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Gestão judiciária e voluntariado: a experiência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) na criação do Núcleo do Voluntariado

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4 Percepções sobre o cenário administrativo encontrado

A organização Tribunal de Justiça de Minas Gerais, como representativa de outros tribunais de grande porte, possui simbolizando sua estrutura administrativa um organograma simples, sendo também utilizado um design direto para a concepção do Mapa Estratégico, tendo como norte a melhoria na efetividade da prestação jurisdicional, de acordo com a Missão preconizada, e está de acordo com a apresentação de metas, consubstanciadas em macrodesafios.

Assim, mesmo com o salto qualitativo trazido pelo o advento da Resolução nº 823 (2016) sobre o Planejamento e a Gestão Estratégica no âmbito do TJMG, normalmente no âmbito do Poder Judiciário nacional as ações estratégicas enfatizam à diminuição quantitativa do acervo de processos, com ênfase no maior atendimento da demanda, preocupação com o nível de criticidade, resolução de conflitos através da conciliação, fatos que apresentam uma preocupação estatística  não necessariamente vinculada primordialmente à qualidade da prestação jurisdicional, embora não se perca de vista a busca constante do respeito à duração razoável do processo.

O planejamento estratégico e o plano de gestão seguem a busca na efetividade na prestação jurisdicional, através da identificação das tendências atuais e busca de um cenário desejado através da formulação de macrodesafios, porém por vezes peca em concentrar esforços na administração dos efeitos de uma anomalia, em vez de discutir suas causas. Assim, o Poder Judiciário passa de ultima à prima ratio na resolução de conflitos, situação, inclusive, estimulada pelo próprio Judiciário.

A partilha de funções em equipes pequenas e o compartilhamento de rotinas são objetivos comuns das organizações do Poder Judiciário, tendo sido investido uma quantidade importante de recursos para homogeneização das ações, todavia a estrutura é enorme e diversificada, o que dificulta a análise sistemática das informações comparativas, sem contar que o processo de liderança é historicamente concentrado, já que não é conquistado e, sim, concedido por uma autoridade formal.

Os Sistemas apoiam a Estrutura e a Estratégia, mas quando o fluxo e as próprias decisões são adotados de forma concentrada, de cima para baixo, resta maculado o sentimento de pertencimento dos componentes da organização em relação aos seus valores.

De qualquer forma, jurisdicionados e o restante da sociedade se confundem, levando em conta o caráter público das ações do Judiciário e das decisões judicantes, que tem por função, na linha do professor da Universidade Yale Owen FISS (2004), de desempenhar a função no quadro institucional de dar significado aos valores públicos e civilizatórios, inclusive levando em conta o bem-estar das gerações futuras, e não apenas resolver conflitos através da prestação jurisdicional básica.

É certo quanto ao processo de democratização de ideias que o fluxo de decisões concentradas, sem o envolvimento de vários setores da organização na formulação das estratégias, leva ao desperdício de recursos e dificulta a implementação em razão da ausência de pertencimento, não perdendo de vista que a Visão do Poder Judiciário, como se vê na registrada pelo TJMG, deve ser o reconhecimento também interno de excelência de sua atuação.

Todavia, o vínculo ético do TJMG deve levar ao esclarecimento da sociedade sobre a função essencial do Judiciário não só como pilar da Democracia e da própria República, mas como conquista civilizatória, pois, conforme MINTZBERG, AHLSTRAND e LAMPEL (2010), a estratégia é integradora e, por consequência, existe a necessidade de observância dos valores éticos para a sua formulação.

De toda forma, ainda há muito espaço no Poder Judiciário para o posicionamento baseado em valores fundados na ética, acessibilidade, promoção da paz social e da justiça, valorização das pessoas e responsabilidade social, fato que demonstra a necessidade de adaptação de acordo com a mudança do perfil do jurisdicionado e da própria missão do Poder Judiciário, com a maior necessidade de informações e acesso a serviços jurisdicionais  para certos estratos da população, como as pessoas em situação de rua e demais segmentos vulneráveis, que possuem um arcabouço de direitos, porém não tem como acessá-los.

Deve-se buscar um desenvolvimento gerencial integrativo, com ênfase na função e no estudo do processo de mudança e transformação organizacional, dando força ao planejamento e a gestão estratégica, passando-se, então, de forma inversa ao que a realidade nos mostra, a compatibilizar as necessidades sociais às necessidades técnicas das organizações.


4 O Direito fundamentado na justiça: a realização da justiça como propósito da produção normativa e da interpretação judicial e administrativa

A disseminação da cultura do voluntariado na organização de natureza de direito público e a participação desta na Rede Estadual traz desafios jurídicos vários.

Em verdade, as ações internas veiculadas pelo Núcleo do Voluntariado (NV/TJMG) passam pela relação do servidor com a organização TJMG, com efeitos no plano de carreira que estão a exigir alterações normativas. Os obstáculos também devem ser enfrentados na relação do TJMG com os demais parceiros em um ambiente de rede, pois as ações dos órgãos do Poder Judiciário são reguladas e estruturadas legalmente.

No caso da participação do Poder Judiciário na Rede de Voluntariados, há que se perceber a presença de atividade colaborativa que envolve entidades de direito privado e direito público, com transferência de recursos públicos ou não, que se sujeitam ao controle do Estado em razão da natureza jurídica do instrumento seminal, ainda que observando a flexibilidade das ações individualizadas realizadas através de uma plataforma, sobrelevando sempre a orientação humanitária caracterizadora dos fins públicos, qualificados pela natureza da entidade destinatária e da atividade não lucrativa.

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Cria-se um ambiente colaborativo que deverá ser estruturado como uma incubadora de projetos, um sítio catalisador de ideias e um facilitador de encontros entre entidades do Primeiro, Segundo e Terceiro Setor, mas sem se olvidar que a presença de organizações públicas altera o regime jurídico dos relacionamentos que serão construídos.

Com efeito, a toada que seguem as parcerias públicas leva à formalização dos interesses convergentes através de consórcios públicos e convênios, não perdendo de vista que em relação a estes não se admite a realização de despesas a título de administração, mas se faz necessária a realização de prévio processo licitatório, de acordo com os artigos 37, XXI, e 241 da Constituição da República (1988) e artigo 116 da Lei nº 8.666/1993.

Por outro lado, é bom que se diga que as organizações de natureza de direito privado que amparam as ações voluntárias são corriqueiramente pertencentes ao Terceiro Setor e, por conseguinte, estão, em regra, submetidas ao respectivo marco regulatório construído pelo advento da Lei nº 13.019/2014, máxime pelo fato de a regulamentação do trabalho voluntário no Brasil, definida pela Lei nº 9.608 (1998), estar voltada primordialmente para a pessoa física prestadora de serviço voluntário.

A crítica levantada por YAZBEK (2000) sobre o crescimento do Terceiro Setor, como sequência de um a política assistencialista dos demais setores, Estado e Mercado, que desloca a questão da pobreza de um espaço politicamente construído de diálogo – e mesmo de dissenso e ação social – para a assepsia da gestão tecnicista filantrópica, é forte, porém se confronta com uma realidade de estruturação de um sem-número de iniciativas socioeconômicas realizadas diuturnamente por organizações não governamentais, como se nota pelo trabalho de  FALCÃO, GUERRA e ALMEIDA (2013). A questão que se sobreleva, então, ainda na esteira de YAZBEK (2000) é como tratar o controle da gestão privada de financiamento público, em um sistema de rede, privilegiando-se a qualidade e não a estatística quantitativa como significativo de eficiência.

Di Pietro (2015) ensina que a regra em se tratando de entidades com personalidade jurídica de direito privado é que o direito público se aplica somente quando existe norma expressa que o determine.

Sem embargo, quando se tratar de manejo e destinação de recursos públicos é necessário se ter em mente os princípios constitucionais da Administração Pública, sendo indispensável a prestação de contas perante a unidade gestora, assegurada a publicidade e a transparência na destinação dos recursos, o que reflete o controle público e social de sua aplicação, como, aliás, já definiu o c. Supremo Tribunal Federal ao tratar do caso ADI 1.923, ao tratar das entidades do Terceiro Setor.

Por consequência, as Organizações Sociais (OS), entidades sem fins lucrativos colaborativas do terceiro setor e que prestam serviços por delegação do Poder Público, em regime jurídico de direito privado, por gerirem patrimônio público a elas transferido em substituição ao Poder Público naquela atividade específica, têm delimitada sua atuação através de um contrato de gestão com o Poder Público, sendo, inclusive, a necessária licitação quanto às contratações de terceiros, na forma da Lei nº 9.637/1998.

As parcerias voluntárias firmadas entre o Poder Público e as Organizações da Sociedade Civil (OSC), gênero que exclui as OS’s, por sua vez, devem seguir a disciplina da Lei nº 13.019/2014. Nesse diapasão, também as entidades qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), também constituídas por entidades privadas sem fins lucrativos, são submetidas ao controle público.

Há que se perceber que os recursos não perdem sua natureza pública com a transferência para as organizações privadas. Essas, por sua vez, quando recebem recursos qualificados, ainda que por meio do Procedimento de Manifestação de Interesse Social, com a recomendação de realização de um chamamento público objetivando a celebração de parcerias e a constituição do vínculo mediante instrumentos consubstanciados em termos de colaboração e de fomento, supervisionados pelo órgão do Poder Público e pelos Conselhos de Políticas Públicas, devem prestar contas de acordo com a estruturação do Direito Administrativo.

O importante, todavia, é adequar a agilidade, independência e autonomia das ações sociais com a transparência da utilização de recursos públicos em iniciativas de organizações privadas. O gerenciamento da rede de comunicação é medida essencial para atingir tal objetivo no âmbito do voluntariado.

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Sobre o autor
Sérgio Henrique Cordeiro Caldas Fernandes

Juiz de Direito na Comarca de Belo Horizonte (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES, Sérgio Henrique Cordeiro Caldas. Gestão judiciária e voluntariado: a experiência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) na criação do Núcleo do Voluntariado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6172, 25 mai. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63736. Acesso em: 19 abr. 2024.

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