Capa da publicação Grupo econômico: como ficou a responsabilidade dos sócios após a reforma trabalhista
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Grupo econômico: caracterização e extensão da responsabilidade dos sócios, à luz da reforma trabalhista

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4. A JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS PÁTRIOS ACERCA DO TEMA: TENDÊNCIAS E DISTORÇÕES

A respeito do tema, o Tribunal Superior do Trabalho editou duas Súmulas e uma Orientação Jurisprudência. A Súmula 129 prevê que “a prestação de serviços a mais de uma empresa do mesmo grupo econômico, durante a mesma jornada de trabalho, não caracteriza a coexistência de mais de um contrato de trabalho, salvo ajuste em contrário”.

A Súmula nº 205, cancelada pela Resolução 121/2003, preconizava que “o responsável solidário, integrante do grupo econômico, que não participou da relação processual como reclamado e que, portanto, não consta no título executivo judicial como devedor, não pode ser sujeito passivo na execução”.

A Orientação Jurisprudencial 411, por sua vez, ao tratar de aquisição de empresa pertencente a grupo econômico, determina que “o sucessor não responde solidariamente por débitos trabalhistas de empresa não adquirida, integrante do mesmo grupo econômico da empresa sucedida, quando, à época, a empresa devedora direita era solvente ou idônea economicamente, ressalvada a hipótese de má-fé ou fraude na sucessão”.

Após o cancelamento da Súmula 205, é possível verificar que houve mudança no entendimento dos Tribunais Regionais e Superior, os quais entendem ser possível a inclusão, no polo passivo da execução, de pessoa jurídica que não era integrava a demanda, na fase de conhecimento.

O julgado abaixo representa essa mudança ou, ao menos, um avanço no entendimento do Tribunal Superior, pois traz um exemplo de configuração de grupo econômico de empresas, cuja discussão girava em torno do reconhecimento da existência de grupo econômico, no caso de sucessão de empresas.

“RECURSO DE REVISTA EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. AMADEUS BRASIL LTDA. GRUPO ECONÔMICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. MATÉRIA FÁTICA. O Tribunal Regional, soberano na análise da matéria fática, registrou que, embora a empresa AMADEUS tenha tido parte de suas ações titularizadas pela VARIG e pela FRB, não há nos autos nada que as identifique como inseridas no contexto de administração, controle, direção ou coordenação comum. O exame da tese recursal, no sentido de tratar de grupo econômico, esbarra no teor da Súmula nº 126 do TST, pois demanda o revolvimento dos fatos e das provas. Recurso de revista de que não se conhece.

TEMA REPETITIVO Nº 007. TAP MANUTENÇÃO E ENGENHARIA BRASIL S.A. ILEGITIMIDADE PASSIVA. GRUPO ECONÔMICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. EMPRESA QUE NÃO MAIS INTEGRA O GRUPO ECONÔMICO. Ao julgar o IRR-69700-28.2008.5.04.0008, esta Corte decidiu que, nos termos dos artigos 60, parágrafo único, e 141, II, da Lei nº 11.101/2005, a TAP MANUTENÇÃO E ENGENHARIA BRASIL S.A. não poderá ser responsabilizada por obrigações de natureza trabalhista da VARIG S.A. pelo fato de haver adquirido, em processo de recuperação judicial, a VEM S.A., empresa que compunha grupo econômico com a segunda. Decisão regional que se coaduna com esse entendimento. Recurso de revista de que não se conhece.

VRG LINHAS AEREAS S.A. AQUISIÇÃO DE ATIVOS DE EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. LEI Nº 11.101/2005. SUCESSÃO DE EMPREGADORES. GRUPO ECONÔMICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. INEXISTÊNCIA. Diante da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.934-2/DF, DJe de 05/11/2009, em que se declarou a constitucionalidade, dentre outros, dos artigos 60, parágrafo único, e 141, II, da Lei nº 11.101/2005, a atual jurisprudência desta Corte uniformizadora vem se direcionando no sentido da não ocorrência de sucessão trabalhista, em hipótese como a destes autos, em que a reclamada VRG Linhas Aéreas S.A., por meio da Varig Logística S/A - VarigLog, adquiriu a Unidade Produtiva da Varig (UPV), mediante leilão público, realizado em sede de processo de recuperação, nos termos da referida Lei nº 11.101/2005. Precedentes. Mesmo quando haja o reconhecimento de formação do grupo econômico preexistente à alienação de ativos da empresa em recuperação judicial, esta Corte tem decidido pela ausência de responsabilidade solidária daquela que adquiriu a unidade produtiva. Precedentes. Correta a decisão regional. Recurso de revista de que não se conhece.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO INTEGRAL. DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO. ARTIGOS 389, 395 E 404 DO CÓDIGO CIVIL. APLICAÇÃO AO PROCESSO DO TRABALHO. Ressalvo meu posicionamento pessoal, no sentido de que são plenamente aplicáveis ao processo do trabalho os artigos 389, 395 e 404 do Código Civil, que consagram o Princípio da Restituição Integral e garantem, assim, a inclusão dos honorários advocatícios dentre as consequências oriundas do inadimplemento da obrigação. Não se trata, data venia, de discussão em torno da preservação, nesta Especializada, do jus postulandi e, por isso mesmo, não há conflito com os precedentes calcados na Súmula nº 219 do TST, que permanece incólume. Todavia, por disciplina judiciária, adoto a jurisprudência da SBDI-1 desta Corte, que rejeita a aplicação desses dispositivos no processo trabalhista, conforme julgamento do E-RR-20000-66.2008.5.03.0055, na sessão de 20/03/2014. Recurso de revista de que não se conhece.

(TST - RR: 471005320095020066, Relator: Cláudio Mascarenhas Brandão, Data de Julgamento: 27/09/2017, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 06/10/2017).”

Ademais, o entendimento atual dos Tribunais pátrios é o de que, comprovada a existência de grupo econômico, analisando todos os aspectos deste instituto, toda e qualquer pessoa jurídica pode ser incluída na execução, ainda que não tenha participado da fase de conhecimento.

A alteração da CLT inclui o § 3º, no artigo 2º, traduzindo o entendimento consolidado do Tribunal Superior do Trabalho, ao determinar que “não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes”. Ao analisar a jurisprudência pátria atual, verifica-se que há uma busca dos Magistrados pela melhor solução do litígio, caso a caso, considerando o nível de envolvimento de empresas integrantes do grupo econômico.

A jurisprudência já vinha caminhando para este entendimento, conforme se verifica da análise do trecho da fundamentação do julgamento do Recurso Ordinário 0011241-15.2013.5.01.0049[48], do Tribunal Regional da 1ª Região, in verbis:

“(...) não há, assim, para configuração do grupo econômico, necessidade da existência de uma holding, de uma empresa que centralize, administre e coordene as demais empresas. (...) Outrossim a existência de personalidade jurídica distinta não afasta tal figura jurídica, já que grupo econômico, por definição, é formado por empresas distintas, conforme dispõe o § 2º, do art. 2º, da CLT. A personalidade jurídica distinta, portanto, é pressuposto lógico-jurídico do instituto da solidariedade, e não impeditivo a ele. O que caracteriza o grupo econômico, e impõe a solidariedade entre as empresas que o compõem, é a inter-relação entre as diferentes pessoas jurídicas em nível administrativo ou financeiro, caracterizando a existência de direção ou de coordenação entre as empresas (...).”

Em verdade, a alteração na CLT, acrescentando o parágrafo 3º, ao artigo 2º, só veio a corroborar o entendimento dos Tribunais pátrios. Ao julgar o RR-191700-17.2007.5.15.0054[49], a Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho deu provimento ao recurso da empresa Engefort Sistema Avançado de Segurança Ltda., afastando a responsabilidade solidária pelo pagamento de verbas trabalhistas devidas a um empregado da Fortservice Serviços Especiais de Segurança S/S Ltda. A dita empresa havia sido condenada pelo TRT da 15ª Região, porque havia identidade de sócios. A Engefort recorreu ao TST, alegando que o Tribunal Regional havia violado o princípio da legalidade. O argumento da empresa foi o de que, conforme o Texto Consolidado, somente se admite grupo econômico formado verticalmente, por ser indispensável a existência de sujeição entre as pessoas jurídicas. O relator do recurso assinalou que, segundo a jurisprudência do TST, a mera existência de sócios em comum e de relação de coordenação entre as empresas não constitui elemento suficiente para a caracterização do grupo econômico.

A Teoria da desconsideração da personalidade jurídica, conforme já mencionado neste artigo, passou a ter previsão legal na CLT, no artigo 855-A, mas já vinha sendo utilizada nos Tribunais do trabalho, sem muitos contornos criteriosos, considerando que os V. Acórdãos não se pronunciavam objetivamente a respeito das condutas delituosas que ensejavam a desconsideração.

O Tribunal Superior do Trabalho, ao se deparar com o tema, fazendo uso da Sumula 266 e do artigo 896, § 2º, da CLT, esbarra na discussão teórica a respeito da desconsideração, nos requisitos de admissibilidade, sob o fundamento de que não há, no recurso, ofensa direita à Constituição Federal.

Nada obstante a falta de discussões aprofundadas, no Tribunal Superior, no que tange à caracterização de grupo econômico e a consequente desconsideração da personalidade jurídica, aquele é de difícil identificação, salvo nos casos de notoriedade do conglomerado de empresas no mercado.


5. CONCLUSÃO

Após décadas, finalmente, ocorreu a tão esperada reforma trabalhista, que alterou, em muitos aspectos, a forma com que a Lei Consolidada lida com vários temas. Apesar da necessária mudança, em razão do avanço na estrutura das empresas e das relações interpessoais, a CLT cumpria o seu papel, através dos seus dispositivos e da atuação ativa do Poder Judiciário.

Conforme se extrai do texto do artigo 2º e seus parágrafos, percebe-se que o legislador perdeu a grande oportunidade de estabelecer conceitos objetivos de empregador e de fixar critérios que não sejam tão abertos em relação à responsabilização de empresas integrantes do grupo econômico.

Havia a necessidade de se definir critérios mais rigorosos de responsabilização, direta ou indireta, de todas as pessoas, físicas ou jurídicas, que se beneficiam do trabalho do obreiro. Por outro lado, a CLT incluiu, no artigo 855-A, a desconsideração da personalidade jurídica, fazendo alusão à aplicação subsidiária do CPC, o que, por sua vez, trouxe mais segurança jurídica às empresas, que contarão com um procedimento único, através de um incidente que será processado em apartado, respeitando os princípios do contraditório e da ampla defesa.

Pela análise da jurisprudência dos Tribunais pátrios, nos últimos anos, nota-se que as tendências das decisões judiciais contribuíram, de forma efetiva, para a alteração da legislação trabalhista, a qual passa a contar com dispositivos que corroboram a atual jurisprudência dominante e, ainda, garantem aos integrantes da relação trabalhista maior segurança jurídica.

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6. REFERÊNCIAS

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Sobre os autores
Gerlane Cristina da Silva Bossi d’Oliveira

Advogada. Pós-graduada em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). Pós-graduanda em Advocacia Pública pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Bruno Loureiro Bossi d'Oliveira

Advogado. Pós-graduado em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento pela Universidade Candido Mendes (UCAM). Doutorando em Direito pela Universidade Nacional de Lomas de Zamora/Argentina (UNLZ).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

D’OLIVEIRA, Gerlane Cristina Silva Bossi ; D&#39;OLIVEIRA, Bruno Loureiro Bossi. Grupo econômico: caracterização e extensão da responsabilidade dos sócios, à luz da reforma trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5553, 14 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63944. Acesso em: 26 abr. 2024.

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