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Preempção ou preferência do arrendatário no caso de venda do imóvel rural arrendado

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18/01/2018 às 12:10
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11. COMO FICA A PREFERÊNCIA DO ARRENDATÁRIO, NO CASO EM QUE O ARRENDAMENTO SEJA DE APENAS PARTE DO IMÓVEL RURAL E O PROPRIETÁRIO PRETENDA VENDER A TOTALIDADE DA ÁREA?

Nos casos em que o arrendamento seja de apenas parte do imóvel rural e o proprietário pretenda vender a totalidade da área, surge controvérsia sobre a instrumentalização do direito de preferência. Entendemos que o proprietário não pode ser obrigado a desmembrar o imóvel rural, evitando, assim, os custos de desvalorização da área e de desmembramento do imóvel, sobretudo quando a área ocupada for inferior à fração mínima de parcelamento da região, com finalidade de evitar o minifúndio. Mas, de qualquer forma, ele deverá ser notificado para exercer a preferência.


12. E QUANDO HÁ VÁRIOS CONDÔMINOS ARRENDADORES, DE QUEM É A PREFERÊNCIA NO CASO DE VENDA DO IMÓVEL, DO CONDÔMINO ARRENDADOR OU DO ARRENDATÁRIO?

No caso de arrendamento em condomínio de proprietários e o imóvel ser indivisível, ou tornar-se, pela divisão, impróprio a seu uso ou destino, o instituto da preempção do direito agrário não se aplica, eis que o arrendatário não concorre com o condômino proprietário do imóvel, que por ser dono, tem preferência na aquisição da coisa comum em relação a terceiro à relação condominial, que no caso é o arrendatário.

O direito de preferência do arrendador condômino decorre tanto das regras gerais de condomínio, mas principalmente pela indivisibilidade do bem que lhe é objeto, a teor do que dispõe o art. 504 do Código Civil:

Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de decadência.

Também o Código Civil em seu art. 1.322 assim disciplina:

Art. 1.322. Quando a coisa for indivisível, e os consortes não quiserem adjudicá-la a um só, indenizando os outros, será vendida e repartido o apurado, preferindo-se, na venda, em condições iguais de oferta, o condômino ao estranho, e entre os condôminos aquele que tiver na coisa benfeitorias mais valiosas, e, não as havendo, o de quinhão maior.

No caso de imóvel divisível, deve-se, ao caso ser aplicado analogicamente o artigo 34 da Lei nº 8.245/91, que é a Lei do Inquilinato, ou Lei de Locação de bem urbano. Aqui, especificamente quando houver concorrência entre o proprietário condômino e o locatário, a preferencia será do condômino. E o art. 34 da Lei nº 8.245/91 deixa isso bem claro: "Havendo condomínio no imóvel, a preferência do condômino terá prioridade sobre a do locatário".

Portanto, se há condomínio, os condôminos têm preferência. A preferência do condômino se sobrepõe porque a situação do locatário e, no caso do arrendatário, não altera, em princípio, a relação contratual.

O objetivo da Lei agrária, que se trata de uma norma protetiva, é proteger aquele que está ocupando e explorando a área arrendada, aquele que é hipossuficiente da relação contratual, fazendo-a cumprir sua função social. A finalidade é possibilitar que o arrendatário continue na área, explorando-a, fazendo produzir alimentos. Se a área está toda arrendada e o locador falece, por exemplo, seus herdeiros passam a ser proprietários de parte ideal da área. Muitas vezes um deles quer vender a sua parte e não quer ser arrendador. A preferência de compra de parte ideal da área arrendada, a meu sentir, deve ser dos demais condôminos; pois, a situação do arrendatário não muda, o contrato de arrendamento deve ser respeitado e ser cumprido em sua integralidade pelos condôminos herdeiros.

A venda da propriedade arrendada não modifica o contrato de arrendamento, que continuará a gerar direitos em favor do arrendatário por todo o tempo de sua duração, independentemente de ser outro o proprietário do imóvel.

Se aplicarmos a premissa de que no imóvel divisível há possibilidade de venda da parte do bem arrendado na integralidade, como ficaria o arrendamento? Afinal, o arrendatário está arrendando a totalidade da área. Haveria uma mudança da relação contratual, ou mesmo de seu objeto, com redução da área. Essa redução seria conveniente para o arrendatário? Ele poderia ter compromissos de entrega de certa quantidade de produto ou um tempo muito superior a cinco anos etc.?

Situação diferente seria se todos os herdeiros quisessem vender o imóvel arrendado a terceiro. Aí sim a preferência é do arrendatário.

Entre os condôminos, todos devem ser notificados, porquanto todos têm direito de comprar a coisa arrendada a terceiro. E, entre eles, terá preferência o que tiver benfeitorias de maior valor.

Não havendo benfeitorias, preferência terá o condômino que detiver o maior quinhão. Caso tenham quinhões iguais, deverá ser verificado qual deles pretende exercer o direito de preferência e, se nenhum deles quiser, o arrendatário poderá exercer seu direito de preferência.


13. E QUANDO O IMÓVEL ARRENDADO ESTÁ SUBARRENDADO, DE QUEM É A PREFERÊNCIA, DO ARRENDATÁRIO/SUBARRENDADOR OU DO SUBARRENDATÁRIO?

Ilustra Nelson Demetrio[13] que não se aplica a preferência para os contratos agrários de subarrendamento. Quanto a isso, discordamos, pois, se o objetivo da preempção é proteger a pessoa que está explorando a área e esta está sendo explorada pessoalmente pelo subarrendatário, também este deveria ter preferência, até contra o arrendatário, que não está explorando pessoalmente a terra.

Lembramos que o direito de preferência somente poderá ser aplicado ao subarrendamento legal, ou seja, aquele autorizado antecipadamente pelo arrendador e não ao subarrendamento de fato.


14. O QUE ACONTECE QUANDO ARRENDATÁRIO É ASCENDENTE OU DESCENDENTE (HERDEIRO NECESSÁRIO) DO ARRENDADOR?

Pode também aflorar alguma dificuldade no caso de o arrendatário ser ascendente ou descendente (herdeiro necessário) do arrendador, havendo preferência, pois o art. 496 do Código Civil dispõe que a venda de ascendente a descendente é anulável, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante houverem consentido, cujo objetivo é evitar sejam desigualadas as legítimas, conquanto diga respeito a uma compra e venda.

Mazeaud y Mazeaud, citados por Augusto Zenun[14], dizem que só no caso de o arrendatário ter grau de parentesco igual ao do terceiro adquirente é que este pode exercitar o direito de preferência.


15. E QUANDO O ARRENDATÁRIO É EMPRESA RURAL DE GRANDE PORTE, TEM DIREITO DE PREFERÊNCIA, IGUAL AO ARRENDATÁRIO INDIVIDUAL?

O direito de preferência para a aquisição do imóvel arrendado, previsto no art. 92, § 3º, do Estatuto da Terra, não é aplicável à empresa rural de grande porte (arrendatária rural). O Estatuto da Terra não impôs nenhuma restrição quanto à pessoa do arrendatário, para o exercício do direito de preferência, de modo que, ao menos numa interpretação literal, nada obstaria a que uma grande empresa rural viesse a exercer o direito de preempção. Entretanto, a questão deve ser interpretada à luz dos princípios que norteiam o direito agrário, entre eles o da justiça social. 

O princípio da justiça social preconiza a desconcentração da propriedade das mãos dos grandes grupos econômicos e dos grandes proprietários, para que seja dado acesso à terra ao homem do campo e à sua família. Preconiza, também, a proteção do homem do campo nas relações jurídicas de direito agrário. Porque desenvolvendo o chamado agronegócio, o princípio da justiça social deixa de ter aplicabilidade, pois ausente a vulnerabilidade social que lhe é pressuposto.

Em decisão do STJ, em maio de 2016, no julgamento do REsp 1.447.082/TO, de relatoria do ministro Paulo de Tarso Sanseverino, aquela Corte excluiu a aplicação do direito de preferência legal para empresa rural de grande porte, visto que as normas protetivas do Estatuto da Terra devem ser aplicadas somente a quem explore a terra pessoal e diretamente, como típico homem do campo.

Compartilhamos desse entendimento, afinal, o Estatuto veio para proteger o homem que diretamente explora a propriedade rural e é hipossuficiente, o que seria incompatível com as grandes agropecuárias arrendatárias de grandes latifúndios.


16. QUAIS OS REQUISITOS PARA SE EXERCER O DIREITO DE PREFERÊNCIA?

O primeiro requisito para que se concretize o § 3º do artigo 92 do Estatuto, que é norma dispositiva, é que o proprietário do imóvel queira vendê-lo; o segundo requisito é que haja um terceiro, estranho ao contrato de arrendamento, com proposta concreta de compra do imóvel, para que haja igualdade de condições, quais sejam, mesmo preço, garantias e forma de pagamento; o terceiro requisito seria que o arrendatário queira ou possa comprar o imóvel nas mesmas condições, pois não está obrigado a adquirir o imóvel arrendado, sendo apenas opção sua; o quarto requisito, que o proprietário do imóvel, seja arrendador ou não, notifique o arrendatário no prazo de 30 dias para exercer o direito de preferência; o quinto requisito, que o arrendatário exerça o direito de preferencia no prazo de trinta dias de sua notificação.

Em caso de não ser notificado, o arrendatário poderá depositar o preço e haver para si o imóvel arrendado, no prazo de seis meses, contado da transcrição do ato de alienação no Registro de Imóveis, no caso, propondo ação de adjudicação compulsória, contra o arrendador e o terceiro adquirente.


17. QUAL É A AÇÃO PARA O ARRENDATÁRIO POSSA EXIGIR O SEU DIREITO DE PREEMPÇÃO?

O direito de preferência é uma das limitações ao direito de propriedade e de aplicação do princípio da função social do contrato de arrendamento. O Estatuto, no caso de preferência, está intervindo na vontade individual, gerando norma obrigatória. Por isso, a ausência de notificação do arrendatário faz surgir ex lege o direito deste de adjudicar o imóvel para si, depositando o valor da venda. Isto, porque, o arrendatário concorre em iguais condições com o terceiro comprador.

Em sendo assim, no caso de o arrendador vender o imóvel rural sem notificar o arrendatário, preterindo-o, este poderá, por meio da ação de preferência, que é denominada de ação de adjudicação compulsória ou anulatória cumulada com adjudicação, anular o negócio jurídico de compra e venda, realizado entre o arrendador e o terceiro, adjudicando o imóvel para si, desde que deposite o preço no prazo de seis meses a contar do registro da escritura pública de compra e venda no Cartório de Registro Imobiliário, em que o imóvel é matriculado.

Pode ocorrer que o arrendador venda o imóvel e não notifique o arrendatário. Neste caso, a venda do imóvel pelo arrendador a terceiro, na falta de notificação ao arrendatário, não a torna nula, mas anulável. Trata-se de negócio válido, mas resolúvel.

Ocorrendo esse fato, está à disposição do arrendatário a ação real de preempção, que objetiva a decretação da invalidade da transação efetivada entre o arrendador e o terceiro.

A sentença, nesse caso, além de invalidar a venda, determina o cancelamento do registro na respectiva circunscrição imobiliária e adjudica o imóvel arrendado ao arrendatário ou preemptor.

Nessa ação de preempção ajuizada pelo arrendatário rural, devem integrar a lide, como litisconsortes necessários passivos, nos termos do art. 47 do Código de Processo Civil, o arrendador-alienante e o terceiro adquirente do imóvel arrendado, por sinal as pessoas partícipes do negócio a ser desconstituído.

O arrendatário tem o prazo de seis meses, a contar da transcrição do ato de alienação no Cartório de Registro de Imóveis, para exercer esse direito.

Esse prazo é decadencial, ou seja: não exercido dentro do prazo de seis meses, o arrendatário não usufruirá mais esse direito que caducou. Isso preceitua o art. 92, § 4º, do Estatuto da Terra. Igual disposição está enumerada no art. 47 do Regulamento (Decreto nº 59.566/66), apenas acrescentando que se resolverá em perdas e danos o descumprimento desta obrigação.

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Segundo Nelson Demetrio[15], essas perdas e danos ocorrem pelo descumprimento da comunicação e não pela venda, que pode, ou não, se desfazer, segundo a vontade do arrendatário. Caberá ao arrendatário optar por exigir a adjudicação do imóvel para si ou exigir as perdas e danos.

De qualquer forma, essa parte final do art. 47 do decreto regulamentador, de autoria do Poder Executivo, contraria o Estatuto da Terra, norma legislativa que não estipulou a opção das perdas e danos.

Ainda no dizer de Nelson Demetrio[16], não há antinomia entre a Lei e o Decreto regulamentador, neste ponto. Para o autor, o regulamento não impediu ou alterou o Estatuto da Terra, apenas deu opção ao arrendatário de fazer valer seu direito, embutido no texto legal, ou haver indenização por perdas e danos, derivada do descumprimento da obrigação legal de notificar o arrendatário sobre sua intenção de venda.

De sua vez, Augusto Zenun[17] discorda dessa posição, ao dizer que o Decreto nº 59.566/66, em seu art. 47, ao regulamentar o § 4º do Estatuto da Terra, ultrapassa os limites da delegação regulamentaria, quando, além de conferir ao arrendatário o direito de, não sendo notificado pelo vendedor do imóvel, se valer do instituto da preferência, acrescenta que se resolve em perdas e danos o descumprimento da obrigação.

Para o autor, a parte final do art. 47 não acoberta qualquer eficácia, com o que concordamos.

O arrendatário pode apenas exercer seu direito de preferência quando notificado e, caso não o seja, pode depositar o preço e adjudicar o imóvel para si, nos termos do art. 92, § 3º, do Estatuto. É condição de procedibilidade da ação de adjudicação o depósito do preço de venda para a propositura da ação por parte do arrendatário que quiser ficar com o imóvel arrendado vendido a terceiro[18]. A opção de perdas e danos, tratada no Regulamento, não deve prevalecer em face da hierarquia das normas. O Regulamento, de origem do poder executivo, não pode se sobrepor ao Estatuto, Lei nº federal votada pelo Congresso.

Sobre as perdas e danos, o CC/16, em seu art. 1.156, também divergia do Estatuto, quando dispunha que a venda a terceiro, sem a devida notificação ao arrendatário pelo arrendador, era considerada válida, apenas se resolvia em perdas e danos, ao passo que em conformidade com o Estatuto da Terra, não se resolve em perdas e danos.

Entretanto, entendemos que caberá a ação de perdas e danos cumulada com a ação adjudicatória, porquanto o ato do arrendador pode ter causado algum prejuízo ao arrendatário. Esse ato, a nosso entender, caracteriza ato ilícito, contrário à lei. Somente, pois, pode o terceiro adquirente do imóvel ter tomado alguma medida que venha a causar dano ao arrendatário. Sem falar que, hoje, há possibilidade até de perdas e danos morais, não sem registrar seja analisado cada caso.

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Sobre a autora
Helena Maria Bezerra Ramos

Bacharel em Direito pela UFMT; Desembargadora do TJ/MT; Professora do ICEC/Cuiabá (UNIP) e Mestre em direito civil pela PUC/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Helena Maria Bezerra. Preempção ou preferência do arrendatário no caso de venda do imóvel rural arrendado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5314, 18 jan. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63503. Acesso em: 19 abr. 2024.

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