Capa da publicação Reincidência na Lei Maria da Penha e intervenção psicológica: estudo de caso no DF
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Índice de reincidência na Lei Maria da Penha após intervenção psicológica no Fórum do Gama – DF

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DISCUSSÃO

Assim como ressaltado em Fonseca et. al. (2012), a violência doméstica é um crime que atinge sua vítima em vários aspectos da vida, de forma social, física e psicológica. Desse modo, destaca-se a importância de cuidar de ambos os lados dessa forma de violência, tanto no âmbito de quem pratica, como no âmbito de quem a sofre, como visto no artigo de Lima e Buchele (2011, p. 3, apud RAMOS, 2006, p. 9), que para obter-se uma real intervenção, é necessário trabalhar com a vítima e com quem comete o ato.

Vale notar que o grupo realizado no Fórum do Gama teve sua efetividade comprovada, e como pôde ser visto, o número de participantes do grupo que reincidiram foi de apenas 2,1%, enquanto que, dos que não participaram do grupo, 9,2% reincidiram. A correlação entre participantes do grupo e a reincidência é significativa, porém baixa, mostrando que o grupo foi efetivo em seu objetivo que visa reduzir e até mesmo anular esses números.

Os grupos reflexivos foram realizados por estagiários do curso de Psicologia do Centro Universitário do Distrito Federal – UDF com temas propostos pelos participantes do grupo, onde puderam falar abertamente o que sentiam e com isso davam suas opiniões para determinados assuntos. Assim como o grupo realizado no Fórum do Gama, Freitas e Cabrera (2011) também demonstram em seu estudo os resultados satisfatórios de grupos reflexivos para os agressores, já que os participantes consideram o grupo um espaço onde se sentem acolhidos.

Cabe ressaltar que as reflexões realizadas nos grupos com os agressores possuem eficácia significativa, pois a sua meta vai muito além de fazer com que os participantes se sintam acolhidos, objetivando que estes também possam pensar em conjuntos sobre o seu papel nos âmbitos sociais, familiar, bem como seu lugar como homem em uma sociedade cada vez mais violenta. O que se espera após a participação nesses grupos é que os autores de violência doméstica possam diminuir a reincidência da agressão em suas relações, sejam estas futuras ou atuais.

É necessário salientar que a postura dos psicólogos (as) de não julgamento no grupo foi muito importante para que essa participação fosse efetiva, pois no início do grupo foi perceptível a resistência de cada um, mas no decorrer dos encontros os participantes se sentiram mais acolhidos para expressar suas opiniões e refletir sobre seus atos diante das questões que surgiam nos debates, e quais poderiam ser as soluções para esses problemas.

O Grupo Reflexivo serve como um benefício para que os autores de violência doméstica que preenchidos os requisitos legais possam usufruir do benefício de suspensão condicional do processo (quando o acusado aceita a proposta oferecida pelo Ministério Público de cumprir penas privativas de Direito, no caso objeto desse artigo, comparecer em grupos reflexivos sob pena de perda do benefício em caso de descumprimento).

Ressalta-se que a Lei 11.340/06 não vedou a pena privativa de liberdade para agressões de lesão corporal, destacando no artigo 44 que diz que a pena pode chegar de três meses a três anos.

O Art. 44 da lei 11.340/06 diz que o art. 129 do Decreto- Lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com as seguintes alterações:

§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

Diante dos dados apresentados, é perceptível a importância dos grupos, mas ainda existem poucos estudos sobre grupos terapêuticos que trabalham com violência doméstica dedicada à saúde dos agressores, mesmo estes estudos demonstrando sua eficácia como apontam Mahl; Oliveira; Piccinini (2016) em sua pesquisa, na qual observaram queda nos índices de violência doméstica após os agressores participarem do grupo.

Portanto ressalta-se a necessidade de mais estudos sobre a ajuda terapêutica aos autores da violência doméstica, uma vez que, na literatura atual, são escassos os estudos sobre o tema.

Sendo assim, com o presente estudo foi possível concluir que mais estudos com dados demográficos, para possibilitar a análise do perfil dos autores de violência doméstica, devem ser realizados, pois, no entendimento dos autores deste artigo, isso facilitaria o planejamento de intervenção com os agressores, e também poderiam ser traçadas estratégias de prevenção mais eficazes.

Também se ressalta a importância de que mais ações sejam realizadas com os autores de violência doméstica, pois esta pode ser uma via de solução para a queda dos índices de reincidência, assim como apresenta os dados do grupo aqui analisado.


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Sobre os autores
Karina Cristina Ribeiro Cunha

Graduanda em Psicologia pela UDF

Juliana Dias Sales

Graduanda em Psicologia pela UDF

Thomas Eric Damasceno Bussinguer

Graduanda em Psicologia pela UDF

Beatriz França Feitoza

Graduanda em Psicologia pela UDF

Ana Luiza Monteiro Marinho

Graduanda em Psicologia pela UDF

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CUNHA, Karina Cristina Ribeiro ; SALES, Juliana Dias et al. Índice de reincidência na Lei Maria da Penha após intervenção psicológica no Fórum do Gama – DF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5344, 17 fev. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63543. Acesso em: 24 abr. 2024.

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