1 BREVES COMENTÁRIOS EM TORNO DO SISTEMA NACIONAL DE VIDEOCONFERÊNCIA DESENVOLVIDO PELO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – CNJ
A emblemática EC n. 45/2004, com é sabido, deu origem ao CNJ, atribuindo a tal órgão, integrante do Poder Judiciário do país, competências peculiares as quais, nunca antes exercidas por qualquer órgão jurisdicional, cuidam de coordenar e balizar a atividade da Justiça brasileira. Entre tais competências, arroladas especialmente nos incisos do § 4º do art. 103-B da Constituição Federal, encontra-se “zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências” (BRASIL, 1988, on-line, destaquei).
Com efeito, sensível à necessidade de adoção/utilização das novas tecnologias da informação e comunicação, o CNJ passou a regulamentar a utilização de tais ferramentas no âmbito do Poder Judiciário brasileiro, pela competência que lhe cabe, nos termos da Constituição e do Estatuto da Magistratura. Antes da criação, porém, do atual Sistema Nacional de Videoconferência, normatizado já vigência no Novo Código de Processo Civil, o CNJ publico, ainda em 2010, a Resolução n. 105, de 6 de abril daquele ano, a qual sofrera alterações em 2016, conforme se verá.
Nesse sentido, o presente trabalho analisa, brevemente, os antecedentes de âmbito nacional, no seio do CNJ, em torno da utilização dos meios de transmissão audiovisual, culminando na criação do SNV/CNJ. Uma análise mais aprofundada, todavia, não foi possível dada a carência de trabalhos sóbrios no assunto, outrossim pela não-implantação do Sistema em todas as unidades da Federação, conforme mandam a própria Resolução estudada e também o Novo Código de Processo Civil. Conclui-se com uma também breve análise do Sistema, de seu acesso, interface e primeiros problemas percebidos.
1.1 A Resolução n. 105, de 6 abril de 2010, do Conselho Nacional de Justiça, e a criação do Sistema Nacional de Videoconferência
A Resolução n. 105/2010/CNJ, ladeando as experiências realizadas nas na Justiça Comum dos estados e do Distrito Federal e na Justiça do Trabalho, foi o primeiro normativo de caráter mais abrangente a tratar da utilização de videoconferência ou meio análogo no âmbito jurisdicional. A necessidade de um regramento de caráter nacional, o qual só poderia ser pensado, elaborado e publicado pelo CNJ, consubstanciou-se na referida Resolução, a qual dispõe, conforme seu próprio cabeçalho, “sobre a documentação dos depoimentos por meio do sistema audiovisual e realização de interrogatório e inquirição de testemunhas por videoconferência” (BRASIL, 2010, on-line).
O termo “documentação” já salienta, per se, o caráter instrutório do procedimento, que não serviria apenas como meio de comunicação de atos processuais, mas, também, e principalmente, como via de coleta de prova testemunhal. A Resolução n. 222, de 13 de maio de 2016, já na vigência do NCPC, alterou timidamente o art. 1º da Resolução, prescrevendo que o CNJ “desenvolverá e disponibilizará a todos os tribunais sistemas eletrônicos de gravação dos depoimentos, dos interrogatórios e de inquirição de testemunhas por videoconferência” (BRASIL, 2010, on-line). O dispositivo incumbe ao órgão federal o desenvolvimento da tecnologia, de modo a uniformizar o procedimento.
A concentração de tal prerrogativa no âmbito do CNJ, vale dizer, importa para que não haja problemas de incompatibilidades entre o sistema utilizado por um foro e o utilizado em outra comarca. Exempli gratia, no caso de um juizado no interior do estado do Ceará utilizar determinada VPN e determinado software para comunicação em audiovisual, como faria para comunicar-se com uma vara localizada em Palmas/TO a qual utilize rede e programa diversos? O dia-a-dia dos usuários do PJe e do e-SAJ afirma, com todas as letras, que, mesmo com a uniformização dos procedimentos, é tantas vezes dificultoso o trabalho com o sistema – quem dirá em face de sistemas distintos.
Com efeito, o § 2º do referido dispositivo, incluído pela Res. n. 222/2016, traz requisitos que tais procedimentos precisarão obedecer:
§ 2º Os documentos digitais inseridos no Repositório Nacional de Mídias para o Sistema PJe serão considerados, para todos os efeitos, peças integrantes dos autos eletrônicos do processo judicial correspondente e observarão: (Incluído pela Resolução nº 222, de 13.05.16)
I) o número único do processo judicial, nos termos da Resolução CNJ 65/2008; (Incluído pela Resolução nº 222, de 13.05.16)
II) o localizador padrão permanente de acesso ao conteúdo da informação (URL), na rede mundial de computadores; (Incluído pela Resolução nº 222, de 13.05.16)
III) os requisitos dispostos no art. 195 do Código de Processo Civil, de autenticidade, integridade, temporalidade, não repúdio, conservação e, nos casos dos que tramitem em segredo de justiça, confidencialidade, observada a infraestrutura de chaves públicas unificada nacionalmente, nos termos da lei. (Incluído pela Resolução nº 222, de 13.05.16). (BRASIL, 2010, on-line, destaquei).
O art. 4º da mesma Resolução exige que, em cada fórum, seja destinado um recinto todo organizado e equipado com o necessário (computador, televisão e câmera, no mínimo), além do acesso à internet, destinando-se ao cumprimento da “carta precatória pelo sistema de videoconferência, assim como para ouvir a testemunha presente à audiência una, na hipótese do art. 217 do Código de Processo Penal” (BRASIL, 2010, on-line). Tal “carta precatória”, assinalada pela Resolução, assegura que o procedimento de videoconferência ocorra entre órgãos judiciário – um deprecante e um deprecado, obviamente. Essa previsão retiraria qualquer informalidade do procedimento, uma vez realizado diante de autoridade judicante.
Para tanto, o art. 7º assegura ao acusado:
Art. 7º O interrogatório por videoconferência deverá ser prestado na audiência una realizada no juízo deprecante, adotado, no que couber, o disposto nesta Resolução para a inquirição de testemunha, asseguradas ao acusado as seguintes garantias:
I - direito de assistir, pelo sistema de videoconferência, a audiência una realizada no juízo deprecante;
II - direito de presença de seu advogado ou de defensor na sala onde for prestado o seu interrogatório;
III - direito de presença de seu advogado ou de defensor na sala onde for realizada a audiência una de instrução e julgamento;
IV - direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor, o que compreende o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor ou advogado que esteja no presídio ou no local do interrogatório e o defensor ou advogado presente na sala de audiência do fórum, e entre este e o preso. (BRASIL, 2010, on-line, destaquei).
Nessa senda, encimando as normas constantes de sua Resolução 105/2010, com as alterações perpetradas em 2016, e os dispositivos do Novo CPC que tratam do assunto, foi criado o Sistema Nacional de Videoconferência. Conforme relata Deborah Zampier (2015, on-line), o Sistema foi lançado ainda 2015, na 219ª Sessão Plenária do CNJ, com a finalidade de ser “testada e aprimorada até o final do ano para atender aos milhares de magistrados brasileiros”. Salienta ainda que, quando do lançamento do SNV:
O CNJ focou em um sistema próprio, com tecnologia confiável e de reduzido custo financeiro, que funcionará via internet, unindo tribunais e foros do país. A videoconferência pode ser usada para reuniões e para a execução de atos processuais, como oitivas e interrogatórios, reduzindo deslocamentos, gastos e emissão de cartas precatórias - documentos expedidos por um juiz a magistrados de outras comarcas solicitando ato específico. (ZAMPIER, 2015, on-line).
Conforme se encontra na página de apresentação do próprio Sistema , o sistema adveio para suplementar a chamada “Infovia” do Poder Judiciário, tecnologia a qual se utiliza “linhas de comunicação dedicadas e atualmente conectam as sedes dos tribunais entre si, bem como o CNJ e os Conselhos da Justiça Federal e Superior da Justiça do Trabalho” (SNV, 2015, on-line). Salienta-se, porém, que essa expansão, da Infovia ao SNV, não se pode dar em curto prazo de tempo, “seja em razão da sua complexidade, seja do ponto de vista econômico”.
Nesse sentido, a criação do SNV mais transpareceu um teste, conforme é salientado pelo próprio CNJ, do que a criação de um meio já efetivo de utilização da tecnologia de videoconferência, o que é compreensível, dadas as dimensões que a jurisdição brasileira possui, de números geográficos a processuais:
O presente projeto pretende testar sistema piloto que utiliza comunicação de áudio e imagem via rede mundial de computadores, na mesma direção de conhecidos sistemas oferecidos por grupos privados. O diferencial reside no controle que o Judiciário possui da tecnologia e da segurança no tráfego da informação, pois a utilização de soluções privadas, para os fins previstos nas disposições normativas mencionadas, pode não se mostrar uma opção viável. (SNV, 2015, on-line).
Diante de tais premissas, cumpre verificar alguns aspectos técnicos e práticos, ainda que básicos, acerca do acesso ao sistema.
1.2 Aspectos técnicos e práticos
O Sistema Nacional de Videoconferência ficou inicialmente aberto para todos os juízes do país, que o podem desde então acessar através do endereço eletrônico <https://vc.cnj.jus.br> , sendo, porém, necessário cadastro dos magistrados por meio do Controle de Acesso do Conselho Nacional de Justiça. Uma vez cadastrado, o magistrado poderá criar uma “sala”, como chama o próprio Sistema, por meio da qual o usuário poderá convidar participantes, os quais não precisarão estar cadastrados no SNV – o que, obviamente, facilita, no caso de necessitar do acesso de vários participantes. Consta do sítio do SNV que, “ao ser convidado para uma reunião, o usuário receberá um e-mail com um link da sala”, bastando “acessar esse link na data e hora em que a reunião está marcada para dar início à videoconferência”. (SNV, 2015, on-line).
Como requisitos mínimos para utilização do sistema, o portal indica a utilização de computador de mesa ou portátil com acesso à internet, munido de microfone, webcam e navegador (browser) do tipo Google Chrome®, versão 3.1 ou superior, ou do tipo Mozilla Firefox®, versão 3.8 ou superior. Assevera-se, ainda, que o programa não está preparado para rodar em aparelhos “mais portáteis” como tablets e smartphones. Também não é recomendado o uso de redes móveis (3G ou 4G). Por sua vez, como requisitos mínimos de rede nos Tribunais, prescreve-se:
Para que o Sistema Nacional de Vídeo Conferência funcione nas redes privadas dos Tribunais, protegidas por Firewalls, que utilizam protocolo de tradução de endereço de rede (NAT), é necessário que as configurações específicas sejam realizadas pelo pessoal de segurança de rede em cada localidade que for utilizar o sistema. (SNV, 2015, on-line).
O Sistema prevê ainda requisitos necessários para sua utilização por meio das redes privadas dos Tribunais – e. g., quando um Tribunal contrata uma empresa provedora de serviço de internet –, são necessárias algumas configurações, a serem perfeitas pelo pessoal de tecnologia da informação dos órgãos judiciais. O sítio do SNV assevera que, não respeitadas tais configurações, “somente serão possíveis comunicações internas. Qualquer pessoa que não esteja na rede interna do Tribunal, apesar de conseguir entrar na sala virtual de conferência, não será vista ou escutada” (SNV, 2015, on-line).
O SNV tem copyright de 2016, em nome do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça.
No endereço eletrônico <https://www.youtube.com/watch?v=cevQL-lBp08>, na plataforma de postagem de vídeos do YouTube®, pela conta/perfil associada ao Conselho Nacional de Justiça, há um vídeo explicativo, bem curto, apresentando o projeto, dando conta de que, futuramente, por meio do mesmo sistema, será possível também gravar as audiências. Publicado em 3 de novembro de 2015, o vídeo conta com pouco mais de 1.500 (mil e quinhentas) visualizações, o que aponta ainda a pouca divulgação da plataforma, quer entre possíveis usuários (necessariamente magistrados, pela forma com que se configura atualmente o cadastro), quer entre os cidadãos, diretos beneficiados com a celeridade e praticidade a ser trazidas pelo sistema.
1.3 Conclusões
A partir da análise do portal e da interface disponibilizada para os possíveis usuários, verifica-se que o Sistema Nacional de Videoconferência caminha para a efetivação do que veio a ser disposto pelo Novo Código de Processo Civil em matéria de utilização de videoconferência ou meio similar. Do que se pôde perceber de uma análise leiga – i. e., sem a expertise em matéria de sistema de informação, informática, computação –, o portal se presta ao que cumpre, valendo ressaltar que é justamente a opinião dos usuários, operadores do direito, que importa.
Nesse sentido, o que se percebeu é que o Sistema, inobstante as medidas de segurança da informação que devem ser tomadas, sem dúvida, deveria ser um pouco mais aberto a outros usuários que não os integrantes do sistema de justiça. Obviamente, esse registro mais abrangente, destinado a não-magistrados, deveria ser aberto tão somente a pessoas capacitadas para sua utilização e ligados, de alguma forma, à atividade, podendo-se estender à advocacia, à Defensoria Pública, ao Ministério Público, aos órgãos de conciliação e mediação de conflitos etc., todos obviamente sujeitos a registro e controle pela autoridade competente. Tal possibilidade permitiria que mais instâncias – sobretudo as extrajudiciais – pudessem se valer do sistema, criando uma cultura de solução virtual das demandas.
Até o momento, não se tem notícia de qualquer pesquisa que aponte um feedback dos magistrados que já vêm utilizando do Sistema Nacional de Videoconferência. Em verdade, tampouco a página do próprio Sistema acusa quais tribunais já contam com a sua utilização, informação que seria válida demais para traçar um panorama da aplicação de tais tecnologias. Acredita-se que, com a vigência do NCPC, que inovou consideravelmente na matéria, a utilização do SNV passe a ser mais intensa.Outro ponto que, no futuro, será melhor observado é a interligação do Sistema de Videoconferência com os outros sistemas já existentes, sobretudo os de processo eletrônico, sobretudo com as funcionalidades já sabidas do PJe Mídias.