1. INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem como objetivo analisar o instituto do grupo econômico, sua caracterização e, principalmente, a extensão da responsabilização dos sócios, com enfoque na reforma trabalhista e nas alterações trazidas pela Lei nº 13.467, publicada em 14 de julho de 2017.
O tema em estudo é complexo, sempre teve grande importância e, considerando os avanços na situação econômica do Brasil, a relevância da sua discussão se torna cada vez mais imperiosa. Além disso, conforme se verá a seguir, o avanço na esfera legislativa, no tocante ao tema, além de necessário, era urgente, tendo em vista as novas estruturas de negócios que surgiram.
A falta de atualização na legislação trabalhista resultou em uma vasta jurisprudência que, inclusive, ia além de interpretar o Texto Consolidado, trazendo novos moldes à legislação através de súmulas e orientações jurisprudenciais. Com a atual situação do Brasil, que vive em crise institucional entre os Poderes, isso era preocupante.
Antes de adentrar ao tema, faz-se necessária uma abordagem do que é o empregador. Com o avanço da legislação, o empregador não é mais sinônimo de empresa, pois se tornou algo mais abrangente, tanto no aspecto conceitual, quanto na sua responsabilização, tendo em vista a personificação da figura do empregador e a complexidade das estruturas das empresas que, por suas vezes, trazem dificuldades ao julgador, o qual possui a difícil tarefa de responsabilizar a “pessoa” correta dentro daquela estrutura, como ocorre no caso de grandes grupos econômicos.
Em relação ao tema exposto aqui, a intenção não é esgotá-lo, mas fazer uma análise de seus aspectos gerais e específicos, destacando, inclusive, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica como grande ferramenta de garantia de satisfação integral do crédito por parte dos empregados.
Ao final, em análise à jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, serão destacados os avanços e as contribuições trazidos pelo Poder Judiciário na nova legislação do trabalho que, como se verá, ensejou mais segurança ao empregador, não deixando apenas ao critério do julgador a identificação do que seria ou não grupo econômico.
2. EMPREGADOR, EMPRESA E ESTABELECIMENTO: CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A princípio, acerca do empregador, empresa e estabelecimento, algumas considerações devem ser feitas, antes de se adentrar ao tema central deste trabalho. O conceito de empregador não pode ser confundido com o de empresa, sob pena de tal conceituação ser prejudicial à aplicação do instituto do grupo econômico, esculpido no artigo 2º, parágrafos 2º e 3º, da Lei Consolidada.
Ao lado do empregado, o empregador é sujeito da relação trabalhista e a sua definição é uma tarefa difícil para a doutrina que, por sua vez, busca parâmetros para estabelecer o conceito e, assim, delimitar a responsabilidade de cada um dentro dessa relação jurídica.
Partindo da premissa de que o Direito do Trabalho tutela e regula, precipuamente, a relação jurídica entre empregadores e empregados, tem-se que a CLT é o diploma legal que norteia e estabelece as condutas a serem seguidas pelos tutelados pelo Direito do Trabalho. Nada obstante todo esse aparato, a CLT, no artigo 2º, caput, define empregador como empresa individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação de serviços, colocando, dessa forma, o empregador como sinônimo de empresa.
A doutrina, por outro lado, busca interpretar tal conceito, adotado pela CLT, de forma com que o mesmo se afaste da atribuição de empregador como sinônimo de empresa. Amauri Mascaro Nascimento faz uma reflexão a respeito do tema, esclarecendo que a lei deveria mencionar que empregador é pessoa física ou jurídica, ao invés de empresa.[3]
Na mesma toada, a jurista Alice Monteiro de Barros robustece a crítica doutrinária a respeito da definição legal de empregador, mas entende que a intenção do legislador é enfatizar a figura do tomador de serviços como instituição que deverá sustentar os princípios da relação trabalhista, principalmente no que tange ao princípio da continuidade da relação de emprego.[4]
Sérgio Pinto Martins, na mesma linha dos autores antes mencionados, acrescenta que, para ser empregador, não é necessário ter personalidade jurídica. Como exemplo, ele cita a sociedade de fato, que não tem registrados os atos constitutivos, portanto, não conta com personalidade jurídica formal, mas possui obrigações disciplinadas pela CLT. Outro exemplo é o do empregador doméstico, que não é empresa, mas é empregador.[5]
A reforma trabalhista seria uma ótima oportunidade para a atualização literal do disposto no caput do artigo 2º, porém, isso não ocorreu. No entanto, em outros artigos, o legislador teve o cuidado de conceituar o contratante como pessoa “física ou jurídica”, como é o caso do artigo 5º-A do Texto Consolidado.
Toda essa discussão gira em torno da busca pela identificação de quem se utiliza da força de trabalho do empregado, quem contratou; e, muitas vezes, essa figura se esconde dentro da estrutura empresarial, de forma dissimulada.[6]
Octavio Bueno Magano, por sua vez, destaca, sob o prisma do Direito do Trabalho, que os conceitos de empregador, empresa, estabelecimento e empresário não podem ser confundidos. Este último é, conforme dispõe o artigo 966, caput, do Código Civil, é quem exerce profissionalmente a atividade econômica organizada, para a produção ou circulação de bens ou de serviços.[7]
Como se vê, para dar um ponto de partida ao estudo de grupos econômicos e das suas implicações dentro do Direito do Trabalho, deve-se partir da identificação de quem realmente está na condição de contratante/empregador, considerando que a definição e o papel do empregado na CLT estão bem definidos.
Sem a pretensão de esgotar todas as características da relação de trabalho, entre empregador e empregado, faz-se necessário abordar alguns elementos e institutos que nos levarão a uma melhor compreensão do tema central desta pesquisa.
A despersonalização do empregador não pode ser confundida com o instituto da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica – o que será objeto de abordagem no próximo capítulo. Aquela está disposta nos artigos 10 e 448 da CLT e diz respeito à garantia de continuidade na relação de emprego, na qual o vínculo empregatício está desvinculado da pessoa jurídica ou física do empregador, independentemente de sucessão empresarial.[8]
Tal garantia ao empregador deve ser aplicada em relação à pessoa física ou jurídica, nada obstante reste mais perceptível quando se trata de pessoa jurídica, no caso em que uma empresa sucede a outra. O que não se pode perder de vista é que o contrato de trabalho não é personalíssimo quanto à pessoa física ou jurídica que detém, provisoriamente, a empresa, ao contrário do que ocorre com o empregado.[9]
A impessoalidade, característica marcante na relação trabalhista, autoriza a alteração da pessoa do empregador, sem importar em prejuízo ao empregado, ou seja, modifica-se o sujeito passivo da relação empregatícia, mas o empregado permanece, inclusive, sem prejuízo de todos os seus direitos já adquiridos, sem rompimento algum do contrato de trabalho firmado pelo empregador anterior.[10]
Suzy Koury, citando o jurista alemão Enderman, divide totalmente as figuras da empresa e de seu proprietário, afirmando que ambos têm rumos próprios, são independentes, não podendo ser confundidos, considerando, ainda, que a empresa é quem forma o comerciante e não o contrário.[11]
Em verdade, a empresa tem que ser desvinculada da figura do proprietário, mas não de forma absoluta. A empresa, apesar de ter rumo próprio, principalmente nos tempos atuais, não está dissociada inteiramente do seu proprietário que, por sua vez, é quem compõe a empresa.
Em linhas gerais, a despersonificação do empregador tem como principal papel facilitar a identificação de quem é o devedor e o credor na relação trabalhista e garantir a continuidade da relação de emprego, mas não pode ser aplicada de forma absoluta, devendo atingir o proprietário sempre que houver a necessidade de se garantir o crédito ao empregado.
Além da despersonificação, outra característica importante do empregador deve ser mencionada. Trata-se da alteridade – assunção de riscos – que, como afirma a doutrina, é a transferência, para uma das partes, através do contrato de trabalho, de todos os riscos inerentes à atividade empresarial.[12]
O empregador, ao contratar ou estar na direção da atividade empresarial e, consequentemente, dos seus empregados, assume os riscos, tanto pelos atos praticados por estes, quanto pela falta de eficiência dos mesmos. É dizer que, segundo a doutrina dominante, o empregador não somente assume os riscos da atividade empresarial, como também os da relação jurídica.
Da mesma forma que a despersonificação não pode ser vista de forma absoluta, a alteridade também não pode ser caracterizada como exclusiva responsabilização dos empregadores por todos os atos dos seus subordinados. Isso porque o empregado será atingido pelos atos dos seus empregadores e, ainda, embora receba ordens capazes de evitar danos à empresa, pode não atendê-las de forma voluntária, o que o torna responsável por seus atos. O empregador pode dividir com o empregado, neste último caso, os riscos da empresa, na medida da responsabilidade deste último.
Ademais, o caráter absoluto, antes atribuído pela doutrina, quanto à assunção dos riscos pelo empregador pode ser rechaçado, ao se deparar com a participação nos lucros, por exemplo. Além disso, sabe-se que a alteridade é veículo de proteção salarial, mas, em acordos e convenções coletivas, até o salário pode ser convencionado, inclusive para reduzi-lo.[13]
Quanto ao conceito de empresa, este é associado muito mais à economia e à sociologia do que ao Direito. Sem dúvida, a empresa é um fenômeno que nem precisaria de conceito jurídico, ante a vasta conceituação que possui no meio econômico.[14]
Na economia, empresa pode ser denominada como a junção de meios pessoais, materiais e imateriais para um desígnio, tendo em vista um sujeito (ou mais de um sujeito, reunidos), com o fito de atender determinadas necessidades. [15]
Elizabeth Koury menciona que o conceito de empresa partiu do pensamento de Jean-Basptiste Say, que entendia que o empresário se sobrepunha ao patrimônio, colocando em evidência a atividade organizada por ele desenvolvida. A referida doutrinadora prossegue afirmando que, a partir de Alfred Marshall, foi possível visualizar a junção dos fatores de produção como meio de compreensão da empresa, através da coordenação desses fatores. [16]
Duas correntes podem ser destacadas, no que concerne ao conceito econômico de empresa. A primeira, corrente restritiva, aduz que empresa é a coordenação da produção de produtos, na qual se combinam preços de diferentes fatores da produção, disponibilizados por pessoa diferente da figura do proprietário da empresa, visando, com essa coordenação, a comercialização de produtos e serviços para a obtenção de lucros.[17]
Outra corrente é a extensiva, defendida por James e atribuída a Truchy, pela qual empresa é toda a estrutura independente que adentra ao mercado para a produção de produtos ou serviços.[18]
Ao analisar esses parâmetros, pode-se afirmar que a economia já cuidou de conceituar, com bastante precisão, a empresa. Tanto o fez, que todos esses conceitos são trazidos para o Direito de forma bastante clara, principalmente na CLT que, em seu artigo 2º, associa o conceito de empregador como sendo empresa, conforme já mencionado.
Nada obstante a farta conceituação no meio econômico, juridicamente, podem ser destacados os autores Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante, que dividem a compreensão de empresa em quatro vertentes:
a) a empresa expressando a atividade do seu fundador – nesse aspecto são inseridas as normas inerentes à empresa, como as condições de funcionamento e o registro;
b) a empresa como algo original, tutelada pela lei – podem ser destacadas, nessa vertente, todas as normas relativas à proteção efetiva da atividade empresarial, como, por exemplo, a repressão à concorrência desleal, proteção da marca, nome empresarial, etc.;
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c) a empresa como o conjunto de bens que forma o estabelecimento comercial, regulando a proteção do ponto comercial e a transferência da propriedade;
d) por último, mais próximo ao Direito do Trabalho, o entendimento ligado ao âmbito do relacionamento entre os sujeitos da relação trabalhista, tanto no aspecto hierárquico como no aspecto disciplinar.[19]
O último aspecto mencionado pode ser visto como o mais importante, no que tange ao Direito do Trabalho, considerando ser ele o de maior valor social, que trata da relação do empregador com o empregado, sem excluir os demais sujeitos envolvidos na atividade empresarial, como o fornecedor, por exemplo.
O estabelecimento não se confunde com a empresa, compreendendo coisas corpóreas, como instalações, máquinas, equipamentos, utensílios e outros, e, também, coisas incorpóreas, como a marca, as patentes, os sinais etc. No entanto, não se pode afirmar que a empresa se configure em uma unidade econômica, enquanto que o estabelecimento se caracterize como unidade técnica, haja vista que, em caso de a empresa possuir um único estabelecimento, a unidade econômica equivaleria à unidade técnica.[20]
Nessa linha, o artigo 1.142 do Código Civil preconiza que se considera estabelecimento “todo complexo de bens organizado para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária”.
Importante destacar que, em face da evolução das relações comerciais, o que conduziu a novas formas de organização do trabalho, o conceito de estabelecimento alcançou plena subjetividade quando se alude às atividades desenvolvidas no mundo digital. Isto porque, quando se fala em e-comerce ou em empresa exclusivamente digital, não se verifica a existência de estabelecimento físico, de acordo com o seu conceito tradicional, podendo ser este somente uma web page existente na internet. Há, também, as atividades desenvolvidas a partir de home offices, nas quais inexiste estabelecimento em seu sentido clássico, eis que ele seria a própria residência daquele que desenvolve a atividade.
Há, por fim, a hipótese dos veículos utilizados para o desenvolvimento de certa atividade comercial, que compreendem, por exemplo, os táxis, caminhões e outros tipos de veículo a motor, como embarcações marítimas, fluviais ou aéreas, que, embora não possam ser conceituados como estabelecimentos comerciais, nos moldes da definição tradicional, também são tidos como estabelecimentos na acepção da palavra. Em tais casos, a identificação do “estabelecimento” se dá pelo registro de propriedade do veículo nos órgãos de controle, tornando-se possível conceber que o taxista pode ser um empresário e que o seu veículo se caracterize como um estabelecimento.
3. GRUPO ECONÔMICO: CARACTERIZAÇÃO CONCEITUAL, RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA E RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS
O termo “grupo econômico” vem sendo utilizado, no Brasil, como correspondente à ideia de grupo de empresas, grupo societário, conglomerado de empresas. Não se pode perder de vista que o que se pretendia ter em mira, tradicionalmente, era o agrupamento econômico de pessoas jurídicas que compartilhem da mesma composição societária.
Edilton Meireles se vale da expressão “grupo econômico” para aludir à união entre diversas empresas, sem embargo de sua natureza jurídica, definindo, outrossim, grupo de sociedades, como a concentração de pessoas jurídicas de caráter societário.[21]
Importante, ainda, se proceder à referência ao tema da concentração econômica, haja vista ser o grupo econômico, a priori, um fenômeno de caráter econômico e não jurídico.
Não se olvida que a formação de grupos tem o escopo precípuo de conferir maior eficiência econômica às empresas, estando relacionada ao ato de concentração que, em outras palavras, quer dizer “concurso, convergência, reunião, aglomeração”.[22]
Quando se tem em mira os grupos econômicos, percebe-se que tal concentração resta caracterizada pela reunião de pessoas e bens à luz de um poder central. Amador Paes de Almeida, ao abordar o tema, preleciona que a concentração do poder econômico constitui uma das características essenciais do capitalismo moderno, representando uma espécie de integração de operações conexas, realizadas por uma empresa, muitas vezes através de associação de estabelecimentos, com a conformação das denominadas “pirâmides de empresas”, as quais possuem personalidade jurídica própria, estando, no entanto, interligadas por interesses comuns e submetidas ao controle de um mesmo grupo.[23]
Aliás, nesse aspecto, Waldírio Bugarelli, considerando o mencionado grau de domínio, ensina que a concentração pode ocorrer por coordenação - como na hipótese de cartéis e consórcios -; ou por subordinação - como se dá no caso dos grupos econômicos -, sendo certo que a dita concentração pode se dar com ou sem a perda da personalidade jurídica.[24]
Todavia, entendemos que, nada obstante o tema da concentração econômica possua relevância para o estudo do grupo econômico, em especial no que tange à seara trabalhista, o aprofundamento específico desse assunto não constitui escopo precípuo desta pesquisa, que almeja examinar as dimensões da responsabilidade dos grupos econômicos na esfera trabalhista e sua interpretação pela jurisprudência pátria.
3.1. Conceito, tipologias e outras considerações oportunas
A legislação brasileira não contempla um conceito objetivo de grupo econômico. Noutro giro, as legislações civil, societária e trabalhista possuem alguns dispositivos acerca do tema, que indicam um caminho a ser trilhado pelo operador do direito, nada obstante não tragam um conceito preciso.
O conceito legal de grupo econômico, na lição de Alice Monteiro de Barros, se originou da Lei nº 435, de 17 de maio de 1935, cuja redação de seu artigo 1º se assemelha aos termos do atual § 2º, do artigo 2º, da CLT. Deste dispositivo, extrai-se, inclusive, que o legislador pouco se voltou a definir grupo econômico, objetivando, em verdade, enfatizar a responsabilidade solidária entre empresas que o conformem. Em suma, o § 2º, do artigo 2º, da CLT, cuida da responsabilidade solidária das empresas pertencentes a um grupo econômico, não versando, especificamente, sobre a conceituação deste último.
Por sua vez, a Lei nº. 6.404/1976, alterada pela Lei nº. 10.303/2010, em artigo 265, dispõe a respeito do tema, enfatizando que sociedade controladora e suas controladas podem constituir grupo de sociedades, desde que convencionalmente, no escopo de realizar certos objetos, participar de atividades ou desempenhar empreendimentos comuns.
A mesma lei citada, em seu artigo 266, trata da natureza do grupo de sociedades, ao dispor que cada sociedade conservará personalidade e patrimônios distintos, e que as relações, a estrutura e a coordenação ou subordinação dos administradores serão convencionados no grupo.
Importante ressaltar que as definições aqui mencionadas são voltadas para os grupos de sociedades de direito, mas, no Direito brasileiro, principalmente no Direito do Trabalho, vêm sendo aplicadas aos grupos de fato.
Conforme leciona o jurista Amador Paes de Almeida, a sociedade de sociedades é sinônimo de grupo de sociedades, considerando que as mesmas se reúnem com o intuito de concorrer com outros grupos. Tal definição nos remete ao conceito de holding, empresa controladora. No entanto, é de curial sabença que o conceito e a abrangência de grupo econômico vão além disso.[25]
Ao tratar do tema, a CLT não define especificamente, mas dispõe acerca da responsabilidade das empresas que integram o mesmo grupo econômico. Assim era antes da reforma e assim permaneceu após à reforma.
Elizabeth Koury aduz que o grupo econômico está relacionado à concentração, visando a unidade de direção entre pessoas jurídicas, gerando dependência entre elas, sem prejuízo da manutenção de suas respectivas personalidades jurídicas.[26]
Atualmente, a direção única entre as empresas não é suficiente para caracterizar a existência de grupo econômico, tendo em vista o disposto no § 3º, do artigo 2º, da CLT, que estabelece que “não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, ainda que administradores ou detentores da maioria do capital social, se não comprovado o efetivo controle de uma empresa sobre as demais”. Tal dispositivo é a maior novidade trazida pela reforma trabalhista, haja vista que se pode dele extrair que, nada obstante haja empresas com a mesma identificação no quadro societário, não há que se configurar grupo econômico se ambas forem independentes, ou seja, não contribuírem, uma com a outra, economicamente.
Como já exposto, o grupo econômico, segundo a doutrina, pode ser dividido em grupos de coordenação e de subordinação. Tal divisão é importante neste momento, pois trata do nível de controle entre as empresas integrantes do grupo. Assim, quando as empresas são independentes, uma da outra, juridicamente, pode-se dizer que integram um grupo de coordenação ou igualitário. Isso porque não há, entre elas, identidade de controle e hierarquia, mas há objetivos comuns a alcançarem, calcadas na reunião forças econômicas. Essa relação entre as empresas integrantes do grupo ocorre horizontalmente, uma vez que não há predominância no controle de uma sobre a outra.[27]
Por outro lado, o grupo econômico formado por subordinação tem como característica principal o controle predominante de uma empresa sobre as demais. Neste caso, tem-se a formação de grupo econômico de forma vertical.[28]
A doutrina dominante sustenta que o grupo formado por subordinação é aquele a que se referente a CLT no artigo 2º, § 2º, considerando que neste dispositivo o legislador, ao estabelecer as regras para caracterização de responsabilidade, menciona o controle de uma empresa sobre a outra, ou seja, a hierarquização. Ao se analisar a jurisprudência dos Tribunais pátrios, a questão aludida ainda é bastante delicada, porquanto, conforme se verá adiante, os Tribunais buscam aplicar a responsabilidade solidária, levando em consideração as novas formas de sociedade.[29]
A desembargadora Vólia Bomfim Cassar[30], ao criticar a atualização da legislação, aduz que esta:
“limita, para fins de solidariedade entre as empresas, os grupos econômicos apenas aos grupos por subordinação, isto é, aqueles em que há uma empresa controladora e empresas controladas, deixando de fora os grupos por coordenação geridos e administrados pelos mesmos sócios com confusão de pessoal, patrimonial ou de serviços. Aparentemente a vontade do legislador foi a de excluir as franquias, que também constituem modalidade de grupo horizontal”.
Vólia Bonfim Cassar prossegue aduzindo que, conforme se extrai da interpretação legal, foram excluídos, na alteração da CLT, os grupos horizontais. Nesse tipo de grupo, há independência administrativa entre as empresas, como, por exemplo, ocorre com as franquias, e aqueles em que, embora tenham, formalmente, sócios distintos, há, de fato, uma administração comum, com troca de empregados, mercadorias, ferramentas e meios de produção, como se fossem filiais de uma mesma empresa.
Outra consequência do grupo econômico é a formação de um único contrato de trabalho. Nesse sentido, é o posicionamento do TST, insculpido na Súmula 129, dispondo que “a prestação de serviços a mais de uma empresa do mesmo grupo econômico, durante a mesma jornada de trabalho, não caracteriza a coexistência de mais de um contrato de trabalho, salvo ajuste em contrário”. Conclui-se, através da análise da referida Súmula, que o entendimento do TST é o de que há a figura do empregador único. Por outro lado, ao final da Súmula 129, há a ressalva dos casos em que há ajuste em contrário, levando à ideia de que cada caso deve ser analisado em particular, para configuração, ou não, da existência de empregador único e, portanto, grupo econômico.
3.2. Responsabilidade: considerações iniciais
Entende-se por responsabilidade a assunção de obrigação, por uma pessoa, pelos seus atos ou de terceiros advindos de um ajuste. Tal obrigação é voluntária ou imposta por lei, e representa um elo que obriga uma pessoa a prestar algo em favor de outra.[31]
Em todos os campos do Direito, pode haver responsabilização por ato próprio ou de terceiro, civil e penalmente. Além disso, a doutrina entende que há a responsabilidade administrativa, considerando ser esta uma extensão da responsabilidade penal.[32]
Neste estudo, o que interessa é a responsabilidade civil, para a qual, segundo Priscila Mathias Rabelo de Morais, é fundamental a existência da relação jurídica, ou seja, a capacidade do agente de contrair direitos e obrigações. Assim, importante mencionar a relevância da teoria dualista, que explica a existência de dois elementos que compõem a obrigação, quais sejam, o débito e a responsabilidade. O primeiro, é o débito em si e o dever de pagá-lo; o segundo, é como o devedor fica diante da sua situação junto ao credor, podendo ser judicialmente chamado à lide para responder ação de execução em razão do débito.[33]
Ser responsabilizado civilmente é, portanto, empregar medidas necessárias para levar um sujeito a responder efetivamente por dano moral ou patrimonial, causado por si ou por terceiros - nos casos em que o ato não foi causado por este terceiro ou por determinação de lei.[34]
A responsabilidade civil é dividida em responsabilidade subjetiva e objetiva. A Subjetiva, insculpida no artigo 186 do Código Civil, possui como premissa a culpa, tendo em vista que a vítima necessita evidenciar o dano causado a ela, o ato que resultou no dano, o nexo de causalidade entre o ato ou omissão e o dano efetivo e, por último, a responsabilização daquele a quem ela está imputando a culpa.
Bittar, a respeito do responsável pelo dano causado, esclarece que, no Direito brasileiro, a responsabilidade civil pode ser atribuída não àquele que causou o dano diretamente, mas àquele que, com este, mantém alguma relação jurídica. É a chamada responsabilidade civil indireta, hipótese em que a culpa é presumida, mas não descartada dentre os critérios de responsabilidade.[35]
Na responsabilidade objetiva, constante do artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, por outro lado, o elemento culpa não deve ser comprovado pela vítima, bastando a comprovação do dano efetivo e do nexo de causalidade entre a conduta do agente causador do dano e a lesão causada à vítima.[36] Tal responsabilidade é conhecida como Teoria do Risco, pois ao causador do dano é atribuída a culpa, em razão do risco que o mesmo assumiu.
O risco, como fundamento da responsabilidade civil, enseja a obrigação de reparar o dano causado, derivado de uma atividade no interesse do responsável e, ainda, que esteja em seu controle, não havendo questionamento acerca da culpa.
Para aplicar a responsabilidade civil na seara trabalhista, o aplicador do direito tem que buscar, no direito comum, subsídio, tendo em vista que, na legislação do trabalho, não há matéria suficiente para suprir todas as necessidades do caso concreto. Conforme visto até aqui, não há, no Direito do Trabalho, legislação que trate especificamente da responsabilidade civil, salvo certas exceções.
Nada obstante a falta de dispositivo na Lei Consolidada sobre o tema, a Constituição Federal, desde a Emenda Constitucional 45/2004, contempla, em seu artigo 114, inciso V, a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar demandas oriundas das relações de trabalho, e não somente de relações de emprego, ou seja, a justiça trabalhista é competente para julgar ações de relativas a dano moral e patrimonial. Ainda na Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso XXVIII, há a previsão dos direitos do trabalhador, sem a exclusão da indenização a que este está obrigado quando incorrer em dolo ou culpa.
Com base nisso, é possível dividir a responsabilidade civil, no campo da Justiça do Trabalho, em três partes, quais sejam:
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a) empregador responsabilizado civilmente por ato do empregado;
b) empregado responsabilizado civilmente diante do empregador; e
c) empregador responsabilizado civilmente por dano causado ao empregado.
No que tange à primeira vertente de responsabilidade civil, há entendimento consolidado no STF de que “é presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto”, conforme se verifica da Súmula 341. Dessa forma, desnecessária é a comprovação da culpa por parte da vítima, importando, tão somente, a indicação de quem é o responsável pela vigilância direta do ofensor (empregado), bem como se o dano foi causado por culpa do preposto do empregador. Presume-se, com fulcro na Súmula 341, a culpa do empregador e, quanto ao preposto, este somente será responsabilizado se comprovada a culpa[37]. Em outras palavras, haverá a responsabilidade civil objetiva do empregador por todos os danos causados pelos seus empregados e prepostos a terceiros e, caso seja comprovada a culpa dos empregados, estes poderão ser responsabilizados, através de ação de regresso.
No que tange à responsabilidade civil do empregado diante do empregador, o artigo 462, § 1º, da CLT, prevê que “ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo” e que, “em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde que esta possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado”. Tal responsabilidade insculpida no artigo 462, apesar de aplicável, tem limitações legais, como por exemplo o disposto no artigo 82, § 1º, da CLT, que estabelece que o empregado deve receber, no mínimo 30% do seu salário em espécie. Destarte, havendo prejuízo causado pelo empregado, que exceda os limites legais, em relação à proteção salarial, o empregador fica adstrito a esses limites.
Por último, quanto à responsabilidade civil do empregador por dano causado pelo empregado, extraindo-se a interpretação do disposto no artigo 932, inciso III, do Código Civil, nos casos em que o dano é causado por ação ou omissão de outro empregado, pode-se concluir que a responsabilidade do empregador será objetiva. O empregador, por sua vez, terá o direito de aforar ação de regresso em face do empregado causador do dano. Este entendimento parte do pressuposto de que o empregador é o responsável pela exposição dos seus empregados aos riscos.[38]
Exclui-se da responsabilidade objetiva, obviamente, aquele empregado que, de propósito, provoca o acidente, com a intenção de obter alguma vantagem ou benefício. Não há que se falar em responsabilidade neste último caso, porque a culpa exclusiva da vítima é excludente de responsabilidade, assim como o fato de terceiro e o caso fortuito ou força maior.[39]
A responsabilidade pode, ainda, ser subsidiária ou solidária. Esta última vai ser tema de estudo do próximo tópico. Na responsabilidade subsidiária, que não é aplicável aos grupos econômicos, há a responsabilização do devedor principal e, somente de forma sucessiva, os demais devedores serão condenados ao pagamento da dívida. A subsidiariedade, na esfera trabalhista, ocorre nos casos de terceirização, pelo que se verifica da Súmula 331 do TST, e nos casos de subempreitada, para parte da doutrina que assim defende.
3.3. Responsabilidade Solidária
O estudo da responsabilidade solidária é de suma importância para o tema “grupo econômico”, pois a caracterização da sua formação enseja a responsabilização direita de todos os integrantes do grupo.
No artigo 264 do Código Civil, tem-se previsto que “há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda”. Daí se extrai que o credor pode optar por obter o seu crédito de qualquer daqueles que integram o grupo econômico, sem respeitar a ordem do patrimônio. Da mesma forma, o devedor, responsável solidário, eleito para pagamento da dívida, deve efetuar o pagamento integral e, querendo, pleitear o ressarcimento do valor pago em excesso dos demais devedores.[40]
O dispositivo seguinte - artigo 265 do Código Civil -, preconiza que a solidariedade não é presumida e resulta da lei ou da vontade das partes. Tal previsão legal nos remete à responsabilidade solidária advinda de dívida trabalhista e à responsabilidade dos sócios, conforme será visto adiante.
A solidariedade pode ser classificada de acordo com o número subjetivo dos integrantes dos polos, ativo e passivo, da obrigação. Classifica-se, portanto, a dita solidariedade em ativa, passiva ou mista. A primeira ocorre quando, identificada a pluralidade de credores, um apenas tem o direito de exigir o cumprimento da obrigação, não havendo maior relevância prática. A segunda, solidariedade passiva, ocorre quando, havendo mais de um devedor, o crédito puder ser exigido, pelo credor (ou credores), de parte ou da totalidade daqueles, a dívida que é comum a todos os ditos devedores. A solidariedade mista, por sua vez, ocorre quando as características das solidariedades ativa e passiva se encontram em uma mesma relação jurídica que enseja o cumprimento de obrigação.[41]
A responsabilidade solidária, na esfera trabalhista, ocorre em duas hipóteses: a primeira, na forma prevista no artigo 2º, § 2º, da CLT, que preconiza:
“sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego”.
A outra hipótese é a prevista no artigo 455 da CLT, que dispõe que o subempreiteiro é responsável pelas obrigações derivadas do contrato de trabalho que celebrar. Nesta última ocorrência de solidariedade, há entendimento no sentido de que essa responsabilidade é subsidiária, conforme defendem Alice Monteiro de Barros[42], Octávio Bueno Magano[43]e Sérgio Pinto Martins[44].
3.4. Responsabilidade dos Sócios: extensão e limites
Partindo-se da premissa de que a responsabilidade patrimonial é instituto de natureza processual e tem em seu escopo a satisfação de uma obrigação, pode-se, no Direito Civil, classificá-la em duas categorias: primária e secundária. A responsabilidade primária, insculpida no artigo 789 da Lei Civil Adjetiva, preconiza que o devedor responde pelo cumprimento de todas as suas obrigações com todos os bens presentes e futuros, salvo as restrições legais.[45] A responsabilidade secundária, por outro lado, está inserida no artigo 790 do CPC, tratando-se de sujeição de terceiros, pessoa diversa do devedor, a constrições de bens, para satisfação do crédito, pelo credor.
Na esfera trabalhista, o entendimento é de que a responsabilidade patrimonial seja de natureza primária, pois, de maneira geral, o devedor é o empregador. No entanto, isso vem sendo modificado, considerando não ser mais o devedor apenas aquela pessoa física ou jurídica que contrata os serviços do obreiro, mediante contraprestação. A figura do responsável pela satisfação do crédito trabalhista passa a ser aquela que se beneficia dos serviços do empregado. Logo, percebe-se um alargamento da natureza da responsabilidade primária.
No Direito Civil e Empresarial, é possível verificar uma abrangência maior das definições acerca do que representa a responsabilidade patrimonial dos sócios e diretores de uma sociedade empresária. Por outro lado, o alcance da responsabilidade dos sócios visa a proteção e a garantia do recebimento do crédito pelo empregado.
A responsabilização dos sócios e diretores, no Direito do Trabalho, está voltada ao cumprimento de obrigações junto ao empregado, na fase de execução. Tal responsabilidade nos remente ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresária, para alcançar o patrimônio dos diretores e sócios e, dessa forma, garantir o recebimento do crédito.
Antes da reforma trabalhista, não havia, na CLT, menção à desconsideração da personalidade jurídica, utilizando-se, por analogia, o previsto no artigo 28 do CDC, que, em síntese, dispunha que a mera insuficiência financeira da empresa poderia acarretar a execução direta dos sócios. Além desse dispositivo, trata do assunto o artigo 50 do Código Civil.[46]
Tais dispositivos do CDC e do Código Civil não serão mais a base para aplicação da desconsideração, pois houve a inclusão, na CLT, do artigo 855-A, que determina “a aplicação ao processo do trabalho do incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto nos artigos. 133 a 137 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 - Código de Processo Civil”. O parágrafo 2º, do artigo 855-A da CLT, estabelece, ainda, que “a instauração do incidente suspenderá o processo, sem prejuízo de concessão da tutela de urgência de natureza cautelar de que trata o art. 301 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 Código de Processo Civil.”
Nessa toada, a nova legislação trabalhista trata a desconsideração na forma prevista no CPC, ou seja, ela é um incidente que deverá ser processado em apartado, suspendendo-se a execução. Nesse aspecto, pode-se dizer que tal incidente trouxe maior segurança jurídica para sócios das empresas e para a execução trabalhista, tendo em vista que, para que seja considerada a responsabilidade direta do sócio ou diretor da sociedade, terá que haver um incidente processual, respeitando-se os princípios da ampla defesa e do contraditório.[47]
Desconsiderar a personalidade da pessoa jurídica é, pois, a forma de fazer com que ela se ajuste ao fim para o qual foi criada, afastando, dessa forma, práticas que a desvirtuam. O uso indevido e desonesto da empresa é suficiente para lhe tirar o privilégio que ela possui, caracterizado pela separação patrimonial que, neste caso, há de ser descartada.