3. DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO SISTEMA PENAL BRASILEIRO
Neste capítulo vamos discorrer sobre os princípios constitucionais que são aplicados ao processo penal e que devem ser respeitados na aplicação do acordo de colaboração.
3.1 Do princípio do devido processo legal
O princípio do devido processo legal é a base principal do Direito Processual Brasileiro, pois todos os outros encontram o seu fundamento nele. Este princípio está previsto no art. 5º, LIV da CF/88: “
A obediência ao rito previsto em lei, bem como ás demais regras estabelecidas para o processo é que se chama de devido processo legal em sentido formal.
Entretanto, existe outra vertente deste princípio, denominada de devido processo legal em sentido material, em que se considera respeitado o princípio somente quando o Estado age de maneira razoável, proporcional e adequada no atendimento dos interesses da sociedade e do acusado.
O regramento da colaboração premiada, em consonância com o princípio do devido processo legal, possui regras que asseguram que o colaborador seja ouvido pelo Ministério Público ou pelo delegado de polícia responsável pelas investigações, mesmo depois de homologado o acordo, acompanhado de seu defensor.
3.2 Do princípio do contraditório e da ampla defesa
O princípio do Devido Processo Legal tem como corolários os princípios do contraditório e da ampla defesa, previstos no art. 5º, LV da CF/88: “
O princípio do Contraditório estabelece que os litigantes em geral e, no nosso caso, os acusados, tem assegurado o direito de contradizer os argumentos trazidos pela parte contrária e as provas por ela produzidas.
Já o postulado da ampla defesa prevê que não basta dar ao acusado ciência das manifestações da acusação e facultar-lhe se manifestar, caso não lhe forem dados instrumentos para tanto.
Além da defesa técnica, realizada por profissional habilitado (advogado particular ou Defensor Público), há também a autodefesa, que é realizada pelo próprio réu, especialmente quando do seu interrogatório, oportunidade na qual pode, ele mesmo, defender-se pessoalmente, sem a intermediação de procurador. Assim, se o Juiz se recusar a interrogar o réu, por exemplo, estará violando o princípio da ampla defesa, por estar impedindo o réu de exercer sua autodefesa.
Ao contrário da defesa técnica, que não pode faltar no processo criminal, sob pena de nulidade absoluta, o réu pode recusar-se a exercer a autodefesa, ficando em silêncio, por exemplo, pois o direito ao silêncio é um direito expressamente previsto ao réu.
3.3 Do princípio da obrigatoriedade de fundamentação das decisões judiciais
O princípio da obrigatoriedade de fundamentação das decisões judiciais, previsto no art. 93, IX da CF/88, consiste no dever de o juiz fundamentar a decisão que indeferiu uma prova requerida ou a sentença que condenou ou absolveu o acusado, por exemplo. Vejamos:
IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.
Esse princípio tem estrita relação com o princípio da ampla defesa, pois sem a fundamentação do juiz, o réu não tem elementos para se defender.
O respeito ao princípio da obrigatoriedade de fundamentação é de extrema importância, tendo em vista que nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações do colaborador beneficiado em determinado acordo, nos moldes do art. 4º, 16 da Lei 12.850/13. Nestes termos, temos o entendimento do Ministro Marco Aurélio, Relator do HC 75.226:
PROVA – DELAÇÃO – VALIDADE. Mostra-se fundamentado o provimento judicial quando há referência a depoimentos que respaldam delação de corréus. Se, de um lado, a delação, de forma isolada, não respalda condenação, de outro, serve ao convencimento quando consentânea com as demais provas coligidas. [17]
3.4 Do princípio da publicidade
O princípio da publicidade estabelece que os atos processuais e as decisões judiciais serão públicas, ou seja, de acesso livre a qualquer do povo. Essa é a regra também prevista no art. 93, IX da CRFB/88.
Entretanto, essa publicidade não é absoluta, podendo ser limitada quando a intimidade das partes ou o interesse público exigir, sendo chamada de publicidade restrita.
Nesse sentido, a Lei 12.850/13 dispõe em seu art. 7º, § 3º que o acordo de colaboração premiada será sigiloso até o oferecimento da denúncia. Ou seja, somente o Ministério Público, o Juiz e o Delegado de Polícia terão acesso aos autos de homologação do acordo de colaboração premiada. O defensor do acusado terá acesso somente aos elementos necessários à defesa do seu cliente e este terá acesso aos autos apenas após o oferecimento da denúncia. Esse é o chamado sigilo endoprocessual, no qual o sigilo abrange as partes do processo, em especial aquelas que são atingidas pela colaboração.
Por outro lado, temos o sigilo extraprocessual (publicidade externa), que consiste na possibilidade dos cidadãos acompanharem os atos do processo. Esse sigilo é imposto no procedimento da colaboração premiada, tendo em vista a garantia que o acusado tem, segundo a Lei 12.850/13, de ter seu nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados, assim como não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito, preservando, assim, a imagem e a intimidade do colaborador. [18]
Ademais, restringe-se a publicidade dos atos da colaboração para assegurar a sua efetividade e alcance dos objetivos previstos em lei, como por exemplo, a recuperação total ou parcial do produto do crime ou a localização de eventual vítima da infração penal com sua integridade física preservada. Se fossem públicos os atos dos trâmites da colaboração premiada, provavelmente não teríamos bons resultados tanto nas investigações como no combate aos efeitos da infração penal.
Para manter o sigilo da colaboração, a Lei supramencionada prevê algumas cautelas que as autoridades devem observar, vide art. 7º da Lei que dispõe: “O pedido de homologação do acordo será sigilosamente distribuído, contendo apenas informações que não possam identificar o colaborador e o seu objeto”.
3.5 Do princípio do juiz natural
O princípio do juiz natural é trazido pela Constituição em seu art. 5º, LIII, que estabelece que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente.
Trata-se do direito que toda pessoa tem de ser julgado por um órgão do Poder Judiciário brasileiro, investido de jurisdição, cuja competência fora previamente definida. Assim, é vedada a instituição de Tribunal de Exceção, que são aqueles criados especificamente para o julgamento de uma causa. [19]
Com efeito, a doutrina traz o princípio do Promotor natural, que é o direito da pessoa ser acusada pelo órgão competente, sendo vedada a designação de um Procurador Geral de Justiça ou Promotor para atuar em determinado caso.[20]
Entretanto, a instituição de varas especializadas ou definição de atribuições especializadas (Vara da Família ou Promotor para crimes contra a ordem financeira) não violam estes princípios, tendo em vista que se está atribuindo uma competência especializada em abstrato, que será aplicada a todos os casos semelhantes.
3.6 Do princípio da vedação de provas ilícitas
No sistema processual brasileiro vige o princípio da vedação de provas ilícitas, em que o direito probatório é limitado pelos direitos fundamentais constitucionais.
O juiz não está obrigado a decidir fundamentado em uma prova determinada, confissão, por exemplo, ele tem o seu livre convencimento que deve ser fundamentado em uma das provas do processo.
O regramento da colaboração premiada, contudo, pressupõe que nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador, conforme art. 4º, § 16 da Lei 12.850/2013, sendo certo que o ato homologatório do acordo de colaboração premiada não significa que o juiz considerou verídicas e idôneas as informações prestadas pelo acusado.[21]
3.7 Do princípio da vedação à autoincriminação
O princípio da vedação à autoincriminação, também conhecido como nemo tenetur se detegere, consiste na proibição do Estado impor obrigações ao réu que possam resultar na produção de provas do acusado contra si. Refere-se à conjunção dos princípios do direito ao silêncio, direito à ampla defesa e presunção de inocência do réu.
O presente princípio encontra-se mitigado na colaboração premiada, uma vez que o acusado abdica do seu direito de silêncio, confessando a autoria do crime e contribuindo com as investigações ao delatar os demais coautores ou partícipes e revelar o modus operandi da organização criminosa.
3.8 Do princípio da inércia
O princípio da inércia diz que o Juiz não pode dar início ao processo penal, pois isto violaria sua imparcialidade, já que, ao dar início ao processo, o Juiz se mostra predisposto a condenar o réu. Um dos dispositivos constitucionais que dá base a esse entendimento é o art. 129, I da Constituição Federal: “são funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei”.
Assim, não é função do Juiz propor a ação penal pública, e sim do Ministério Público. Já na ação penal privada, a iniciativa de propositura da ação penal é do ofendido, uma vez que o interesse do ofendido em processar ou não o infrator se sobrepõe ao interesse do Estado na persecução penal.
Este princípio consubstancia-se no sistema acusatório, no qual existe uma figura que acusa e outra que julga, diferentemente do sistema inquisitivo.
Em conformidade com o princípio da inércia, a lei 12.850/13 prevê, em seu art. 4º, §§ 6º e 7º, que o juiz não participará das negociações para a celebração do acordo de colaboração, sendo responsável apenas por sua homologação, quando verificadas a regularidade, a legalidade e a voluntariedade do acordo. Vejamos:
§ 6o O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor.
§ 7o Realizado o acordo na forma do § 6o, o respectivo termo, acompanhado das declarações do colaborador e de cópia da investigação, será remetido ao juiz para homologação, o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na presença de seu defensor.