Sobre o livre(?) acesso ao Poder Judiciário

05/02/2018 às 13:05
Leia nesta página:

Nesse pequeno artigo, retrata-se a realidade vivenciada para acesso ao Judiciário no Estado de São Paulo, que resta inviabilizado, de início, pelo valor das custas processuais.

“Sobre o livre(?) acesso ao Poder Judiciário”

Era uma vez um jurisdicionado.

Participou de uma licitação em Santos, interior de São Paulo, para realização de obra pública no valor de R$ 50 milhões.

Foi ilegalmente inabilitado no certame. Recorreu administrativamente. Negado provimento ao recurso.

Inconformado, procurou o Poder Judiciário paulista para ver prevalecer, como deve mesmo ser, o império da Lei. O art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal,[1] o ampara na situação.

Constituiu advogado para o intento. Orientado a respeito da necessidade de eventual necessidade de dilação probatória, anuiu com a propositura de ação ordinária em vez de mandado de segurança. Daí a surpresa!

A Tabela de Custas do Judiciário Paulista, gentilmente disponibilizada no sítio eletrônico da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional São Paulo,[2] traz a notícia: “Para petições iniciais, a Taxa Judiciária é de 1% (um por cento) sobre o valor da causa no momento da distribuição ou, na falta desta, antes do despacho inicial.”

O art. 292, inciso II, do Código de Processo Civil vigente, estipula que o valor da causa constará da petição inicial e será na ação que tiver por objeto a existência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor do ato ou o de sua parte controvertida”.

Entendido que o valor da causa, no caso concreto, seria o valor do contrato em disputa – R$ 50 milhões – o valor das custas seria, portanto, de R$ 500 mil! Esse mesmo. Imagine-se que, para ingressar com uma ação judicial, sabe-se lá que resultado terá, o autor deve desembolsar, de início, meio milhão de reais!

Mas (há sempre um mas), o Judiciário paulista, ciente de que tais situações poderiam ocorrer e, na prática, inviabilizar totalmente o acesso à Justiça, criou um limitador, na mesma Tabela de Custas:

“Deverá ser observado o valor mínimo de 5 (cinco) e máximo de 3.000 (três mil) UFESPs - Unidades Fiscais do Estado de São Paulo, segundo o valor de cada UFESP vigente no primeiro dia do mês em que deva ser feito o recolhimento.

Para o exercício de 2018, o valor da UFESP é de R$ 25,70.”

Feitas as contas, considerando que o valor máximo da Taxa Judiciária foi atingido, o pagamento inicial, afora outras taxas e cobranças feitas naquela Instância,[3] seria de R$ 77.100,00! Esse mesmo.

Imagine-se, agora, o jurisdicionado que procura o Poder Judiciário para não ver desrespeitado direito seu, tomar conhecimento desta notícia:

“- o senhor deve pagar, apenas para a ação começar, o valor inicial de R$ 77.100,00. Afora honorários advocatícios e outras despesas. Daí é só aguardar alguns anos e, se tudo correr bem, terá seu direito assegurado ao final.”

Por óbvio, o jurisdicionado desistiu da ação e de corrigir o ato ilegal, que foi, por vias transversas, perpetuado no seio da Administração, dando azo a contrato viciado fruto de procedimento licitatório com igual pecha.

Uma obra pública no valor de R$ 50 milhões não é uma obra pequena. Mas também não é grande, haja vista algumas delas chegarem à casa dos bilhões de reais. O jurisdicionado deve sempre sopesar estes aspectos na hora de tomar a decisão de seguir adiante ou não.

No caso vertente, o jurisdicionado, caso se sagrasse vencedor na lide judiciária, ainda correria o risco de não celebrar o contrato, pois o objeto da obra poderia até já ter sido executado por outra empresa, pois a Administração não aguardaria o desfecho da lide para adotar as providências protetivas ao interesse público que lhe cabem.

Se celebrasse o termo contratual e de fato executasse a obra, descontados os valores despendidos com a ação judicial, o jurisdicionado poderia ainda amargar prejuízos com toda a operação, pois os lucros que obteria com a execução da obra pública poderiam ter se esvaído na lide judiciária.

Com um cenário desses, não é possível imaginar que o acesso à Justiça esteja franqueado e factível como deseja a Constituição Federal.

Bem sopesados os valores econômico-financeiros em questão, o Direito vindicado permaneceria violado e, pior, perpetuando-se no seio da sociedade brasileira como praga a perpetuar tantos desmandos que, no dia a dia, procuramos evitar e corrigir.

Com a palavra, enquanto ainda há tempo, o Poder Judiciário paulista.


[1] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

[2] Disponível em http://www.oabsp.org.br/servicos/tabelas/tabela-de-custas/justica-estadual. Acesso em 05 fev. 2018. Tabela atualizada em 22 jan. 2018.

[3] Taxa de Mandato Judicial, Diligências de Oficiais de Justiça, entre outras.

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Sobre o autor
Francisco de Assis Lima Filho

Advogado e Administrador de Empresas.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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