 223 - A. Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título. 

Art. 223 - B. Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação.’ 

Art. 223 - C. A honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física.’ 

Art. 223 - D. A imagem, a marca, o nome, o segredo empresarial e o sigilo da correspondência são bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa jurídica.’  

Art. 223 - E.  São responsáveis pelo dano extrapatrimonial todos os que tenham colaborado para a ofensa ao bem jurídico tutelado, na proporção da ação ou da omissão.’ 

Art. 223 - F.  A reparação por danos extrapatrimoniais pode ser pedida cumulativamente com a indenização por danos materiais decorrentes do mesmo ato lesivo.  

§ 1o  Se houver cumulação de pedidos, o juízo, ao proferir a decisão, discriminará os valores das indenizações a título de danos patrimoniais e das reparações por danos de natureza extrapatrimonial.  

§ 2o  A composição das perdas e danos, assim compreendidos os lucros cessantes e os danos emergentes, não interfere na avaliação dos danos extrapatrimoniais.’ 

Art. 223 - G.  Ao apreciar o pedido, o juízo considerará: 

I - a natureza do bem jurídico tutelado;  

II - a intensidade do sofrimento ou da humilhação;  

III - a possibilidade de superação física ou psicológica; 

IV - os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão; 

V - a extensão e a duração dos efeitos da ofensa;  

VI - as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral; 

VII - o grau de dolo ou culpa; 

VIII - a ocorrência de retratação espontânea;  

IX - o esforço efetivo para minimizar a ofensa;  

X - o perdão, tácito ou expresso; 

XI - a situação social e econômica das partes envolvidas; XII - o grau de publicidade da ofensa. 

§ 1o  Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:  

I - ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido; 

II - ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido; 

III - ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido;  

IV - ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.  

§ 2o  Se o ofendido for pessoa jurídica, a indenização será fixada com observância dos mesmos parâmetros estabelecidos no § 1o deste artigo, mas em relação ao salário contratual do ofensor. 

§ 3o Na reincidência entre partes idênticas, o juízo poderá elevar ao dobro o valor da indenização.’  

Entretanto, o legislador cometeu alguns pecados e até mesmo inconstitucionalidades como se verá a seguir.

Em primeiro lugar, vale anotar que as aludidas normas não são taxativas quanto aos bens ou valores nelas previstos, bastando lembrar o direito à livre manifestação de pensamento, de expressão, de consciência, a liberdade religiosa, ideológica, de comunicação, o direito à intimidade, de não ser discriminado por qualquer motivo[9], entre outros valores que, violados, ainda que no seio da relação de trabalho ou emprego, poderão ensejar à indenização por dano extrapatrimonial, que em verdade é mais abrangente do que o dano moral, por compreender não apenas este, mas também outros que afetam a dignidade humana.

Como lembra Maria Celina Bodin de Moraes[10] o dano moral pode ser entendido como lesão à dignidade humana, sobretudo pelas consequências que pode gerar.

Assim, em primeiro lugar, toda e qualquer circunstância que atinja o ser humano em sua condição humana, que (mesmo longinquamente) pretenda tê-lo como objeto, que negue a sua qualidade de pessoa, será automaticamente considerada violadora de sua personalidade e, se concretizada, causadora de dano moral a ser reparado. Acentue-se que o dano moral, para ser identificado, não precisa estar vinculado à lesão de algum ‘direito subjetivo’ da pessoa da vítima, ou causar algum prejuízo a ela. A simples violação de uma situação jurídica subjetiva extrapatrimonial (ou de um ‘interesse patrimonial’) em que esteja envolvida a vítima, desde que merecedora da tutela, será suficiente para garantir a reparação.

Portanto, o dano moral ou extrapatrimonial é sempre um ato atentatório aos valores que compõem a dignidade humana, não podendo se limitar aos bens elencados pela Lei 13.467/2017, evidentemente.

Assim entendido, a norma constante do art. 223-A da CLT acrescida pela aludida Lei quanto aos bens os valores nela inscritos, é apenas exemplificativa.

Desse modo, pode-se afirmar que na verdade, todos os direitos que compõem a dignidade humana do trabalhador podem ser passiveis de violação moral. Por conseguinte, não se pode limitar àquelas hipóteses previstas na aludida normas, acrescida à CLT pela Lei 13.467/2017.

Uma segunda advertência que se faz necessária é no de que os critérios estabelecidos na norma constante do art. 223-G não se aplicam à indenização pelo dano patrimonial ainda quando decorrente da relação de trabalho ou de emprego, que continua sendo disciplinada pelas normas do Direito Civil (art. 186, 927, 942, 944 e seguintes do Código Civil)[11].

De outro lado, parece evidente que a limitação constante do art. 223-B quanto à legitimidade para postulação da indenização apenas pelo ofendido ou em caso de óbito, pelo cônjuge, companheiro ou pelos sucessores não pode ser aceita, considerando que nos termos do art. 12 do Código Civil essa legitimidade também se estende a qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau (Parágrafo único do art. 12 combinado com o estabelecido no art. 943 do Código Civil).

A propósito, lembra Fabrício Zamprogna Mariello[12] que ”embora os direitos de personalidade não se transmitam causa mortis, a prerrogativa de buscar a reparação dos danos provocados pela agressão passa às pessoas elencadas no dispositivo, não desaparecendo pelo fato do óbito do titular”. Até porque – dizemos nós - muitas vezes os efeitos do ilícito atingem, por ricochete, a família da vítima falecida, não raro de forma permanente como, por exemplo, a dor decorrente da perda de um filho, cônjuge ou companheiro, não se justificando a limitação prevista na norma do art. 223-B da CLT trazida pela Lei 13.467/2017.

Aliás, como pondera com acerto Amaury Rodrigues Pinto Junior[13] a propósito da legitimidade dos sucessores da vítima de agressão moral para pleitear a indenização por dano extrapatrimonial:

É indiscutível que a morte gera efeitos jurídicos. De inicio, abre-se a sucessão, que provoca a transmissão de bens e direitos aos herdeiros. No campo da responsabilidade civil surge o prejuízo de afeição, autêntico prejuízo reflexo ou por ricochete, consistente no dano psicológico que atinge todas as pessoas que mantinham ligação com o falecido. Esse dano extrapatrimonial decorre do evento morte, mas não objetiva indenizar a própria morte e sim o sofrimento que atinge os sobreviventes, motivo pelo qual caberão a eles, vitimas indiretas do evento danoso, demandar em nome próprio uma indenização compensatória”.

De fato, o dano pode atingir não apenas o trabalhador. Às vezes, por extensão ou ricochete, também pode afetar a família do ofendido como, por exemplo, aquele decorrente de um processo de assédio moral ou sexual, que transcende à pessoa do assediado, ou em caso acidente ou doença do trabalho, à medida que o prejuízo sofrido afeta o equilíbrio social e, por óbvias razões, pode levar à perda do emprego ou à incapacidade laborativa, na maioria das vezes privando a vítima direta e familiares da única fonte de subsistência[14]. Portanto, também atinge a dignidade dessas pessoas que, apesar de não ostentarem a condição de empregados ou trabalhadores, podem ser alcançados pelos efeitos do ato ilícito.

Nesse sentido, aliás, entendeu a 3ª Sala do Tribunal Supremo Espanhol no recurso de cassação 37.25/1997, em 23.7.2001[15].

Vale citar a esse propósito, ainda, o v. aresto proferido no julgamento do RO 001839.30.2012.5.24 RO1 pela 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região, nos seguintes termos:

DANO MORTE E PREJUÍZO DE AFEIÇÃO. DISTINÇÕES. 1. No campo da responsabilidade civil a morte faz surgir duas linhas indenizatórias bem definidas: há que se distinguir o direito de indenização por danos extrapatrimoniais padecidos pela vítima direta (transmissível por herança e reivindicável pelo espólio), do direito indenizatório decorrente de danos extrapatrimoniais sofridos pelas vítimas indiretas (por ricochete). 2. O prejuízo de afeição não pode ser vindicado pelo espólio, mas apenas pelos que sofreram dano psicológico em razão da ligação afetiva que mantinham com o falecido (vítima direta). 3. O dano morte é transmissível por herança e deve ser vindicado pelo Espólio.. TRANSMISSIBILIDADE DO DIREITO À INDENIZAÇÃO POR DANOS EXTRAPATRIMONIAIS. É preciso distinguir entre o direito da personalidade e direito à indenização por sua violação: o direito da personalidade é inerente ao seu titular e não pode ser transmitido, cedido ou alienado, mas, uma vez ofendido em quaisquer de seus matizes, surge o direito ao ressarcimento, que só poderá ser obtido pela via patrimonial.. RESSARCIBILIDADE DO DANO MORTE. 1. O art. 5º da Constituição Federal garante a inviolabilidade do direito à vida e é este o maior bem jurídico tutelado por nosso ordenamento. 2. Não se concebe que o maior patrimônio da pessoa humana, constitucionalmente tutelado, uma vez ofendido, possa permanecer não ressarcido. 3. Nem se diga que o fim da personalidade jurídica decorrente do falecimento da vítima impossibilitaria o ressarcimento do “dano morte”, afinal, foge à lógica sustentar que a própria lesão seja a causa de sua não ressarcibilidade. 4. E como pondera Sergio Cavalieri Filho: “O dano moral, que sempre decorre de uma agressão a bens integrantes da personalidade (honra, imagem, bom nome, dignidade etc.), só a vítima pode sofrer, e enquanto viva, porque a personalidade, não há dúvida, extingue-se com a morte. Mas o que se extingue – repita-se – é a personalidade, e não o dano consumado, nem o direito à indenização” (CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 8. ed. 4ª reimpr. São Paulo: Atlas, 2009).

Vale registrar, também, que esse entendimento é perfilhado o Colendo Superior Tribunal de Justiça – STJ, como se vê do seguinte julgado:

Agravo Regimental nos Embargos de Divergência em Recurso Especial. Dano moral. Falecimento do titular. Ajuizamento de ação indenizatória. Transmissibilidade do direito. Entendimento jurisprudencial consolidado. Súmula n. 168/STJ. A posição atual e dominante que vigora nesta c. Corte é no sentido de embora a violação moral atinja apenas o plexo de direitos subjetivos da vítima, o direito à respectiva indenização transmite-se com o falecimento do titular do direito, possuindo o espólio ou os herdeiros legitimidade ativa ad causam para ajuizar ação indenizatória por danos morais, em virtude da ofensa moral suportada pelo de cujus. Incidência da Súmula n. 168/STJ. Agravo regimental desprovido[16].

Desse modo, a Lei 13.467/2017, limitando os legitimados para requerer a indenização pelo dano extrapatrimonial trabalhista deve ser interpretada em harmonia com o disposto nos arts. 12, Parágrafo único e 943 do Código Civil e não como equivocadamente pretendido pelo legislador. Afinal, como afirma Norberto Bobbio[17]:

Na realidade os ordenamentos jurídicos são compostos por uma infinidade de normas, que, como a estrelas no céu, jamais alguém consegue contar.

Partindo-se da premissa, de que nenhum ordenamento jurídico é completo, pois a idéia de completude “é puramente acadêmica”, e o ordenamento laboral não é uma exceção, não se pode admitir a pretensão limitadora contida no art. 223-B da CLT, de impedir ao julgador lançar mão das normas do Direito Civil quanto à legitimidade dos sucessores do trabalhador falecido para postular eventual reparação dessa espécie dano, colmatando eventuais lacunas da lei, pois como nenhuma norma é gota, ao contrário, encontra-se inserida no ordenamento jurídico composto de múltiplas leis que interagem e de princípios que informam os institutos jurídicos que devem ser aplicados levando-se em consideração a permanente mutação dos fatos da vida real e os valores da sociedade no tempo e no espaço. Por conseguinte, o juiz jamais poderá ignorar essa realidade. Afinal, não de pode negar que é a partir da norma jurídica que o julgador profere a decisão, e ao assim fazê-lo, leva em consideração não apenas o expresso no texto normativo, mas também os elementos da realidade e termina criando o direito para o caso concreto, pois como lembra Mauro Cappelletti[18], fundado em Alessandro Pakelis, “o processo de criação do direito (…) se completa efetivamente pelos tribunais, e não já segundo a falsa fábula de que daria lugar, ao invés de um efetivo estado de direito, a um governo mascarado e irresponsável”.

Ao decidir casos envolvendo pessoas reais, fato concretos, enfim, problemas atuais da vida não pode o julgador ignorar a realidade que muitas vezes as normas do direito posto, não conseguem disciplinar. Até porque o Direito nem sempre consegue acompanhar as mutações da sociedade especialmente num mundo globalizado em que a as mudanças são sempre permanentes.

Em síntese, quem interpreta o texto normativo cria a norma jurídica, que se concretiza naquela da decisão para o caso concreto[19]. Até porque no Estado Democrático de Direito, o sistema jurídico deve ser interpretado e entendido partir de um ponto de vista axiológico, à medida que os princípios, que como lembra Robert Alexy[20], também são normas que devem ser vistos como valores que informam o próprio ordenamento jurídico que deve ser analisado como um todo, de forma integral, sob pena de se reduzir a ordem jurídica a um mero aglomerado de regras procedimentais que podem se mostrar em muitos casos incompatíveis com a complexidade e a realidade da vida em sociedade especialmente em tempo de rápidas mudanças.

Por essa razão, lembra Ronald Dworkin[21] que o principio de integridade do ordenamento jurídico orienta os juízes a identificar direitos e deveres legais, até onde isso for possível, a partir do pressuposto de que foram todos criados por um único autor que ele denomina de “comunidade pernsonificada”. expressando uma concepção coerente de justiça e de equidade. Por essa razão, afirma que o ordenamento jurídico deve ser visto e interpretado como um todo. Portanto, o direito como integridade recomenda que os juízes admitam, na medida do possível, que o Direito é estruturado por um conjunto coerente de princípios sobre a justiça, a equidade e o devido processo legal que devem ser aplicados nos casos que lhes são apresentados – especialmente nos chamados casos difíceis - ridhi case - de tal modo que a situação de cada pessoa seja justa e equitativa segundo as mesmas normas.

Esse estilo de interpretação, de deliberação ou decisão judicial, respeita a ambição que a integridade assume: a de ser uma comunidade de princípios[22].

Deve, pois, o intérprete/julgador, em cada caso concreto, especialmente nos ridhi case, procurar no ordenamento ponderando os bens ou valores em conflito ou colisão, como um todo, a solução que naquela hipótese concreta se mostre adequada para resolver o conflito não podendo ficar limitado ao que expresso ou omitido pela lei procurando no sistema jurídico a adequada solução, e não como equivocadamente pretenderam os autores da Lei 13.467/2017 ao estabelecer a limitação constante do art. 223-B da CLT por ela acrescido.

Quanto à responsabilidade, todos aqueles que tenham colaborado para a ofensa ao bem juridicamente tutelado, respondem pela indenização na proporção da ação ou da omissão (art. 223-E), o que coloca fim a celeuma a respeito da responsabilidade dos tomadores de serviços, inclusive o dono da obra no caso de contratação do trabalhador em regime de empreitada[23], pois a norma fala em “danos decorrentes da relação de trabalho”, e não apenas de emprego, aliás, em harmonia com o previsto no art. 114, inciso VI da Carta de 1988, na redação dada pela Emenda Constitucional 45/2004.

Como lembra a boa doutrina[24] “a expressão relação de trabalho foi utilizada pelo legislador em sua acepção genérica de tal sorte que compreende a relação de emprego, como espécie”. Nem poderia ser diferente, à medida que o Direito do Trabalho contém um triplo centro de imputação, referência normativa ou objeto de regulação: a) a relação individual de trabalho – contrato de trabalho – que se estabelece pela troca de trabalho por um determinado salário, entre um trabalhador subordinado e um empresário ou empregador; b) as relações coletivas – conflito e negociação – que se formalizam entre os órgãos de representação profissional e econômica – os sindicatos – que constituem objeto do Direito Coletivo do Trabalho; c) relações individuais e coletivas, em termos de emprego, proteção e segurança sociais, administração e inspeção de trabalho ou jurisdição laboral – que são objeto do Direito Público do Trabalho, administrativo ou processual[25].  A relação jurídica que se estabelece entre a pessoa física que aliena a força de trabalho, de forma subordinada ou dependente, em troca de uma determinada paga ou salário por parte daquele que se apropria dos frutos ou resultados desse labor, é a relação mais importante e o centro ou núcleo de todas as relações de trabalho. A relação individual de trabalho corresponde, assim, ao núcleo central do Direito do Trabalho. Estão em causa regras e princípios que dizem respeito a um negócio jurídico entre empregador e trabalhador: o contrato de trabalho[26].

Nessa linha de pensar, a norma contida no art. 223-A da CLT alberga não apenas os danos originários da relação de trabalho subordinado, mas também aqueles decorrentes do trabalho humano não dependente ou autônomo. A assim não se entender não teria sentido o uso do termo “relação de trabalho” e se o fez o legislador, o foi intencionalmente. Portanto, o dano extrapatrimonial previsto pela Lei 13.467/2017 é aquele decorrente da violação à dignidade do trabalhador na relação de trabalho (gênero) e não apenas o originário da relação de emprego (espécie). 

Necessário registrar, ainda, que a responsabilidade solidária pela indenização de todos aqueles que participaram ou colaboram para o ato ofensivo não constitui nenhuma novidade, à medida que expressamente prevista no art. 942 do Código Civil.

Desse modo, na análise da indenização do dano extrapatrimonial decorrente da relação de trabalho o juiz não pode se limitar a aplicar de forma literal ou autômata, as normas contidas nos arts. 223-A à 223-G da CLT, devendo, ao contrário, se valer de outras normas e princípios constantes do ordenamento jurídico, especialmente aqueles contidas no Texto Maior e do Direito Civil adotando assim, a Teoria do Diálogo das Fontes.

De acordo com essa Teoria desenvolvida pelo alemão Erik Jayme, em 1995, trazida ao Brasil por Cláudia Lima Marques, se defende à aplicação simultânea e coerente das normas existentes no ordenamento jurídico como um todo, por meio da técnica da ponderação dos bens ou valores em jogo - da proporcionalidade - de modo que se possa alcançar, à luz dos princípios e valores constitucionais, uma interpretação que no caso concreto seja a mais justa e eficiente, partindo-se premissa de que normas não se excluem pelo fato integrarem a diferentes ordenamentos; antes, se complementam, especialmente quando são dotadas de campos de aplicação convergentes.

A principal justificativa para a adoção dessa teoria reside na sua funcionalidade, posto que, ante a complexidade do ordenamento jurídico, o diálogo das fontes destina-se a harmonizá-la e coordená-las.

Deve, pois, o interprete e aplicador das normas atentar para o fato de que o ordenamento jurídico é uma totalidade[27], e a Teoria do Diálogo das Fontes permite a conjugação de normas infraconstitucionais visando a aplicação no caso concreto com a prevalência de uma sem que a outra seja anulada, adotando o princípio da concordância prática[28], num processo de ponderarão dos valores em pugna, mas sempre com os olhos postos nos princípios e valores consagrados pela Constituição[29], e no campo do Direito do Trabalho, o principio da proteção ao hipossuficiente, fundamento e razão de ser desse ramo da Ciência Jurídica.

Assuntos relacionados
Sobre os autores
Francisco das Chagas Lima Filho

juiz do Trabalho em Dourados (MS), professor de Direito da UNIGRAN, mestrando em Direito pela UnB

Paulo Henrique Costa Lima

Bacharel em Direito pela Universidade Unigran- Dourados - MS e Advogado Trabalhista em Brasília – DF.

Heitor Oliveira Barbosa

Acadêmico de Direito na UCDB – Campo Grande – MS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA FILHO, Francisco Chagas ; LIMA, Paulo Henrique Costa et al. O equívoco da tarifação da indenização por danos extrapatrimoniais pela Lei nº 13.467/2017. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5300, 4 jan. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63186. Acesso em: 22 dez. 2024.

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