5.O § 3º DO ARTIGO 92 DO ESTATUTO APLICA-SE A QUALQUER TIPO DE ALIENAÇÃO?
De acordo com Tobias Marini de Salles Luz[4], “a alienação pode ser definida como a ação de transferir para outrem o domínio da coisa ou o gozo do direito que era seu. O radical da palavra vem do latim alius, que significa outrem. Alienar é, assim, “tornar-se de outrem a coisa que era nossa e que se lhe transferiu por título inter vivos, seja gratuito ou oneroso”.
Portanto, a princípio, o exercício do direito de preferência estaria ligado a todo ato de transição, gratuito ou oneroso, da propriedade do arrendador proprietário para terceiro estranho à relação contratual de arrendamento.
O Decreto nº 59.566/66, em seus arts. 45, 46 e 47, regulamenta a matéria, e foi mais feliz que o legislador do Estatuto da Terra, visto que o parágrafo terceiro do art. 92 discorre sobre alienação, e o instituto da alienação engloba a compra e venda, a permuta e a doação. Devemos interpretar o artigo somente no sentido de se dar preferência ao arrendatário, no caso apenas da compra e venda a terceiros.
Logicamente, quando ficar demonstrado que a doação ou a dação em pagamento se caracteriza como meio fraudulento para evitar o direito de preferência, haverá como desfazer essa simulação. Neste caso, deverá ser proposta a ação de anulabilidade, uma vez que a simulação fraudulenta é ato anulável.
A doação, a herança, a permuta, a integralização de capital, a cisão, a fusão e a incorporação, que de certa forma transfere a propriedade do arrendador a outrem, os doutrinadores interpretam que não devem ser considerados, apenas à compra e venda pura deveria ser aplicado o direito de preempção. Interpretam que o legislador quis se referir apenas à venda extrajudicial e voluntária do imóvel, pois não teria nenhum sentido impedir a que o herdeiro herde o imóvel em caso de morte do arrendador; impedir que não possa doar o seu imóvel; que fique impedido de permutar sua propriedade com outrem etc.. O instituto da preempção não pode impedir o direito de disposição do proprietário do imóvel arrendado.
Também a Lei incide apenas nas vendas extrajudiciais e voluntárias, não se aplica a vendas judiciais ou compulsórias, tais como a adjudicação do credor na execução; a praça judicial do bem penhorado na execução; no caso de arrecadação do imóvel e venda para pagar credores em falência, etc. Em todos esses casos, o arrendatário não está impedido de participar do leilão judicial e fazer lances, para evitar que perca o imóvel arrendado; mas, em igualdade de condições com o arrematante, a preferência é do arrendatário.
Portanto, não é em relação a toda transferência de propriedade do arrendador a terceiros que se aplica a preferência.
6.TEM O ARRENDATÁRIO ALGUM PRIVILÉGIO EM RELAÇÃO AO TERCEIRO PRETENSO COMPRADOR DO IMÓVEL ARRENDADO?
A preferência do arrendatário é em igualdade de condições com terceiros, não tem o arrendatário nenhum direito a desconto, abatimento, parcelamento etc., a não ser que esses privilégios tenham também sido oferecidos ao terceiro, conforme estabelecem o § 3º do art. 92 do Estatuto da Terra e o art. 45 do Decreto nº 59.566/66. Este assim dispõe:
Art. 45. Fica assegurado ao arrendatário o direito de preempção na aquisição do imóvel rural arrendado. Manifestada a vontade do proprietário de alienar o imóvel, deverá notificar o arrendatário para, no prazo, de 30 (trinta) dias, contado da notificação, exercer o seu direito. (Estatuto da Terra, art. 92, § 3º).
Como podemos ver o proprietário, arrendador ou não, deverá dar conhecimento de sua intenção de vender e do preço ao arrendatário, notificando-o judicialmente ou por outro meio, desde que possa comprovar essa notificação, por exemplo, por uma carta com aviso de recebimento (AR) e por oficial de cartório, desde que haja a comprovação do recebimento da notificação. Sendo norma de ordem pública, o arrendatário é obrigado a fazer essa notificação dando conhecimento ao arrendatário de todas as condições da venda (preço, prazo, se aceita bens como parte de pagamento, etc.)
Portanto, o arrendatário não tem nenhum privilégio em relação ao terceiro pretenso comprador do imóvel arrendado. Apenas a sua preferência em iguais condições de compra oferecidas a um terceiro.
7.COMO SE FAZ A COMUNICAÇÃO AO ARRENDATÁRIO DA VENDA?
O proprietário-arrendador, manifestando a sua vontade de vender o imóvel objeto de contrato de arrendamento, de acordo com o artigo 45 do Regulamento, deverá notificar o arrendatário para, no prazo de 30 dias, contado da notificação, exercer o seu direito de preferência.
A notificação é obrigatória, mas a Lei não exige forma especifica para a sua realização. É fundamental, entretanto, que o meio utilizado seja passível de comprovação de recebimento. Dessa forma, poderá ser realizada judicialmente ou por outro meio, como carta com aviso de recebimento (AR) ou por Oficial de Cartório Extrajudicial.
A Lei nada estabelece sobre os requisitos da notificação do arrendatário para o arrendador, exercendo seu direito de preempção, apenas diz que o direito deverá ser exercido dentro de trinta dias após a notificação premonitória feita pelo arrendador. À luz da lógica, o arrendatário deverá ter não só intenções comprovadas de adquirir o imóvel, mas também, ter condições de adquiri-lo, por isso o exercício regular de seu direito deverá ser declarado de modo patente.
Pode ocorrer que existam vários arrendatários e o proprietário deve então, notificar todos eles, para que exerçam o direito de preferência sobre a totalidade do imóvel.
Portanto, não há uma forma específica ou pré-determinada de notificação.
8.QUAL O PRAZO QUE O ARRENDATÁRIO TEM PARA SE MANIFESTAR SOBRE SEU DIREITO DE COMPRA DO IMÓVEL ARRENDADO?
O direito de preempção deve ser exercido pelo arrendatário dentro do prazo de 30 dias do recebimento da notificação, prazo este peremptório, e não se interrompe aos domingos e feriados. Se o trigésimo dia cair num domingo ou feriado, o direito deve ser exercido no dia útil anterior, porque o prazo não se prorroga, por se tratar de direito constitutivo.
A declaração do arrendatário deve ser expressa, para que não haja qualquer dúvida da resposta positiva à notificação feita pelo arrendador. Se possível, pelo menos de forma escrita e comprovado o recebimento pelo arrendador.
A falta de manifestação do arrendatário, dentro desse prazo, gera a presunção de que não se interessou pela aquisição do imóvel, renunciando a qualquer direito sobre ele. Portanto, passado esse prazo, o proprietário poderá vendê-lo a terceiro nas mesmas condições oferecidas ao arrendatário. O comprador é obrigado, nos termos do art. 92 do Estatuto, a respeitar o contrato de arrendamento até seu término.
Exercendo o arrendatário o direito dentro do prazo legal, fica vinculado à compra do imóvel arrendado, não podendo voltar atrás e revogar sua declaração de vontade. Pode, até mesmo, responder por perdas e danos ao arrendador que perder uma venda por isso.
9.PODE O PROPRIETÁRIO, APÓS A NOTIFICAÇÃO DO ARRENDATÁRIO, DESISTIR DA VENDA?
Pode ocorrer ainda a hipótese de o proprietário, após confirmar a venda do imóvel, querer desistir dela depois da manifestação positiva do arrendatário à notificação. Segundo Oswaldo e Silvia Optiz[5] o arrendador não pode desistir da venda do imóvel oferecido ao arrendatário, quando este aceita a proposta no tempo e formas estabelecidas em lei, porque a proposta vincula o proponente.
De fato o artigo 427 do Código Civil estabelece que, “a proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso”.
Caio Mário[6] de igual entendimento afirma que, “o segundo momento da formação do contrato é a proposta. Esta já traz força vinculante (Código Civil, art. 427), não para as partes, uma vez que ainda neste momento não há um contrato, mas para aquele que a faz, denominado policitante”.
De mesma opinião, Carlos Roberto Gonçalves[7] nos ensina que:
A obrigatoriedade da proposta consiste no ônus, imposto ao proponente, de mantê-la por certo tempo a partir de sua efetivação e de responder por suas conseqüências, por acarretar no oblato uma fundada expectativa de realização do negócio, levando-o muitas vezes, como já dito, a elaborar projetos, a efetuar gastos e despesas, a promover liquidação de negócios e cessação de atividade etc.
Ferreto[8] diferentemente desse entendimento diz que, o proprietário somente estaria obrigado a vender o imóvel mediante prévio e expresso compromisso, não se constituindo, em sua opinião, como compromisso, mas mera intenção de venda. Para ele, não se confunde o direito de preferência com o direito à adjudicação do imóvel.
De qualquer forma, o autor admite que em caso de arrependimento do arrendador, caberia ao arrendatário, caso assumisse compromissos para obtenção do crédito, o direito à indenização pelos prejuízos sofridos, com base em disposições do Código Civil.
10. E QUANDO HOUVER VÁRIOS ARRENDATÁRIOS DE QUEM É A PREFERÊNCIA DE COMPRA DO IMÓVEL ARRENDADO?
Pode ocorrer que existam vários arrendatários e o proprietário deve então, notificar todos eles, para que exerçam o direito de preferência sobre a totalidade do imóvel, ou seja, por inteiro a qualquer deles, pois não está obrigado o proprietário a vender, parceladamente ou não, a fração correspondente ao arrendamento, quando este for parcial. É o que disciplina o art. 46 e seus parágrafos, do Decreto nº 59.566/66. Confirmemo-lo:
Art. 46. Se o imóvel rural em venda estiver sendo explorado por mais de um arrendatário, o direito de preempção só poderá ser exercido para aquisição total da área.
§ 1º O proprietário de imóvel rural arrendado não está obrigado a vender parcela ou parcelas arrendadas, se estas não abrangerem a totalidade da área.
§ 2º Nos casos deste artigo, fica assegurado a qualquer dos arrendatários, se os outros não usarem do direito de preempção, adquirir para si o imóvel.
Como visto o proprietário de imóvel rural arrendado não está obrigado a vender parcela ou parcelas arrendadas, se estas não abrangerem a totalidade da área, mas, logicamente, se acordes, os arrendatários poderão, em conjunto, adquirir o imóvel em condomínio, se o imóvel comportar divisão cômoda.
Torminn[9] acentua que os arrendatários terão esse direito caso o imóvel não se transforme em minifúndio, apesar de não haver impedimento legal.
Pondera Nelson Demetrio, in verbis:
O direito de preferência atinge a totalidade da área e, deste modo, deve ser protegido, para a hipótese da pluralidade de arrendatários no imóvel. Mas assegura o princípio da lei: qualquer um deles poderá exercer o direito de preempção, em contrapartida, na aquisição do imóvel, desde que os demais renunciem a seus direitos, na forma do preceito legal[10].
Quando houver vários arrendatários interessados na aquisição do imóvel, terá preferência aquele que comprar todo o imóvel. Quando todos manifestarem a intenção de comprar a totalidade do imóvel, terá preferência aquele que oferecer maior preço.
Quando todos oferecem igual preço, a preferência é daquele que oferece melhores condições de pagamento.
Podemos também inferir que o proprietário não está obrigado a vender parceladamente uma propriedade única, mas poderá fazê-lo, se quiser. Poderá ele, por exemplo, vender a parte arrendada pelo arrendatário A, e não querer vender a área arrendada para o arrendatário B.
Nesse caso, entendemos que a preferência deve ser dada também ao arrendatário da área arrendada B, pois, caso o arrendatário A não exerça seu direito de preferência, pode o arrendatário B querer ampliar seu empreendimento.
Nesse viés, entendemos que o arrendatário B não deve ser considerado um terceiro, em decorrência do princípio de proteção ao arrendatário, assentado na função social da terra que protege quem a está explorando, apesar de que o arrendatário somente tem preferência sobre a área arrendada. Nelson Demetrio[11] esposa entendimento diverso.
Nelson Demetrio[12] comenta, ainda, que, no caso de pluralidade de arrendatários, deve ser aplicado analogicamente o art. 517 do CC/02.