Lembre-se a lição de Paulo Brossard (O impeachment, 1965) quando explicou que “o fim do processo de responsabilidade é afastar do governo, ou do tribunal, um elemento mau; não se instaura contra governo renunciante, porém atinge o reconduzido”.
Nessa lógica de argumento, tem-se que não há poder do presidente sem a respectiva responsabilidade.
Realmente, como afirmou Gustavo Badaró (Poder e responsabilidade), “sendo possível a reeleição, com o pleito ocorrendo três meses antes do término do mandato, a impossibilidade do impeachment por ato do primeiro mandato significaria, na prática, que haveria um “bill de indenidade” para os atos nos momentos derradeiros, mas decisivos, do mandato, pois não haveria tempo para um processo de impedimento”.
Soa fora do razoável, em absoluto delírio, que “se perdesse a reeleição, com o término do mandato, deixaria o cargo e perderia sentido o impeachment. Se fosse reeleito, o ato maléfico praticado no mandato anterior não seria passível de responsabilização.”
Realmente, isso significaria um poder sem responsabilidade, o que agride o estado de direito. Longe está o tempo quando se dizia: “The king can do not wrong”.
Esses argumentos me fizeram refletir melhor com relação a tese de que não haveria aplicação do principio da continuidade para o caso. Ora, a continuidade é principio da administração, um dos seus vetores e deve ser aplicado ao caso. Novo governo com reeleição é continuidade do anterior e, como tal, permite a responsabilidade com relação aos atos no mandato anterior.
Governo irresponsável não é governo democrático e o impeachment é um instituto democrático, próprio do presidencialismo. Não é golpe, como anunciam alguns.
A matéria deverá ser objeto, no futuro, de emenda constitucional.
Noticia-se que o senador Antônio Anastasia concluiu, no final do ano de 2017, relatório de PEC para permitir que o presidente da República possa ser julgado por crimes de responsabilidade cometidos no primeiro mandato.
A Constituição determina hoje que o presidente não pode ser processado por atos cometidos fora do exercício de suas funções. Michel Temer, por exemplo, só pode ser denunciado por Rodrigo Janot porque a conversa com Joesley Batista tinha implicações nas suas atribuições como presidente.
A proposta, assinada por 28 senadores, pretende deixar claro que, em caso de reeleição, o segundo mandato é uma extensão do primeiro, ficando o chefe do Executivo sujeito à responsabilização criminal. Existe hoje uma corrente jurídica que defende que, nesses casos, os crimes cometidos durante os primeiros quatro anos ficariam fora do alcance de denúncia porque a Constituição não explicita essa hipótese.
A proposta já está pronta para ser avaliada pela CCJ do Senado Federal.
Aprovada, isto deverá valer para prefeitos reeleitos e governadores reeleitos.