O Ministério Público, alçado à categoria de instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado (artigo 127 da Constituição), é o defensor da ordem jurídica, dos interesses democráticos e dos direitos individuais indisponíveis. Na condição de guardião dos interesses da sociedade, não pode exercer consultoria jurídica, figurando na condição de parte imparcial (artigo 129 da CF/88).
Embora não configure um quarto poder, seus membros possuem independência funcional, não se submetendo às opiniões da chefia institucional no que se refere à atividade-fim, estando vinculados apenas aos atos normativos reguladores da atividade-meio, incluindo as normatizações dos Conselhos Superiores e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
Nesse sentido, devem fundamentar suas manifestações de acordo com as Leis e os dispositivos constitucionais, zelando pela regularidade do ordenamento jurídico, sendo os atos relativos à atividade-fim insuscetíveis de revisão ou desconstituição pelo Conselho Nacional do Ministério Público, a teor do disposto no enunciado 06/2009 do CNMP.
No processo penal, embora exerça a função de titular da ação penal pública, o Parquet pode postular a absolvição do acusado, quando as provas existentes nos autos convergirem para a inocência do réu, atendendo, assim, aos interesses legítimos da sociedade relativamente ao devido processo legal substancial, isto é, processualmente e substancialmente justo, figurando na condição de parte imparcial.
É o que preleciona CALABRICH:
“(...) a imparcialidade (ou isenção) é um atributo muito mais evidente no Ministério Público. São muito comuns os casos de absolvição pedidos pelo próprio MP (no caso mensalão, três acusados foram absolvidos a seu pedido) e mais comuns ainda os casos de arquivamento da investigação — sempre pelo MP — por insuficiência de provas, mesmo contrariando as conclusões da polícia. Nos manuais de processo penal, costuma-se ensinar que o MP é uma “parte imparcial", precisamente por não estar vinculado à obrigação de pedir a condenação custe o que custar. A figura do promotor como "acusador implacável" está superada há muito tempo. O que move o Ministério Público é a promoção da Justiça, seja para absolver, seja para condenar (...)”.
Não é outro o entendimento de FISCHER E PACELLI, in verbis:
“(...) De tudo que foi dito, pode-se acrescentar o que não restou expresso na Constituição da República, mas que se deve compreender implicitamente: os presentantes do Ministério Público devem orientar a sua atuação pela imparcialidade, isto é, pelo distanciamento pessoal em relação ao conteúdo do processo, e, sobretudo, em relação ao seu resultado final. Como órgão encarregado pela correta aplicação da lei, deve o Ministério Público pugnar, sempre, pela solução que melhor se ajuste ao Direito. Por isso, deve requerer a absolvição do réu, deve recorrer em favor dele, e enfim, adotar o posicionamento jurídico que lhe corresponda à ideia do melhor direito. É ele, portanto, órgão encarregado da acusação e não órgão da acusação. E a manifestação divergente (absolvição do réu) em relação à posição inicial do Ministério Público na ação (oferecimento de denúncia, por exemplo) nem sempre se justificará pelo princípio da independência funcional. É que, como o contraditório e ampla defesa somente se instauram após as investigações, ou seja, após o juízo positivo de acusação, pode ocorrer que o referido órgão (subscritor da denúncia) modifique seu entendimento a partir da prova produzida na instrução.”.
No âmbito cível, incluindo os inquéritos civis e ações civis públicas, poderá propor medidas jurídicas “desfavoráveis” aos interesses de menores e indígenas, nas hipóteses em que os interesses destes estiverem de encontro ao interesse público e dos princípios constitucionais (explícitos e implícitos).
Nesse sentido, poderá propor recomendações visando à garantia da ordem jurídica e do primado da legalidade, ainda que tais medidas sejam contrárias a indígenas ou menores, desde que os interesses destes estejam de encontro à legalidade.
A título de exemplificação, vislumbre-se uma hipótese de fechamento de estrada federal(BR), por manifestação de índios ou movimento social, impedindo o direito de ir e vir das pessoas que transitam pela via, causando prejuízo a empresas e à vida de inúmeros cidadãos.
In casu, o MP, velando pela ordem jurídica, poderá emitir pronunciamento contrário ao direito de manifestação, quando exercido de forma não pacífica e contrária aos direitos fundamentais de outros cidadãos, fundamentando-se, inclusive, na técnica de ponderação de interesses.
Nesse ponto, é preciso deixar bem claro que o Parquet pode se manifestar contrariamente à ação intentada pelo menor, porquanto tem a incumbência de velar pelo interesse público, e não por interesse de uma parte específica (ainda que menor, indígena ou integrantes de movimentos sociais, por exemplo).
Dessa forma, percebe-se que o MP não é advogado da parte, e sim defensor do ordenamento jurídico; logo, deve estar atento às medidas necessárias à garantia do Estado Democrático de Direito, e dos princípios constitucionais, lastreando suas fundamentações, com base no princípio da independência funcional.
Por outro lado, quando o interesse do indígena, menor ou comunidade tradicional estiver em consonância com os princípios constitucionais (legalidade, razoabilidade, publicidade, eficiência, entre outros), deverá utilizar todos os instrumentos jurídicos para tutelar o interesse das partes acima referidas, nos termos do art.5º da Lei n.º 75/93.
É o caso, por exemplo, de intervenção em processo envolvendo discussão acerca do reconhecimento de uma comunidade quilombola, onde caberá ao MP decidir se é o caso de interesse jurídico do Parquet, não podendo o magistrado negar o direito de intervenção Ministerial, salvo hipóteses expressamente dissonantes das intervenções legais a cargo do Membro Ministerial.
Caso contrário, ou seja, na hipótese de entendimento do magistrado acerca da necessidade de intervenção do MP (e este divergindo), caberá a respectiva remessa, por analogia ao art. 28 do CPP, ao PGJ (Procurador Geral de Justiça) ou à 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF (Ministério Público Federal), nas hipóteses respectivamente de atuação do Ministério Público Estadual e Federal.
No campo da educação (artigo 205 da CF/88), deverá o Parquet zelar pela melhoria da qualidade do ensino e das condições estruturais ofertadas aos estudantes pelo Estado, realizando audiências públicas, recomendações e outras medidas necessárias ao aperfeiçoamento do direito à educação.
Nesse sentido, vale registrar a existência de um programa do MPF voltado à melhoria da qualidade do ensino infantil (MPEDCU), cujo formato previu a participação conjunta do Ministério Público Estadual, de forma a congregar a união do Ministério Público brasileiro, em prol do aperfeiçoamento do ensino básico nas escolas públicas Municipais e Estaduais (disponível em http://mpeduc.mp.br/mpeduc/www2/index).
Em relação às ações de desapropriação de imóvel rural para fins de reforma agrária, a lei prevê expressamente a necessidade de intervenção do Parquet (art. 18 da LC 76/93), tendo sido sufragado pelo Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA. DESAPROPRIAÇÃO. REFORMA AGRÁRIA. NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. ART. 18, § 2º, DA LC 76/93. NULIDADE. PRECEDENTES. 1. O Superior Tribunal de Justiça entende que a intervenção do Ministério Público nas Ações de Desapropriação de Imóvel Rural para fins de Reforma Agrária é obrigatória, indisponível e inderrogável, porquanto presente o interesse público. Assim, a falta de intimação do MP para atuar no feito como fiscal da lei é vício que contamina todos os atos decisórios a partir do momento processual em que deveria se manifestar. Precedentes: REsp 932.731/BA, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 31.8.2009; REsp 1.061.852/PR, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 28.9.2009; e REsp 1.249.358/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 28.6.2013. 3. Recurso Especial provido (STJ, 2ª Turma,Resp 1681249/SP, Rel. Herman Beijamin, DJe 13/09/2017)
Por fim, não cabe a intervenção do Ministério Público nas hipóteses de interesse público secundário, como, por exemplo, nas ações que visam o mero ressarcimento ao erário, nos termos da súmula 189 do STJ ("É desnecessária a intervenção do Ministério Público nas execuções fiscais.").
Com efeito, o que move a intervenção do Parquet é o interesse público primário (da sociedade), que não se confunde com o interesse meramente estatal (mera arrecadação aos cofres públicos), tendo o NCPC (artigos 178 e 179) previsto a atuação do MP na condição de fiscal da ordem jurídica, nos processos envolvendo interesse público ou social, de incapaz, ou litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana.
Portando, na condição de guardião do ordenamento jurídico e do interesse público (primário) e social, o MP deverá atuar com plena independência no que se refere à atividade finalística, sem ingerência política ou de qualquer órgão, a teor do princípio constitucional da independência funcional.
REFERÊNCIAS:
CALABRICH, Bruno Freire de Carvalho. A falácia da “polícia imparcial”. Disponível em http://www.prgo.mpf.mp.br/fato_tipico/pagina_edicoes011-artigo-bruno.html. Acesso em 09 de jan/2018.
CAVALCANTI, Stela Valéria, et all. Temas Atuais do Ministério Público. Salvador: Juspodivm, 2012.
FISCHER, Douglas; PACELLI, Eugênio. Comentários do Código de Processo Penal e sua Jurisprudência. São Paulo: atlas, 2016.
FONSECA, Vitor et al. Ministério Público. Salvador: Juspodivm, 2017.
MPEDUC. Disponível em http://mpeduc.mp.br/mpeduc/www2/index.
SILVA, Tiago de Melo Pontes e. O Ministério Público como função essencial à democracia no Brasil. Disponível em http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,o-ministerio-publico-como-funcao-essencial-a-democracia-no-brasil,31345.html. Acesso em 04 de jan. 2018.