Responsabilidade penal, civil e trabalhista em decorrência dos atos de greve.

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III. O DIREITO DE GREVE E AS CONSEQUÊNCIAS TRABALHISTAS

O direito de greve é legalmente garantido aos trabalhadores, desde que atendidos os requisitos fixados pela Lei 7.783, de 1989.

A greve é a paralisação coletiva, provisória, parcial ou total das atividades dos trabalhadores em face de seus empregadores ou tomadores de serviços, com o objetivo de exercer-lhes pressão, visando a defesa ou conquista de interesses coletivos, ou com objetivos sociais mais amplos.

Um dos principais requisitos para a legalidade do movimento grevista é que seja pacífico, ou seja, sem atos de violência ou vandalismo por parte dos empregados, dos empregadores e nem mesmo do sindicato de classe.

Ponto outro que merece atenção é o fato de que a greve apenas caracteriza-se como tal a partir de ato coletivo, ou seja, não configura-se greve a paralização de um único empregado, ainda que tal situação individual seja uma forma de protesto contra situações no ambiente de trabalho.

A greve se concretiza com a sustação dos trabalhos/atividades, sendo certo que tal atitude é provisória. Porém, antes da efetiva paralisação das atividades existem os atos preparatórios, que consistem nas negociações com o fito de evitar a greve, que concretiza-se com a impossibilidade de composição amigável.

Cumpre ainda frisar que a lei trouxe a denominada reforma trabalhista manteve inalterada a previsão legal sobre o exercício do direito de greve, previsto na Lei nº. 7.783/89, inclusive, com proibição de que tal direito seja transigido por meio de negociação coletiva, conforme artigo 611-B, incisos XXVII e XXVIII da CLT.

Contudo, a greve pode estar impregnada de irregularidades, que podem a tornar abusiva, trazendo penalidades para as partes envolvidas, vejamos.

A Constituição Federal em seu artigo 9º, §2º, prevê a punição dos grevistas que abusarem do direito de greve.

Entende-se por abuso de direito todo ato que seja exercitado em desacordo com a lei, desde que não seja praticado em legítima defesa ou em exercício regular de direito. O abuso de direito importa em negar o direito e fundamentalmente em afrontar a própria ordem jurídica, criando uma situação de exceção que não pode ser tolerada, sob pena de acarretar a subversão da própria ordem jurídica.

O abuso de direito é usualmente definido como o “exercício anormal ou irregular do direito, isto é, sem que assista a seu autor motivo legítimo ou interesse honesto, justificadores do ato, que, assim, se verifica e se indicado como praticado cavilosamente, por maldade ou para prejuízo alheio”.

As situações mais comuns de abuso do direito de greve são o descumprimento do aviso prévio da paralisação, a deflagração de greve sem assembleia geral, a realização de piquetes violentos, a ocupação ameaçadora de estabelecimentos, sabotagem nas instalações e nas máquinas da empresa, boicote aos serviços e produtos da empresa, agressão física a integrantes da classe patronal ou a dissidentes do movimento grevista, violência contra o patrimônio, faltas graves e delitos trabalhistas.

Em face das abusividades acima descritas é viável a aplicação da modalidade de demissão por Justa Causa, lembrando que a simples participação do trabalhador no movimento grevista não é justificativa legal para a aplicação de tal forma de rescisão contratual.

Em diversas situações existe a rescisão contratual irregular durante os movimentos grevistas, o que tem sido revertido junto ao judiciário, que corrobora apenas as demissões que estiverem regularmente fundamentadas em atos ou práticas que justifiquem a demissão, e estejam intimamente ligados a atos abusivos durante a greve, conforme a jurisprudência.

Logo podemos concluir que a greve é um direito resguardado aos trabalhadores, sem que a participação em tal ato lhes traga automaticamente a penalidade da rescisão contratual, sendo certo que a demissão por justa causa deve ocorrer exclusivamente quando preenchidos os requisitos legais, principalmente no que tange à abusividade da greve e dos atos praticados pelos trabalhadores.

Vejamos a jurisprudência nestes casos:

 DISSÍDIO COLETIVO - REQUISITOS DA LEI Nº 7.783/89 - INOBSERVÂNCIA - GREVE ABUSIVA - CONFIGURAÇÃO. 1. O movimento paredista teve início, e assim vem continuando, sem o cumprimento de diversos dispositivos da Lei nº 7.783/89, o que retira a regularidade e licitude de sua deflagração. Comprovado, quantum satis, que não foram atendidos os requisitos indispensáveis ao regular exercício do direito de greve por parte dos trabalhadores representados pelo suscitado, especificamente aqueles nomeados nos artigos 3º e 4º da Lei nº 7.783/89 (falta de prévia negociação, notificação com antecedência mínima de 48 horas e inexistência de decisão assemblear deflagradora do movimento), não há outra alternativa senão acolher o pedido formulado nas petições iniciais pertinente à declaração da abusividade da greve. A consequência disso, por óbvio, é o deferimento da postulação pertinente à desobrigação, pelo empregador, do pagamento dos salários correspondentes aos dias da paralisação.

(TRT-6 - DCG: 74812011506 PE 0000074-81.2011.5.06.0000, Relator: Agenor Martins Pereira, Data de Publicação: 25/04/2011)

RECURSO ORDINÁRIO. DISSÍDIO COLETIVO DE GREVE. GREVE ABUSIVA. INOBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS. A abusividade do movimento revela-se pelos aspectos formais delineados na Lei n.º 7.783/89. Efetivamente, não foram disponibilizados nos autos os documentos que comprovam a convocação da categoria para deliberar especificamente sobre a greve, a ata da assembleia respectiva e a notificação do segmento patronal acerca do movimento grevista. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. Alinha-se à jurisprudência desta Corte Superior o entendimento firmado na decisão recorrida, segundo o qual a condição de miserabilidade de pessoa jurídica tem de ser cabalmente demonstrada, sendo insuficiente a declaração firmada para tal fim. Recurso Ordinário integralmente desprovido.

(TST - RO: 1515820145070000, Relator: Maria de Assis Calsing, Data de Julgamento: 14/12/2015,  Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 18/12/2015) 

DISSÍDIO COLETIVO - GREVE ABUSIVA - MOVIMENTO ORQUESTRADO POR SINDICATO QUE NÃO DETÉM A REPRESENTAÇÃO DOS TRABALHDORES - INVIÁVEL. Abusa de um direito quem o detém. Sendo a greve organizada por sindicato que não representa os trabalhadores, não há falar em abusividade desta paralisação, restando, portanto, inadequada a via eleita para reconhecer a ilegitimidade do movimento e a partir daí fixar consequências jurídico-trabalhistas. Processo extinta sem resolução do mérito. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Dissídio Coletivo, com pedido de declaração de abusividade de movimento grevista, instaurado por ENESA ENGENHARIA S/A em face, originariamente, de SINDICATO DOS TRABALHADORES NA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO CIVIL, CONSTRUÇÃO PESADA, MOBILIÁRIO, ARTEFATOS DE CIMENTO E OBRAS DE ARTE DE SÃO LUÍS/MA e, após oposição ofertada, em face de SINDICATO DOS TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS METALÚRGICAS, SIDERÚGICAS, MECÂNICAS E DE MATERIAL ELÉTRICO, ELETRÔNICO, DE REFRIGERAÇÃO, DE INFORMÁTICA E NAS EMPRESAS DE MANUTENÇÃO E MONTAGEM NO ESTADO DO MARANHÃO, acordam os Desembargadores do Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região, por unanimidade, extinguir o processo sem resolução do mérito, nos termos deste voto.

(TRT-16 1245200100016006 MA 01245-2001-000-16-00-6, Relator: JOSÉ EVANDRO DE SOUZA, Data de Julgamento: 02/09/2008,  Data de Publicação: 03/10/2008) 

RECURSO DE REVISTA. JUSTA CAUSA. REVERSÃO. Segundo a decisão regional, houve paralisação de cerca de duas dezenas de empregados com a finalidade de reivindicar melhores salários e condições de trabalho. Conforme o Regional, “não é dado a um grupo de empregados, à revelia da entidade sindical, decidir por conta própria pela interrupção das atividades laborais com o intuito de discutir com o empregador matérias que, ordinariamente, devem ser negociadas no plano coletivo. Esta conduta, diferente do que sustenta o recorrente, caracteriza, sim, ato de indisciplina.” Além disso, a decisão atacada registra que “tendo sido ordenado aos empregados que retornassem às suas atividades após o encerramento da reunião, a não observância desta determinação configura manifesto ato de insubordinação”. Saliente-se que conclusão diversa demandaria o reexame de fatos e provas, pretensão vedada nesta Instância, nos termos da Súmula 126 do TST. Intactos, pois, os arts. 9º, caput, da CF e 1º, caput, da Lei 7.783/1989. Arestos inespecíficos. Recurso de revista não conhecido.

(TST - RR 325-55.2014.5.12.0056, Relator: DORA MARIA DA COSTA, Data de Julgamento: 02/09/2015, Data de Publicação: DEJT 04/09/2015) 

CONDUTA ANTISSINDICAL E DISCRIMINATÓRIA - GREVE PACÍFICA - RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO SOB A ALEGAÇÃO E PRÁTICA DE JUSTA CAUSA - RESPONSABILIDADE TRABALHISTA - dano moral. Os empregados deflagraram movimento grevista, em decorrência de alterações contratuais ilícitas e de más condições de trabalho. Havendo participado de greve, ainda que pacificamente, o Reclamante foi dispensado por justa causa, não tendo sido provado qualquer ato de violência ou o abuso do direito de greve, garantido constitucionalmente. O direito, inclusive o de greve e o de resistência individual ou coletiva, é conduta brotada da vida e destinada a servir e a disciplinar a própria vida, em suas múltiplas facetas, lapidadas por uma sociedade pós-industrial extremamente veloz e dinâmica, em cujo seio mecanismos de peso e contrapeso são indispensáveis para o equilíbrio do próprio sistema de produção. Fatos sociais e normas jurídicas evoluem para se tornar úteis, não podendo um se rebelar contra o outro, daí a importância do direito de greve, cujos parâmetros são traçados pela Lei 7783/89. A prova evidenciou que a rescisão por justa causa teve o caráter de retaliação, representando dispensa discriminatória e conduta antissindical. Ao assim proceder, agiu a empregadora de forma arbitrária, com o fito de punir e de intimidar os empregados, violando o princípio da liberdade sindical e menosprezando os preceitos constitucionais voltados à dignidade da pessoa humana, ao valor social do trabalho e à função social da propriedade. Em nosso ordenamento jurídico, a greve, assim como os atos e os movimentos que a precedem, constitui um direito fundamental de caráter coletivo, assegurado no art. 9º da Constituição, bem como na Lei 7783/89. Com essa conduta, a empresa relegou o trabalhador à ociosidade, descumprindo a principal obrigação do contrato, qual seja, a de proporcionar-lhe trabalho, tratando-o como mera mão de obra descartável, impondo-lhe desprezo e baixa auto-estima, pelo fato de ele haver exercido direito do qual era partícipe. Não bastasse isso, ficou fartamente comprovado que os procedimentos adotados para o pagamento da rescisão contratual foram desumanos e desrespeitosos, já que efetivado na cidade de Maringá/PR, sem o prévio fornecimento das condições materiais e financeiras, para que o Autor se deslocasse àquela cidade, onde seria realizado o acerto resilitório. O valor fixado para a indenização por dano moral deve, tanto quanto possível, guardar razoável proporcionalidade entre a lesão, a sua extensão, as suas consequências e a sua repercussão sobre a vida exterior e interior da vítima, inclusive sob a sua emoção e a sua psique. Tanto quanto possível, deve ter por objetivo coibir o agente a não repetir o ato ou compeli-lo a adotar medidas para que o mesmo tipo de dano não vitime a outrem. O arbitramento não deve ter por escopo premiar a vítima, nem extorquir o causador do dano, como também não pode ser estabelecido de modo a tornar inócua a atuação do Poder Judiciário, na solução desta espécie de litígio, que, a latere, acarreta consequências a toda coletividade. Portanto, o valor não deve ser fixado irrisoriamente, nem proporcionar uma reparação acima do razoável, cumprindo, assim, estritamente o seu importante caráter reparatório e pedagógico.

(TRT-3 - RO: 00167201313503009 0000167-40.2013.5.03.0135, Relator: Luiz Otavio Linhares Renault, Primeira Turma, Data de Publicação: 24/07/2014 23/07/2014. DEJT/TRT3/Cad.Jud. Página 184. Boletim: Não.)

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Sobre os autores
Anderson Fortti Pereira

Advogado pós graduado em Direito Civil, Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Camila Matsukura Evora

Advogada pós graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Raquel de Azevedo

Advogada pós graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Regina Markovits

Advogada pós graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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O presente artigo foi elaborado a fim de suprir a ausência de material compilado que trata da responsabilidade decorrente dos atos de greve nas aludidas áreas do direito.

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