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Aplicação do Código de Defesa do Consumidor às relações comerciais religiosas

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João Victor Nogueira de Araújo
João Victor Nogueira de Araújo
04/03/2018 às 21:30
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5 - CONCLUSÃO

Este artigo advoga pela possibilidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos produtos e serviços ofertados por figuras religiosas. Concluímos pela sua aplicação da leitura conjunta dos arts. 2º e 3º, CDC, e com a constatação da condição de vulnerabilidade dos fiéis.

 Em relação aos produtos, a primeira consequência lógica é a de que, caso ele venha com vício de qualidade ou quantidade, então é possível a aplicação do art. 18, CDC. No entanto, a questão realmente intrigante é saber se o consumidor poderia exigir a substituição do produto, a restituição imediata do valor pago ou o abatimento proporcional do preço caso o milagre ou bênção esperados pela aquisição do produto não se concretizasse em um prazo razoável. Entendemos que sim, eis que, comumente, a venda desses produtos é acompanhada de uma promessa de resultado, desnaturando uma obrigação de meio e configurando uma obrigação de resultado. Cabe ao fornecedor provar sua isenção de responsabilidade, pois nesse caso haveria inversão do ônus da prova.

No caso dos serviços religiosos, chegamos à conclusão de que eles são indiretamente remunerados via doações, dízimos e similares, acarretando a aplicação do CDC visto o entendimento doutrinário e jurisprudencial atual. Caso a figura religiosa prometa determinado resultado, então o resultado há de se concretizar, ou então é possível pleitear uma das possibilidades previstas no art. 20, CDC, inclusive nulidade da doação (remuneração indireta).

A tutela jurídica às religiões não pode servir como manto impenetrável para aplicação de dispositivos que conferem direitos ao consumidor. O judiciário brasileiro já conta com casos de anulação de doações pela configuração de coação moral, mas precisa ser mais arrojado, no sentido de caracterizar as relações religiosas comerciais como relações de consumo.


REFERÊNCIAS

An honest liar. Dir. Justin Weinstein e Tyler Measom. Perf. James Randi. Left Turn Films, Pure Mutt Productions e Part2 Filmworks, 2014.

CARVALHO, Mário. Religião e Relação de Consumo. Disponível em: < https://mariocarvalhoadv.jusbrasil.com.br/artigos/137105591/religiao-e-relacao-de-consumo>. Acesso em 04/02/2018.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. I, Parte geral. 7. ed. revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2009.

MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao código de defesa do consumidor. São Paulo: RT, 2003.

SILVA, Ivan Oliveira de. Relação de Consumo Religiosa: a vulnerabilidade do fiel-consumidor e a sua tutela por meio do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2012.

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. Imprenta: São Paulo, Revista dos Tribunais, 2013.

Youtube. Itens ungidos do Pastor Valdemiro e de Outros Pastores. Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=tK5YeD1IpK4>. Publicado em 11/01/2017. Acesso em 26/01/2018.

Youtube. Top 10 Evangélicos pedindo dinheiro. Disponível em:< https://www.youtube.com/watch?v=4rnH7F8kCiQ>. Publicado em 26/01/2017. Acesso em: 26/02/2018.

Youtube. Pastor pede R$ 1 milhão a fiéis e é desmascarado no altar. Disponível em:< https://www.youtube.com/watch?v=YliLTYuwXYk>. Publicado em: 14.01.2017. Acesso em 26/01/2018.


Notas

[2] Nos termos do CDC: “Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado”.

[3] Ressalve-se o caso de cartomantes ou videntes, onde a relação de consumo é caracterizada de forma mais nítida.

[4] No site da Assembleia de Deus (http://assembleia.org.br/donativos/), por exemplo, consta aba para doações online, com os dizeres “Escolha sua forma de doação” e em seguida são fornecidos diversos meios de pagamento, sendo eles cartão de crédito, cartão de débito, paypal, DOC, TED e depósito bancário.

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Sobre o autor
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João Victor Nogueira de Araújo

Advogado e Assessor Jurídico na Procuradoria de Assessoramento Jurídico à Chefia do Poder Executivo, na Procuradoria-Geral do Estado do Pará (PGE-PA). Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA), tendo sido honrado com láurea acadêmica por ter tido a maior média do curso. Foi membro da Clínica de Prevenção e Combate ao Superendividamento do CESUPA, do grupo de pesquisa "O Capital no Século XXI: Piketty e a Economia da Desigualdade" e monitor da disciplina Direito Constitucional I e II. Coautor do livro "O Capital no Século XXI: Piketty e a Economia da Desigualdade".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, João Victor Nogueira. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor às relações comerciais religiosas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5359, 4 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63943. Acesso em: 17 nov. 2024.

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