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A (in)admissibilidade da arbitragem na Administração Pública

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ARBITRAGEM NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

3.1      A ARBITRAGEM E OS PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS

3.1.1   PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Desde que promulgada a Lei de Arbitragem, em 1996, até o advento da Lei 13.129/15, muito se discutiu quanto da aplicação do princípio da legalidade como fundamento para recusar que a Administração Pública se submetesse à Arbitragem.

Suzana Domingues Medeiros[33], ao citar os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles e Celso Antônio Bandeira de Mello como base para sua conclusão, observava que a Administração Pública, na ausência de lei autorizativa, não poderia celebrar contrato contendo cláusula arbitral. Por outro lado, muito se argumentou no sentido de que, por já estar a Arbitragem prevista no ordenamento jurídico, não se fazia necessária a existência de autorização legislativa específica para que a Administração Pública participasse de procedimento arbitral.

O fato é que, embora não estivesse em conformidade com o princípio da legalidade, diversas leis esparsas[34] já previam a possibilidade de a Administração valer-se da Arbitragem. A Lei 13.129/15 veio, portanto, formalizar a questão, de modo a encerrar a discussão e dirimir quaisquer conflitos sobre a possibilidade de uso da Arbitragem pela Administração em face do princípio da legalidade.

3.1.2   PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL

Muito se afirmou que a Constituição da República Federativa de 1988[35], em seu art. 5º, inciso XXXV, ao preceituar sobre a inafastabilidade do controle jurisdicional, impedia a possibilidade de que se utilizasse da Arbitragem para solucionar litígios que envolvem a Administração Pública. Ocorre que esse dispositivo não antagoniza e tampouco proíbe o princípio da liberdade de contratar e o princípio da solução pacífica dos conflitos, que pertencem à órbita do direito privado, por força dos quais as partes podem ajustar que um terceiro resolva possíveis pendências jurídicas, senão que, ao revés, com eles perfeitamente se harmonizam[36].

Deste modo, acabou por não prosperar o argumento de que admissibilidade da Arbitragem na Administração Pública seria inconstitucional por força do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional. Isso porque, mesmo antes de promulgada a Lei 13.129/15, o Supremo Tribunal Federal já havia se manifestado positivamente quanto à constitucionalidade da arbitragem[37]. Isso se deve ao fato de que, uma vez permitida a disponibilidade dos recursos públicos mediante contratação administrativa, segue daí que a Administração pode também convencionar a forma pela qual os litígios decorrentes do contrato serão dirimidos. Ou seja, o acessório (cláusula compromissória) segue a sorte do principal (disponibilidade dos interesses envolvidos no contrato) [38].

3.1.3   PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE DO INTERESSE PÚBLICO

Para Celso Antônio Bandeira de Mello[39], a indisponibilidade dos interesses públicos significa que, por serem interesses qualificados como próprios da coletividade, não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los, na estrita conformidade do que dispuser a intentio legis.

Cumpre relembrar, contudo, que o interesse público se subdivide em primário e secundário. Sabendo que interesse público primário diz respeito aos interesses absolutamente indisponíveis, tem-se certamente que serão insuscetíveis de figurarem em contrato com cláusula arbitral, uma vez que se relacionam com a necessidade de satisfação de necessidades coletivas, como justiça, segurança e bem-estar[40]. Todavia, quando se trata tão somente de cláusulas pelas quais a Administração está submetida a uma contraprestação financeira, não faz sentido ampliar o conceito de indisponibilidade à obrigação de pagar, vinculada à obra ou serviço executado ou ao benefício concedido pela Administração em virtude da prestação regular do outro contratante[41].

Como esclarece Diogo de Figueiredo Moreira Neto[42], ao se distinguir os interesses primários dos secundários, conclui-se que serão disponíveis somente os interesses e direitos deles derivados que tenham expressão patrimonial, ou seja, que possam ser quantificados monetariamente e estejam no comércio, e que são, por esse motivo, objeto de contratação que vise dotar a Administração ou seus delegados dos meios instrumentais a que estejam em condições de satisfazer os interesses finalísticos que justificam o próprio Estado.

3.2      PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PUBLICIDADE ANTE O SIGILO NA ARBITRAGEM

Quanto à questão do sigilo em procedimento arbitral envolvendo o Estado, irrompe a questão que se refere a como conciliar o princípio da publicidade da Administração Pública, que deve manear todos os procedimentos da Administração, em detrimento do princípio do sigilo da instituição arbitral, que é vantagem característica da arbitragem.

Para elucidar essa questão, Carlos Alberto Carmona[43] explica que o sigilo é uma característica que apenas pode, facultativamente, ser estabelecida pelas partes. Ou seja, nada impede que os litigantes abram mão da confidencialidade que geralmente cerca o procedimento arbitral.

É evidente, portanto, que diante dos diversos mecanismos de controle que o Estado estabelece para prestar contas aos cidadãos, dentre os quais figura o princípio da publicidade, não se pode garantir o sigilo na Arbitragem em que participe a Administração Pública sem que isso implique em desrespeito ao princípio constitucional. Portanto, esse princípio deve inevitavelmente ser respeitado, de modo a assegurar o acesso aos interessados à decisão e aos atos essenciais do processo arbitral, preservando-se, somente, o sigilo dos debates e a confidencialidade dos documentos que instruíram o processo arbitral.

3.3      JULGAMENTO POR EQUIDADE

A Lei 13.129/15, no seu art. 2º, § 3º, veda de maneira expressa a utilização da equidade em contratos envolvendo a Administração Pública, em observância ao princípio da legalidade, de modo a limitar a decisão dos árbitros conforme as regras de direito estrito.

Selma Maria Ferreira Lemes[44], entretanto, questiona se essa vedação não poderia causar uma quebra na estrutura sistêmica do art. 2º da Lei de Arbitragem, por tratar-se de um microssistema harmônico e coeso em si. Sua crítica se constitui na premissa de que é através do próprio conceito de equidade que deflui a previsão de que os árbitros solucionem as demandas com base nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio, preceito basilar da arbitragem. No mesmo sentido, entende que se deve tomar como exemplo a situação que ocorre em outros países, como Portugal[45], onde se admite o julgamento por equidade na arbitragem envolvendo a Administração Pública.

Não obstante a crítica doutrinária da referida autora, tem-se que hoje, consoante à legislação vigente, é defeso ao árbitro expedir sentença baseada em julgamento por equidade em casos envolvendo a Administração Pública.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme exposto, atualmente já estão absorvidos muitos dos dilemas iniciais quanto ao uso da Arbitragem pela Administração Pública, por conta do amadurecimento da legislação, da doutrina e da jurisprudência nos últimos anos, especialmente após a promulgação da Lei 13.129/15.

Conclui-se, assim, que é admissível o uso da Arbitragem pela Administração Pública. Contudo, tal análise não pode se limitar somente a observância dos princípios da economia e eficiência, característicos da Arbitragem, mas levando-se em consideração todos os princípios aplicáveis à Administração Pública e, especialmente, os princípios da legalidade, inafastabilidade do controle jurisdicional e indisponibilidade do interesse público. Igualmente, o preenchimento dos requisitos de arbitrabilidade subjetiva e objetiva deve sempre ser respeitado, de modo a não impedir que a Administração Pública alcance os interesses para os quais é primariamente concebida, qual seja, a persecução dos interesses públicos e a sua manutenção.

Deve-se atentar, por fim, ao fato de que, ao se estimular o uso da Arbitragem por pessoas jurídicas de direito privado em uma escala significativa, poder-se-á evidenciar uma gradual, porém considerável, diminuição de litígios a serem solucionados pelo Poder Judiciário. Deste modo, o Estado teria maior facilidade em solucionar seus próprios conflitos através do juízo estatal, mantendo-se, assim, em conformidade com os princípios fundamentais da atividade administrativa e assegurando a tutela da supremacia do interesse público sobre o privado, princípio este que não pode ser de todo preservado pela Arbitragem, visto que este instituto atende uma utilidade essencialmente econômica.

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Sobre os autores
Alexandre dos Santos Priess

Advogado e Professor Universitário. Mestrando em Ciência Jurídica no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Especialista em Direito Público. Presidente da Comissão de Direito Urbanístico e Planejamento Urbano da OAB (Itajaí). Professor de Direito Administrativo dos Cursos de Graduação e Pós-graduação em Direito da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Professor da Escola da Magistratura do Trabalho do TRT12. Membro do Conselho Editorial da Revista Síntese de Direito Empresarial (IOB). Email: [email protected].

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SAVOLDI, Pedro Adolfo ; PRIESS, Alexandre Santos. A (in)admissibilidade da arbitragem na Administração Pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5490, 13 jul. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64942. Acesso em: 22 dez. 2024.

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