Capa da publicação Lei n. 13.654/2018 sobre explosão de bancos: equívocos da lei favorecem criminosos
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Breves comentários à Lei n° 13.654/2018 e a leniência disfarçada do legislador para com a criminalidade

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Poderíamos acreditar que a nova lei é mais rigorosa, mas a verdade é outra.

Entrou em vigor a Lei n° 13.654/2018 que, dentre outras alterações, modificou os artigos 155 e 157 do Código Penal a fim de reprimir com maior gravidade condutas relacionadas à subtração de valores de caixas eletrônicos.

Logo de início, vemos que foi acrescido o parágrafo 4°-A no art. 155, cominando pena maior àquele que empregar substância explosiva, ou análoga, na subtração de coisa alheia móvel causando perigo comum.

Já começou mal o legislador, com todo respeito, pois, até então, a conduta de quem subtrai valores de caixa eletrônico com uso de explosivos adequava-se aos crimes de furto qualificado pelo rompimento de obstáculo em concurso com os crimes de dano qualificado (dolo de 2° grau quanto ao estabelecimento atingido) e explosão, podendo a pena chegar a 17 anos. Agora, com esta nova legislação, não vislumbramos mais a possibilidade de ser imputado ao criminoso o crime de explosão em razão da consunção do crime de explosão, agora previsto na nova qualificadora.

O § 7º do art. 155 tornou mais grave o crime de furto quando o objeto sobre o qual recai a conduta for substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego, restando caracterizada novatio legis in pejus. Até então, respondia o criminoso pelo crime de furto simples ou qualificado, com pena máxima de até 08 anos.

Quanto ao crime de roubo, verifica-se que andou mal o legislador ao revogar a causa de aumento genérica relacionada ao emprego de arma. Isto pois, objetivando dar tratamento mais rigoroso, acresceu o § 2°- A aumento em 2/3 a pena daquele que empregar arma de fogo (grifo nosso) na subtração de coisa alheia móvel mediante violência ou grave ameaça, esquecendo da utilização de armas brancas pelos criminosos.

Neste sentir, aquele que utilizar arma branca para a prática do roubo não mais fara jus a incidência de qualquer causa de aumento, responde pelo crime previsto no caput do art. 157 do Código Penal. Logo, em certa parte, estaremos diante de uma novatio legis in melius, devendo retroagir em benefício daqueles condenados pelo crime de roubo com emprego de arma branca.

Poderíamos até acreditar que a nova lei é mais rigorosa, uma vez que o legislador aumentou a pena para o roubo cometido com o emprego de arma de fogo[1]. Todavia, mais uma vez o legislador usa de artifício populista de que trataria de forma mais rigorosa e implacável determinado crime. O legislador ignorou que o poder lesivo de uma arma branca é semelhante ao de uma arma de fogo. Ambas matam, cada uma ao seu modo.

Outro aspecto a ser ressaltado é no que tange a conduta descrita no novo § 3º, inciso II, do art. 157, do CPB. Em nossa compreensão, não perde à índole hedionda, porque apesar da Lei nº 8.072/90 rotular como crime hediondo o “latrocínio”, fazendo, ainda, menção a parte final do antigo §3º, do artigo 157, se percebe uma falha legislativa (não se sabendo se intencional ou de ordem técnica).

Ora, o crime de “latrocínio”, taxado como hediondo, nada mais é do que o roubo seguido de morte, que continua descrito na parte final do novo § 3º, mas, agora, no inciso II. Dentro do sistema legal de hediondez poderão surgir discussões neste ponto, antecipando que em nossa visão houve apenas uma modificação na estrutura do dispositivo, sendo certo que tal alteração não tem aptidão para afastar a hediondez da conduta.

Por fim, no crime do art. 157, § 3°, resolveu o legislador apenar de forma mais grave a conduta que tem como resultado a lesão corporal de natureza grave, restando o crime de latrocínio com a mesma pena anteriormente cominada.

Em arremate, a lei ainda acresceu o art. 2-A na lei que dispõe sobre segurança para estabelecimentos (Lei n° 7.102/83) possibilitando com que as instituições financeiras façam uso de qualquer tipo de tecnologia que impossibilite o uso das cédulas de moeda objeto de crimes relacionados a roubou e furto de caixas eletrônicos.


Nota

[1] De ressaltar que, nem sempre, armas de fogo são apreendidas e periciadas, existindo uma celeuma jurisprudencial sobre a possibilidade de incidência da majorante respectiva neste ponto. Aliás, existe decisão recentemente do Superior Tribunal de Justiça, suspendendo os processos em que haja discussão a respeito desse tema, até à fixação de tese definitiva pelo STJ que orientará as discussões – dos processos suspensos.  Vejamos:

REsp 1.708.301/MG: RECURSO  ESPECIAL.  PROPOSTA  DE  AFETAÇÃO  DO  PROCESSO AO RITO DOS RECURSOS  REPETITIVOS (RISTJ, ART. 257-C). ROUBO MAJORADO. ART. 157, §  2º,  I, DO CÓDIGO PENAL. NECESSIDADE DA APREENSÃO E DA PERÍCIA DA ARMA DE FOGO PARA A INCIDÊNCIA DA MAJORANTE DO ART. 157, § 2º, I, DO CÓDIGO  PENAL.  AFETADO  O  RECURSO  AO  RITO DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS,  NOS  TERMOS  DO  ART.  1.036  E SEGUINTES DO CÓDIGO DE PROCESSO  CIVIL/2015 E DA RESOLUÇÃO STJ N. 8/2008, PARA CONSOLIDAR O ENTENDIMENTO ACERCA DA QUESTÃO JURÍDICA DISPOSTA NOS AUTOS. Afetação  deste processo ao rito dos recursos especiais repetitivos, nos  termos  do  art.  1.036  e  seguintes  do  Código  de  Processo Civil/2015   e  da  Resolução  STJ  n.  8/2008,  para  consolidar  o entendimento  acerca  da  seguinte  questão  jurídica:  Se  é ou não necessária  a  apreensão e perícia da arma de fogo para a incidência da majorante do art. 157, § 2º, I, do Código Penal”. – acesso em 25.04.2018 - http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/Suspensas-a%C3%A7%C3%B5es-que-discutem-necessidade-de-per%C3%ADcia-em-arma-para-aumento-da-pena-em-crime-de-roubo. Acesso em 25 de abril de 2018).

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Sobre os autores
Raphael Zanon Silva

Possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2009), pós-graduação em Direito Público pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus (2011) e pós-graduação em Direito Penal pela Escola Paulista de Magistratura-SP (2014). Também é pós-graduado em Direito Processual Penal pela Escola Paulista de Magistratura-SP (2016). Aprovado no exame 140º da OAB, é ex Delegado de Polícia do Estado do Espírito Santo e atualmente é Delegado de Polícia Civil do Estado de São Paulo. Na área acadêmica atuou como Professor de Direito Penal junto à Anhanguera Educacional, e como professor convidado do Curso Complexo Andreucci de Ensino. É professor concursado da Academia da Polícia Civil do Estado de São Paulo.

Joaquim Júnior Leitão

Delegado de Polícia no Estado de Mato Grosso. Atualmente lotado no Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (GAECO). Graduado pela Centro de Ensino Superior de Jataí-GO (CESUT). Ex-Diretor Adjunto da Academia da Polícia Judiciária Civil do Estado de Mato Grosso. Ex-Assessor Institucional da Polícia Civil de Mato Grosso. Ex-assessor do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Pós-graduado em Ciências Penais pela rede de ensino Luiz Flávio Gomes (LFG) em parceria com Universidade de Santa Catarina (UNISUL). Pós-graduado em Gestão Municipal pela Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT e pela Universidade Aberta do Brasil. Curso de Extensão pela Universidade de São Paulo (USP) de Integração de Competências no Desempenho da Atividade Judiciária com Usuários e Dependentes de Drogas. Colaborador do site jurídico Justiça e Polícia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Raphael Zanon ; JÚNIOR LEITÃO, Joaquim. Breves comentários à Lei n° 13.654/2018 e a leniência disfarçada do legislador para com a criminalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5416, 30 abr. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65705. Acesso em: 29 mar. 2024.

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