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Efeitos sucessórios decorrentes da união estável, após o julgamento do Recurso Extraordinário nº 878.694 no STF

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STF declara a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil e dá novos direitos sucessórios ao companheiro.

RESUMO: O presente artigo tem o objetivo de analisar os efeitos sucessórios entre os companheiros, decorrentes da existência de uma união estável, principalmente no tocante à concorrência sucessória com os descendentes, ascendentes e colaterais, após o julgamento do Recurso Extraordinário nº 878.694, onde o STF reconheceu e declarou a inconstitucionalidade do artigo 1790 do Código Civil de 2002, equiparando a união estável com o casamento no que concerne aos direitos sucessórios. Com isto, o companheiro(a) passa a ter os mesmos direitos do cônjuge na sucessão legítima, o que aproxima a família matrimonial, ou seja, a proveniente do casamento, das demais modalidades familiares existentes, em observância aos Princípios da Dignidade da Pessoa Humana e da Liberdade de Constituir Família. No entanto, também será discutido no presente artigo, a omissão do STF em declarar se o companheiro (a) sobrevivente passa a ser incluído no rol de herdeiros necessários e o descumprimento ao art. 1787 CC/02.  

PALAVRAS – CHAVES: União Estável. Sucessão mortis causa. Inconstitucionalidade. Supremo Tribunal Federal.


INTRODUÇÃO

Todos os ramos do Direito devem ser norteados por segurança jurídica, principalmente o Direito das Sucessões, vez que trata da transmissão patrimonial do autor da herança para os seus sucessores, após a sua morte; e reconhecimento de herdeiros e legatários, ou seja, das pessoas que receberão esse patrimônio, com a finalidade de  evitar longas batalhas judiciais e, com isso, o perecimento do patrimônio do de cujus.

Daí a importância de que o Direito das Sucessões não seja envolvido por normas de difícil compreensão e sim, por regras claras, objetivas e protetivas. Qualquer dúvida na interpretação da norma dá entrada para diversos desacordos entre aqueles que tem o direito ao patrimônio do falecido, ou seja, os seus sucessores.

O Código Civil Brasileiro de 2002 desviou-se dessa importante premissa, trazendo muitas normas de redação ambígua e difícil interpretação, no campo do Direito das Sucessões e um grande exemplo disto foi o polêmico e criticado art. 1790, que trata da sucessão do (a) companheiro (a), com  regras próprias e diferenciadas das regras sucessórias do cônjuge sobrevivente. O referido artigo colocava o companheiro em posição inferior a do cônjuge.

Tanta polêmica existe porque segundo o autor e doutor em  Direito Civil, Flávio Tartuce (2015), no Brasil, um terço dos casais vivem em união estável  e quando um dos companheiros vem a óbito, o sobrevivente, muitas vezes, ficava em situação de desamparo, vez que, de acordo com o art. 1790 CC/02, o companheiro nada herdava dos bens particulares do falecido e ainda concorria na herança dos bens comuns, com os parentes colaterais, a exemplo de irmãos, sobrinhos, tios e primos, resguardada a ordem de vocação hereditária.

Para muitos aplicadores do Direito Civil Brasileiro, a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, referente ao Recurso Extraordinário nº 878.694, foi bastante comemorada, por finalmente dar um tratamento igualitário entre cônjuges e companheiros, no tocante aos efeitos sucessórios, através do reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 1790 CC/02.

A renomada autora Maria Berenice Dias (2017) faz uma importante observação para o tema em questão:

Diante do atual conceito de família — “vínculo de afeto que gera responsabilidades” —, os direitos e os deveres são os mesmos. Quer o par resolva casar ou viver em união estável. Quem decide constituir uma família assume os mesmos e iguais encargos. É indiferente se forem ao registro civil ou ao tabelionado, ou simplesmente tenham o propósito de viverem juntos. A pessoa é livre para permanecer sozinha ou ter alguém para chamar de seu. Ao optar por uma vida a dois, as consequências de ordem patrimonial e sucessória precisam ser iguais.

Se toda a forma de amor vale a pena, deve gerar as mesmas e iguais consequências. A responsabilidade por quem se cativa — na surrada, mas verdadeira frase de O Pequeno Príncipe — traça o perfil ético do afeto.

Embora o julgamento do Recurso Extraordinário nº 878.694 tenha sido concluído em maio de 2017, a decisão trouxe graves dúvidas que ainda necessitam de esclarecimentos.

Não ficou claro se o (a) companheiro(a) passa a fazer parte do rol de herdeiros necessários. Tal dúvida é bastante grave, vez que as pessoas que convivem em união estavel necessitam saber se podem livremente dispor de seus bens, através de testamento, bem como esclarecer os reais direitos em relação à herança do companheiro falecido, principalmente na concorrência com ascendentes, descendentes e colaterais.

Com a finalidade de esclarecer a recente decisão do STF, acerca da sucessão do companheiro, o presente artigo foi divivido em 6 capítulos, sendo que o primeiro é uma introdução, onde foi realizada uma abordagem geral acerca do tema, demonstrando a importância do mesmo para o universo da Ciência Jurídica e os métodos de pesquisas realizados para a elaboração do presente trabalho; o segundo capítulo traça uma análise sobre o conceito, regras e requisitos da União estável; o terceiro capítulo traz uma análise crítica acerca do artigo 1790 do CC/02; o quarto capítulo, discorre sobre o reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 1790 CC/02, com o julgamento do Recurso Extraordinário nº 878.694 do Supremo Tribunal Federal; o quinto capítulo, traz um estudo de como ficou a atual sucessão do companheiro, após a decisão da Suprema Corte Brasileira; e, por último, nas considerações finais, trata da importância da referida decisão para as famílias brasileiras e as críticas oriundas da decisão do STF, abordando os pontos que precisam de posicionamento por parte do Supremo Tribunal Federal, como maneira de efetivar a Segurança Jurídica da decisão.

Este trabalho é de grande relevância tanto para o universo da Ciência Jurídica, quanto para a sociedade, vez que esclarece como são as novas regras sucessórias das pessoas que vivem em União Estável. Nos procedimentos metodológicos, foi utilizado o método de revisão de literatura, sendo a abordagem qualitativa e descritiva.

Com isto, este trabalho busca, como objetivo geral, demonstrar a nova regra de sucessão para os que convivem em União Estável, explanado o reconhecimento da insconstitucionalidade do art. 1790 CC/02 pelo STF e, como objetivos específicos, busca demonstrar como serão divididas as heranças dos companheiros falecidos, de acordo com a regra do art. 1829 CC/02.


2.CONSIDERAÇÕES ACERCA DO CONCEITO DA UNIÃO ESTÁVEL, NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO:

Durante muitos séculos, a única instituição familiar protegida pelo Direito e reconhecida pela sociedade foi o Casamento, ou seja, a família matrimonial. As pessoas unidas sem o casamento e apenas pela união de fato sofriam rejeição social e eram desprotegidas pela legislação pátria. O Código Civil de 1916 era omisso em regular qualquer relação extramatrimonial. As relações sem o selo do casamento eram denominadas de Concubinato e não possuíam a devida proteção legal, vez que quando ocorria o seu rompimento, seja por morte ou por separação, os conviventes não possuíam direitos à herança, à partilha de bens ou a alimentos.

Pouco a pouco, começou-se a conceder à mulher, que não tinha renda, com o fim da união de fato, “uma indenização por serviços prestados”. Mais tarde, tais uniões passaram a serem reconhecidas como uma Sociedade de fato, que gerava direitos obrigacionais. Em 1964, o STF editou a Súmula 380: “ Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”. Até o momento, os direitos de família e sucessórios eram exclusivos da relação matrimonial.

A família é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social. Em qualquer aspecto em que é considerada, aparece a família como uma instituição necessária e sagrada, que vai merecer a mais ampla proteção do Estado. A Constituição Federal e o Código Civil a ela se reportam e estabelecem a sua estrutura, sem no entanto definí-la, uma vez que não há identidade de conceitos tanto no ramo do Direito como no da Sociologia. (DIAS, 2016, p. 54)

Diante do clamor social e da evolução dos costumes, as uniões extramatrimoniais passaram a ser reconhecidas com a promulgação da Constituição Federal de 1988.

No art.  226  da CF/88, o conceito de família foi ampliado e, mais precisamente no §3º, a União Estável, teve seu merecido reconhecimento como entidade familiar, in verbis:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

Com a CF/88, as uniões de fato entre homens e mulheres, foram reconhecidas como entidades familiares, com a devida proteção legal, sob a denominação de União Estável.

Posteriormente, foram publicas legislações infraconstitucionais que regulamentavam direitos às pessoas que viviam em Uniões Estáveis: Lei 8.971/94, que assegurou o direito a alimentos e a herança e, a Lei 9278/96, que não quantificou prazo mínimo de convivência e admitiu como estáveis as relações entre pessoas separadas de fato, como também fixou a competência das varas de família para o julgamento de litígios oriundos dessas relações e reconheceu o direito real de habitação.

Mais tarde, com a publicação do Código Civil de 2002, o reconhecimento e a regulamentação da matéria, em seus arts. 1723 a 1726, trouxe o conceito da referida união, seus requisitos de configuração, suas relações patrimoniais e a facilitação da sua conversão em casamento. O mesmo CC/02 também trouxe a regulamentação do direito sucessório dos companheiros, no polêmico art. 1790.

Finalmente, em 2011, o STF – Supremo Tribunal Federal - deu um importante passo na disciplina da União Estável, reconhecendo a União Homoafetiva, através dos julgamentos da ADIN 4.277 e da ADPF 132, dando à CF/88 a interpretação sistemática que lhe é devida, pois a mesma proíbe discriminação de sexo, traz a proteção da dignidade da pessoa humana e ainda equipara homens e mulheres em direitos e deveres, bem como não limita as possibilidades de formações familiares.

Há um projeto de lei em tramitação no Senado Federal, de autoria da Senadora Marta Suplicy (PL 612/11), que trata do reconhecimento legal da união estável entre pessoas do mesmo sexo, com a finalidade de alterar a redação do art. 1723 CC/02, in verbis:

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

§ 1o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.

§ 2o As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável.

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 O projeto legaliza a união estável homoafetiva ao promover alterações no Código Civil de 2002. Atualmente, a legislação reconhece como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura, e estabelecida com o objetivo de constituição de família. Com o projeto da Senadora Marta Suplicy, a lei será alterada para estabelecer como família “a união estável entre duas pessoas”, sem mencionar o sexo, mantendo o restante do texto do citado artigo.

Diante de todo o narrado acima, faz-se mister esclarecer o atual conceito de união estável e para tanto, os nobres doutrinadores Elpídio Donizetti e Felipe Quintela (2017, p. 977), o trazem, in verbis:

“É a união de pessoas que atam um vínculo conjugal no intuito de dividir uma vida de afeto”.

Para Álvaro Villaça de Azevedo (2017, p. 205), a união estável é:

“A convivência não adulterina nem incestuosa, duradoura, pública e contínua, de um homem e de uma mulher, sem vínculo matrimonial, convivendo como se casados fossem, sob o mesmo teto ou não, constituindo, assim, sua família de fato”.

De cordo com o art. 1723, § 1º do CC/02, para a caracterização da união estável é importante esclarecer que não podem estar presentes nenhum dos impedimentos matrimonias elencados no art. 1521 CC/02, in verbis:                                               

Art. 1.521. Não podem casar:

I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;

II - os afins em linha reta;

III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;

IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;

V - o adotado com o filho do adotante;

VI - as pessoas casadas;

VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.

 Já de acordo com o § 2º do art. 1723, a presença das causas suspensivas, elencadas no art. 1523 do mesmo código, não impede a caracterização da união estável, apenas devendo ser aplicado nesses casos o Regime da Separação Obrigatória de bens.  

Devem estar presentes na relação, para a configuração da União Estável, os seguintes requisitos: Convivência “more uxorio”, notoriedade, publicidade, continuidade e intenção de constituir família. A coabitação não configura como requisito para a caracterização da união estável, mas a convivência sob o mesmo teto pode ser um meio de prova do relacionamento. Assim, inexistindo a coabitação, não resta desqualificada existência da união estável. O legislador não estabeleceu lapso temporal para a caracterização da união estável, incumbindo ao juiz reconhecer, em cada caso específico, a existência ou não de união estável, independentemente do prazo da sua duração.

Não há a obrigação de ser realizada uma escritura pública de união estável ou um escrito particular para a sua configuração, mas os mesmos podem existir para estabelecer direitos e obrigações entre os companheiros, bem como para afastar o regime legal, escolhendo outro regime de bens, conforme explana o art. 1725 CC/02, in verbis:

Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.

Caso não haja uma escritura pública de União Estável, existem outros meios de provar a sua existência, tais como: dependência em declaração de dependência em imposto de renda, conta conjunta, certidão de casamento religioso, certidão de nascimento dos filhos comuns, entre outros. Importante esclarecer que é necessário um conjunto probatório e cumprimento dos requisitos legais.

O reconhecimento da união estável e da união homoafetiva obedecem ao princípio da liberdade de constituir família, da afetividade e da dignidade da pessoa humana. O reconhecimento destas uniões, possibilitam aos casais a liberdade de constituir uniões baseadas unicamente no afeto e sem a burocracia do casamento.

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Sobre a autora
Raissa Nacer Oliveira de Andrade

Advogada, devidamente inscrita na OAB-SE, Mestra em Direito pela Unit-SE, Especialista em Direito Civil e Processual Civil, pela Estácio – Fase.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Raissa Nacer Oliveira. Efeitos sucessórios decorrentes da união estável, após o julgamento do Recurso Extraordinário nº 878.694 no STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5469, 22 jun. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66386. Acesso em: 21 nov. 2024.

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