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Gestão judiciária e voluntariado: a experiência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) na criação do Núcleo do Voluntariado

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6 A experiência do Núcleo de Voluntariado no TJMG

A estruturação de uma rede de trabalho voluntário, voltada para ações sociais com a participação do TJMG iniciou-se com o então projeto, hoje programa, Termo de Cooperação Técnica nº 16, de 20 de maio de 2015, denominado “Rua do Respeito”, firmado com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e o Serviço Voluntário de Assistência Social de Minas Gerais (SERVAS), que tem por escopo o voluntariado organizacional voltado às políticas públicas destinadas às pessoas em situação de rua.

O dono em termos gerenciais do referido processo, como setor responsável pelo desenho e desempenho final do programa e pela prestação de contas sobre sua execução, foi, no âmbito do TJMG, a sua Presidência[2], bem como o subprocesso Recomendação Conjunta 001/2015, teve como gestor o Corregedor-Geral de Justiça.

O processo em questão, que segue a linha de voluntariado, tem como objetivos desenvolver a cultura do voluntariado no âmbito da organização TJMG, nos moldes da Lei nº 9.608/1998, Decreto Federal nº 7.053 (2009) e Lei Estadual nº 20.846/2013, a ponto ser inserido no planejamento estratégico da organização, bem como promover ações que viabilizem o acesso a direitos básicos às pessoas em situação e rua, combate ao preconceito, participação nas discussões sobre políticas públicas com as pessoas em situação de rua e seus representantes e transposição da condição de rua para uma maior inclusão social de referido grupo populacional.

Por se tratar de processo de voluntariado em rede, os fornecedores e insumos são diversificados com o cadastro mutável de demandas por trabalho voluntário, levantamento de oportunidades por trabalho voluntário, criação de uma plataforma e uma base de dados para interconexão. Ou seja, os insumos se baseiam em dados de pessoas jurídicas parceiras que oferecem serviços e recursos confrontados com as necessidades prementes de auxílio às políticas públicas específicas.

A análise dos custos do processo, como instrumento de gerenciamento, mesmo se utilizadas metodologias como da curva Activity Based Costing (ABC) – Atividade Baseada no Custo –, se mostrou limitada, levando em conta as peculiaridades da população assistida, então é importante para mensurar os gastos a serem partilhados pelos parceiros, ainda que as ações não sejam convertidas em orçamento financeiro, através de horas de trabalho doadas.

Como desdobramento da experiência da “Rua do Respeito” foram iniciados os contatos com a UNV/PNUD, acabando por redundar na assinatura do Memorando de Entendimentos (MoU), em maio de 2016, contando ainda como signatários o Estado de Minas Gerais, SERVAS e o Ministério Público de Minas Gerais.

O Estado de Minas Gerais, de forma paralela, programou a edição e decreto instituidor do Programa Estadual de Voluntariado Transformador, Decreto nº 47.074, de 01 de novembro de 2016, com o objetivo de criar um marco de cooperação e facilitar a colaboração entre a Administração Pública Estadual e as demais entidades signatárias do Memorando de Entendimento em epígrafe, de forma não exclusiva, e em áreas de interesse comum, para mobilização e fomento de serviços voluntários em Minas Gerais, contribuindo para a consolidação da Rede de Voluntariado.

De uma forma ainda mais avançada, o TJMG criou o Núcleo de Voluntariado do TJMG (NV/TJMG), através da Portaria Conjunta nº 543/PR/2016[3], com o objetivo de contribuir para a consolidação da Rede de Voluntariado do Estado de Minas Gerais, assim como para promover a disseminação da cultura do voluntariado na organização e coordenar as práticas de voluntariado no âmbito do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Nº 837/2016 [Alessandr1] 

O próximo passo foi o advento da Resolução nº 837/2016[4], que instituiu a Rede de Voluntariado do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – RV/TJMG e dispôs sobre sua organização e funcionamento, estruturando-a em sub-redes.

A ideia básica do NV/TJMG é atuar em três frentes principais: a uma, de forma clássica, seguindo as recomendações da Resolução nº 403 do Supremo Tribunal Federal (2009), com vistas a suprir necessidade de incentivo à consciência da responsabilidade social do cidadão com os seus deveres cívicos e o incentivo à solidariedade social, disciplinando o serviço voluntário realizado por magistrado, servidor, estagiário ou estudante de instituição de ensino conveniada, em ações internas.

A duas, de forma integrativa, com a criação de banco de dados próprio para identificar as ações de voluntariado realizadas pelos componentes do TJMG e em nome deste, institucionalizadas ou não, criando uma rede colaborativa e de informações, utilizando, para tanto, um cadastro que promova um sistema seguro, transparente, acessível e constantemente atualizado com as informações dos projetos de voluntariado existentes na organização e dos componentes que desejam se apresentar como voluntários.

Para tanto, o desenvolvimento de uma plataforma de comunicação própria é fundamental, inclusive para se evitar desperdícios nos serviços voluntários e monitorar as ações para que elas não fujam do seu desiderato. Tecnologias como a de cloud computing, computação nas nuvens, são muito bem-vindas, pois o compartilhamento de dados pode ser realizado por diversos aplicativos, com acesso direto à rede mundial de computadores, tornando a partilha de informações muito mais fácil.

A três, em rede externa, com a integração da organização TJMG na Rede de Voluntariado Estadual, com participação no comitê gestor para a definição das ações sociais que serão realizadas de forma compartilhada entre as organizações parceiras, com a definição da alocação de recursos públicos e a liberdade para o acoplamento ou não em projetos gestados pela Rede, com a estruturação normativa, sendo importante a construção de instrumento de combinação (matching) supervisionado, que hoje denominamos “Plataforma”.

Pelo sistema de matching, consubstanciado em uma plataforma interativa, através de um modelo matemático representativo das combinações mais estáveis entre os perfis do voluntário e das organizações destinatárias da ajuda, são desenvolvidas estratégias para evitar o desperdício e dar maior efetividade ao auxílio que se propõem com ação interativa de voluntariado, dentro do ambiente da Rede.

A estruturação do modelo de gestão através do design thinking, igualmente, serve de apoio para a realização das ações organizacionais voluntárias.

Com efeito, experiências estudadas por Stickdorn e Schneider (2011), como a da NL Agency, pertencente ao Ministério da Economia da Holanda, que trabalha com a implementação em rede de políticas de sustentabilidade, inovação e cooperação internacional, estruturada na confiança e igualdade, assim como o trabalho denominado Mypolice, que traduz a interação de um sem número de instituições públicas, privadas e do terceiro setor, incluindo mais de cinquenta forças policiais por todo Reino Unido, com a constante produção de informações qualitativas, compartilhadas através de um website, sobre experiências dos usuários para a polícia, encorajando maior empatia da compreensão dos problemas, bem demonstram o sucesso das ações sociais em rede com a participação integrada de organizações públicas e privadas.

No diapasão dos estudos de Stickdorn e Schneider (2011), é importante que tanto o voluntário quanto o vulnerável destinatário dos serviços estejam no centro das atenções, no bulleyes, diante da importância vital de entender o comportamento de referidos stakeholders, com vistas a adaptar as ações sociais para que tenham elas maior efetividade, pois a co-criação verdadeira é baseada no desenvolvimento de soluções em conjunto com os voluntários e assistidos.


7 Considerações finais

Deseja-se como resultados esperados do projeto de modelo de gestão para o Voluntariado, que parte da premissa da humanização do serviço público judiciário, a disseminação na organização TJMG da cultura do voluntariado, pela abordagem dos fundamentos do Voluntariado como arcabouço filosófico do modelo de gestão e estruturação sistêmica do modelo.

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O longo caminho a ser percorrido passa pelo detalhamento dos conceitos, elementos e ferramentas do modelo de gestão, que sugere o processo educacional que já foi iniciado através dos fóruns e oficinas de capacitação. Também reflete a necessidade de regulamento específico para aplicação do modelo de gestão para o voluntariado, bem como os métodos e procedimentos para aplicação das ferramentas de gestão definidas no modelo, que está a ser construído pelo Núcleo do Voluntariado do TJMG.

Na dimensão da Rede, o plano de implantação do modelo de gestão para o voluntariado, provoca a reestruturação das organizações parceiras para aplicação do sistema em rede, com a transferência e disseminação de conhecimento e habilidades técnicas de modo a empoderar a rede local, com o fito de fomentar continuamente a transparência, o engajamento, a responsabilidade compartilhada para a tomada de decisões.

De todo modo, há que se ter em mente que os destinatários internos do programa serão não só os voluntários, mas também todos os servidores do TJMG que terão contato com a cultura do voluntariado a ser implementada durante o processo de educação da organização, permitindo o maior envolvimento dos servidores de todos os níveis e estimulando a apresentação de soluções criativas para os obstáculos que periodicamente surgem.

Em relação aos destinatários externos – já que a palavra cliente é inadequada no caso – há que se perceber que os resultados sociais e consolidação de conquistas civilizatórias em muito ultrapassam o conceito binário de input/output, assim como superam o registro de income, tendo os resultados do processo benefícios vários para aqueles que estejam em situação de vulnerabilidade, auxiliando-os na transposição dessa condição ou os protegendo na defesa de seus direitos básicos.

De qualquer modo, perscrutar o propósito dos destinatários é fator essencial para a construção tanto do Núcleo do TJMG quanto da Rede Estadual de Voluntariado, pois a efetividade da ação social e a perenidade da ação voluntária escolhida será desenvolvida apenas se o trabalho for realizado com – e não apenas para ou pelo – os destinatários.

O mito pessoal do voluntário ao ser identificado e combinado com as ações sociais mediadas pela organização parceira estimulará o seu sentimento de pertencimento, bem como tem o condão de criar o liame com o destinatário, que muito ultrapassará o gesto de ajuda para transformá-lo no comprometimento com uma causa.

Da mesma forma, o destinatário do serviço voluntário, ao participar da formulação das ações, projetos e políticas públicas assume o compromisso de ser parte da transformação, e não mais objeto de ações assistencialistas.

Por fim, a própria organização do Poder Judiciário pode redescobrir a razão primordial de sua existência, que é servir à sociedade, através da consolidação dos valores civilizatórios, mediante a busca do bem-estar social, tanto pela prestação jurisdicional quanto pelas ações de modificação social, que refletem a virtude de sua missão fundamental: realizar a justiça.

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Sobre o autor
Sérgio Henrique Cordeiro Caldas Fernandes

Juiz de Direito na Comarca de Belo Horizonte (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES, Sérgio Henrique Cordeiro Caldas. Gestão judiciária e voluntariado: a experiência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) na criação do Núcleo do Voluntariado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6172, 25 mai. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63736. Acesso em: 26 abr. 2024.

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