Resumo: O presente artigo tem por objetivo pensar e interpretar o direito de preferência do Arrendatário no caso de o Arrendador querer vender o imóvel rural arrendado durante a vigência do contrato, de acordo com o Estatuto da Terra e o seu Regulamento, dando-se ênfase à previsão legal dessa preferência no Estatuto da Terra, seus requisitos e sua natureza de direito real, cujo exercício independe do registro do contrato de arrendamento no cartório imobiliário. Aborda-se, também, que a preempção se aplica no caso de compra e venda (extrajudiciais e voluntárias) a terceiros, em iguais condições de compra, com prazo de trinta dias para o arrendatário, a partir da notificação do proprietário-arrendador, exercer seu direito de preferência. Debate-se, ainda, a possibilidade de desistência da venda, pelo proprietário, após a notificação do arrendatário, ressalvado o direito deste último à indenização, em caso de assunção de compromissos para obtenção do crédito. Discute-se, ademais, sobre o exercício da preferência quando forem vários os arrendatários, e, em caso de arrendamento parcial do imóvel, quando haja pretensão de venda da área total pelo proprietário. Aponta-se a preferência do condômino arrendador sobre o arrendatário e defende-se o direito de preferência do subarrendatário em caso de subarrendamento legal, além do exercício do direito de preempção somente no caso de o arrendatário ter grau de parentesco igual ao do terceiro adquirente. Registra-se que o direito de preferência não é aplicável à empresa rural de grande porte (arrendatária rural), bem como que a ação real de preempção é o meio adequado para que o arrendatário possa exigir o seu direito de preferência. O valor a ser depositado para pagamento da compra do imóvel, quando já escriturado, será sempre o valor consignado na escritura. Por fim, nada obstante a previsão legal, registra-se a possibilidade de confecção do pacto de preferência, adjeto ao contrato de arrendamento rural, e que a preferência é um direito do arrendatário, mas, antes de tudo, uma proteção concedida pelo Estatuto da Terra e por seu regulamento, proporcionando instrumentos legais que visam à função social da propriedade.
Sumário: 1. Introdução. 2. O direito de preferência no contrato agrário de arrendamento rural é legal ou convencional? 3. Qual a natureza jurídica da preferência, de direito pessoal, de eficácia erga omnes, ou de direito real? 4. Há necessidade de averbação do contrato de arrendamento junto ao registro imobiliário para que o arrendatário possa exercer seu direito de preferência? 5. O § 3º do artigo 92 do Estatuto aplica-se a qualquer tipo de alienação? 6. Tem o arrendatário algum privilégio em relação ao terceiro pretenso comprador do imóvel arrendado? 7. Como se faz a comunicação ao arrendatário da venda? 8. Qual o prazo que o arrendatário tem para se manifestar sobre seu direito de compra do imóvel arrendado? 9. Pode o proprietário, após a notificação do arrendatário, desistir da venda? 10. E quando houver vários arrendatários de quem é a preferência de compra do imóvel arrendado? 11. Como fica a preferência do arrendatário, no caso em que o arrendamento seja de apenas parte do imóvel rural e o proprietário pretenda vender a totalidade da área? 12. E quando há vários condôminos arrendadores, de quem é a preferência no caso de venda do imóvel, do condômino arrendador ou do arrendatário? 13. E quando o imóvel arrendado está subarrendado, de quem é a preferência, do arrendatário/subarrendador ou do subarrendatário? 14. O que acontece quando arrendatário é ascendente ou descendente (herdeiro necessário) do arrendador? 15. E quando o arrendatário é empresa rural de grande porte, tem direito de preferência, igual ao arrendatário individual? 16. Quais os requisitos para se exercer o direito de preferência? 17. Qual é a ação para o arrendatário possa exigir o seu direito de preempção? 18. Qual o valor a ser depositado pelo arrendatário na ação de adjudicação? 19. Pacto de preferência 20. Conclusão. 21. Referências.
Palavras-chave: Direito de preferência ou preempção – direito do arrendatário – obrigação do arrendador – venda do imóvel arrendado – previsão legal no Estatuto da Terra.
1. INTRODUÇÃO
A preferência é um direito do arrendatário, mas é, antes de tudo, uma proteção dada pelo Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64) e por seu Regulamento (Decreto nº 59.566/66), proporcionando instrumentos legais que visam à função social da propriedade.
Portanto, essa preferência é legal e também encontra amparo no Código Civil Brasileiro, em seus arts. 504 e 1.322. Mas, também, a preempção convencional (CC, art. 513 a 520) também pode ser estipulada pelas partes no contrato de arrendamento rural, como cláusula adjeta ao contrato.
A Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/91), neste caso, aplica-se subsidiariamente ao arrendamento rural, mas naquela parte em que não for divergente da legislação agrária, que é especial. A Lei de Locações urbanas dispõe sobre o direito de preferência do locatário, para aquisição do imóvel locado, no caso de venda. Neste caso, deverá o locador notificar o locatário de sua intenção, em que compete ao locatário manifestar sua aceitação no prazo de trinta dias, nos termos dos arts. 27 a 34 da referida lei.
A Lei de Registro Público, por sua vez, quanto à Lei do Inquilinato, exige que o contrato de locação esteja registrado no Registro de Imóveis competente, nos termos do art. 167, I, n. 3, e III, n. 16 (Lei nº 6.015, de 31.12.1973).
A legislação agrária impõe ao arrendador a obrigação de, quando quiser alienar seu imóvel rural, no todo ou em parte, oferecê-lo primeiramente ao arrendatário, que é o ocupante e quem já está explorando o imóvel. Decorrência disso, o maior interessado em adquiri-lo.
O arrendatário tem o direito de preferência no caso de venda do imóvel arrendado, de acordo com o previsto nos §§ 3º e 4º do art. 92 do Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64) e no art. 45 do Regulamento (Decreto nº 59.566/66). Esse direito é de norma imperativa, impositiva e irrenunciável, em favor do arrendatário, para adquirir, em igualdade de condições com terceiros, o imóvel arrendado.
Esse direito também é chamado de direito de preempção ou de prelação na alienação do imóvel. Constitui mais um dispositivo protetivo agrário.
Preempção, na definição de De Plácido e Silva[1], assemelha-se à preferência na compra de certa coisa, conforme cláusula anteriormente disposta ou em virtude de determinação legal, como é o caso do Estatuto da Terra.
2.O DIREITO DE PREFERÊNCIA NO CONTRATO AGRÁRIO DE ARRENDAMENTO RURAL É LEGAL OU CONVENCIONAL?
Uma das características primordiais do contrato de arrendamento rural é a sua informalidade, assim, pode ser estabelecido de forma expressa ou tácita (art. 92 do Estatuto da Terra), e, ainda, de forma escrita ou verbal (art. 11 do Decreto 59.666/66), que terá o mesmo valor ou eficácia.
Essa informalidade, contudo, não retira a força legal das cláusulas obrigatórias estabelecidas em lei, pois o art. 13 do Decreto 59.566/66 e o § 8º do art. 92 do Estatuto da Terra conferem presunção juris et de jure (de direito e por direito, como expressão da verdade) para esses contratos, ainda que não escritas as cláusulas.
Da mesma forma, ainda que o contrato de arrendamento seja verbal, ou mesmo escrito, caso não haja convenção expressa a respeito da preferência no contrato de arrendamento, a exegese do contrato deve se pautar nos princípios que norteiam o Estatuto da Terra, os quais conferem maior proteção ao arrendatário, reconhecido como hipossuficiente na relação contratual.
Desse modo, tendo em vista a previsão do art. 92, § 4º, da Lei nº 4.504/1964 (Estatuto da Terra), o qual garante ao arrendatário o direito de preferência em caso de alienação do imóvel arrendado pelo proprietário – análogo ao que ocorre na Lei de Locações de imóveis urbanos –, e dado que tal norma é cogente e de caráter protetivo, deve-se assegurar o direito de preferência, ainda que o contrato de arrendamento seja verbal ou mesmo tácito.
Portanto, o direito de preferência pode decorrer tanto da Lei quanto do contrato, e faculta ao arrendatário adquirir o imóvel objeto de arrendamento em igualdade de condições com terceiros.
Por conseguinte, a preferência, antes de tudo, é legal, pois a estabelece o art. 92, § 3º, do Estatuto da Terra. Vejamo-lo:
Art. 92. (...)
(...)
§ 3º No caso de alienação do imóvel arrendado, o arrendatário terá preferência para adquiri-lo em igualdade de condições, devendo o proprietário dar-lhe conhecimento da venda, a fim de que possa exercitar o direito de preempção dentro de 30 dias, a contar da notificação judicial ou comprovadamente efetuada, mediante recibo.
3.QUAL A NATUREZA JURÍDICA DA PREFERÊNCIA, DE DIREITO PESSOAL, DE EFICÁCIA ERGA OMNES, OU DE DIREITO REAL?
Segundo Oswaldo Optiz e Silvia C.B. Optiz, comentando o assunto, diz que “a doutrina não se entende, sendo que alguns defendem a pessoalidade e outros a realidade desse direito conferido quer ao condômino ou arrendatário”. Mas para Oswaldo e Silvia Optiz, o direito de preferência é direito real, pois o não exercício da preferência não se resolveria em perdas e danos como na preferência convencional. Uma vez vendido o imóvel sem a devida notificação da venda ao arrendatário, dará a este o direito de propor ação para exigir a propriedade do terceiro adquirente, se o requerer no prazo legal.
Oswaldo Optiz e Silvia C.B. Optiz[2] interpretam o artigo 47, última parte, do Regulamento, entendendo que as perdas e danos estabelecidas pelo referido artigo são apenas pela não comunicação que deveria ser feita ao arrendatário e não pela venda em si, que poderia se desfazer ou não, dependendo da vontade do arrendatário.
Temos o mesmo entendimento de que o instituto da preempção legal é de direito real e, portanto, erga omnes, pois, se vendido o imóvel, sem prévia notificação, há possibilidade de o arrendatário propor a ação para invalidar o ato de transação do arrendador com o terceiro e consequente adjudicação do imóvel para si. Diferencia-se, no entanto, do direito obrigacional (contratual) de preferência, que se resolve em perdas e danos.
4.HÁ NECESSIDADE DE AVERBAÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO JUNTO AO REGISTRO IMOBILIÁRIO PARA QUE O ARRENDATÁRIO POSSA EXERCER SEU DIREITO DE PREFERÊNCIA?
Por se tratar de direito de preferência legal, seu exercício independe do registro do contrato de arrendamento no cartório imobiliário, ao contrário do que ocorre com a Lei do Inquilinato que apresenta tal obrigação no artigo 33, não havendo mesma disposição na legislação agrária.
Apesar de ser legal, nada impede que as partes do contrato (Arrendador e Arrendatário) prevejam uma cláusula de preempção ou preferência em caso de alienação do imóvel, desde que não modifique o direito previsto no Estatuto, cujas regras são obrigatórias e irrenunciáveis. Por exemplo, não pode haver cláusula de renúncia à preferência.
Não existe, no Estatuto ou no seu Regulamento, nenhuma determinação nesse sentido, como ocorre com a Lei de Inquilinato de imóvel urbano (art. 33). Essa disposição tem razão de ser, até porque o contrato de arrendamento geralmente é informal, cujo objetivo é manter aquele que explora a terra no imóvel. O Ministro Aldir Passarinho do STJ, bem como o Ministro Luis Felipe Salomão apadrinham o mesmo pensamento, ao assim decidirem:
CIVIL E PROCESSO CIVIL. ARRENDAMENTO RURAL. DIREITO DE PREFERÊNCIA. FALTA DE NOTIFICAÇÃO AOS ARRENDATÁRIOS. CONTRATO NÃO REGISTRADO. IRRELEVÂNCIA. LEI Nº 4.505/64, ART. 92, §§ 3º E 4º. I – Irrelevante ao exercício do direito de preferência à compra de imóvel a inexistência de registro, no cartório imobiliário, do contrato de arrendamento rural, porquanto tal exigência não está contida no Estatuto da Terra, Lei especial e posterior ao antigo Código Civil, a qual admite, inclusive, a avença sob a forma tácita. (STJ – REsp. 263.774/MG (2000/0060755-0) – Rel. Min. Aldir Passarinho Junior – j. em 15.8.2006). [Destaquei]
CIVIL. ARRENDAMENTO RURAL. DIREITO DE PREFERÊNCIA. FALTA DE NOTIFICAÇÃO AO ARRENDATÁRIO. CONTRATO NÃO REGISTRADO. IRRELEVÂNCIA. 1. A preferência outorgada pelo Estatuto da Terra ao arrendatário é uma garantia do uso econômico da terra explorada por ele. 2. “O direito do arrendatário à preferência, no Estatuto da Terra, é real, pois lhe cabe haver a coisa vendida (imóvel) se a devida notificação não foi feita, do poder de quem a detenha ou adquiriu”. 3. O art. 92, caput, da Lei nº 4.505/64 é claro em prever a possibilidade de contrato tácito, além da forma escrita, e o § 3º, ao fixar se deva dar preferência ao arrendatário, mediante notificação, absolutamente não distingue entre a forma Escrita e verbal, nem traz qualquer exigência quanto à necessidade de registro do contrato no cartório imobiliário. 4. Diante da especialidade das normas em comento não há como se constituir exegese sobre o direito de preferência a partir do código Civil – de caráter geral, pois a regência, no caso, se dá pelo Estatuto da terra, que instituiu em prol do arrendatário direito Real aderente ao imóvel. Recurso especial conhecido e provido. (STJ – 4ª T. – REsp. 164.442/MG – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – j. em 21.8.2008 – DJ 1º.9.2008) (RT, v. 878, p. 152). [Destaquei]
O Ministro Jorge Scartezzini, em seu voto de vista frisou que os contratos agrários poderão ser escritos ou verbais, e a dispensa de formalidade resulta da atenção conferida pelo legislador à prática comum no meio rural. In casu, as convenções, em regra, se dão de forma verbal, em decorrência do analfabetismo, comum no campo, especialmente no tocante à figura daquele considerado economicamente menos favorecido, que é o arrendatário, não detentor de terra. No mesmo sentido, confira-se o julgamento do Recurso Especial 904.810:
ARRENDAMENTO RURAL. PREEMPÇÃO. INEXISTÊNCIA DE REGISTRO DO CONTRATO. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. 1. É juridicamente possível o pedido de preempção formulado (Lei nº 4.505/64, art. 92, § 3º), exige-se apenas situação de fato – existência do arrendamento – independente de qualquer formalidade. (STJ – 3ª T. – REsp. 904.810/PR (2006/0133208-1) – Rel. Min. Humberto Gomes de Barros – j. em 15.2.2007)
Esse dispositivo correspondia ao art. 1.239 do CC/16. O interesse do arrendatário em adquirir o imóvel arrendado é evidente e, tendo ele condições de adquirir o imóvel certamente o faria. Portanto, deve o arrendador dar preferência no caso de sua intenção de vender o imóvel ao arrendatário, independentemente de qualquer registro no Cartório Imobiliário.
Segundo Gabriel Cardoso Galli[3], deve ser considerado que, as normas do direito da preempção devem ser interpretadas a partir das diretrizes axiológicas do Estatuto da Terra, o qual é direcionado pelo apelo social. Com o direito de preferência, busca-se garantir a permanência do arrendatário no exercício de sua atividade rural, possibilitando-lhe adquirir o imóvel sobre o qual exerce sua atividade, realizando-se, assim, a função social da propriedade rural. Neste sentido, negar o direito de preferência do arrendatário é contrariar o instituto da função social da propriedade rural e, portanto, contrariar o interesse social.