3. VERBAS TRABALHISTAS DEVIDAS AO ATLETA DE FUTEBOL PROFISSIONAL
3.1. VERBAS TRABALHISTAS CONVENCIONAIS ESTIPULADAS NA CLT
Por força do enquadramento legal do artigo 2º da CLT e da legislação especial que lhe dá guarida, o atleta profissional é um trabalhador, motivo pelo qual tem o direito de receber as verbas trabalhistas convencionais e ínsitas a qualquer trabalhador como: FGTS, férias, horas extras, 13º Salário (integral e proporcional) e intervalo intrajornada para alimentação e repouso. Sobre as verbas tradicionais, aplicáveis conjuntamente ao contrato de trabalho especial e usual, não se tem muito a falar, sendo imperioso tratar das verbas que tornam o contrato de trabalho do atleta uma espécie de relação jurídica diferenciada e profundamente interessante do ponto de vista doutrinário.
3.2. VERBAS TRABALHISTAS ÍNSITAS AO ATLETA DE FUTEBOL
3.2.1. BICHO
Segundo o cátedra CATHARINO (1969, p.32), o bicho é “um prêmio pago ao atleta-empregado por entidade-empregadora, previsto ou não no contrato de emprego do qual são partes. Tal prêmio tem sempre a singularidade de ser individual, embora resulte de um trabalho coletivo desportivo. Além disto, geralmente, é aleatório, no sentido de estar condicionado ao êxito alcançado em campo, sujeito à sorte ou azar”. Em suma, o bicho corresponde a premiação dada pelo empregador, e condicionada, por exemplo, a classificação do clube para fase aguda de determinada competição, aos atletas.
CATHARINO (2010, p.100) assevera:
Nos primórdios do profissionalismo esportivo, guardando a relação, que o nome sugere, com o jogo do bicho. Ocorre que os atletas ainda amadores recebiam dinheiro com a vitória e para justificar a quantia que recebiam, diziam que a mesma advinha da prática desse popular jogo de azar; como o nome tornou-se popular, passou a fazer parte do cenário desportivo”
Para fins ilustrativos, imaginemos, por exemplo, que o Santos Futebol Clube esteja disputando a final da Taça Libertadores da América diante do Independiente de Alvejaneda da Argentina. Antes da partida decisiva, a diretoria do clube brasileiro reúne com os atletas e promete que se o Santos sagrar-se campeão, todos os atletas ganharão R$ 10.000,00 (dez mil reais) a mais em seus vencimentos, a título de premiação que, por disposição expressa da jurisprudencial laboralista, possui natureza salarial.
Firmando tal premissa, colaciona a jurisprudência do Colendo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região:
O depósito prévio de que trata o art. 899 e seus parágrafos, da CLT, é condição de admissibilidade do recurso. Realizado em montante inferior ao devido à data da sua efetivação, configura-se o óbice ao conhecimento do apelo, por deserto. Os prêmios que são pagos ao atleta profissional do futebol, conhecidos popularmente como "bichos", porque retributivos da atividade desenvolvida em favor do clube empregador, revestem-se de natureza jurídica salarial. Nesse sentido, integram a remuneração das férias do atleta empregado. Recurso do reclamante a que se dá provimento parcial. (TRT – 4ª Região – 4ª T.; RO nº 6.235/88-RS; Rel. Juiz Flávio Portinho Sirângelo; j. 14/11/1989; v.u.)
A luvas e os prêmios, ou ‘bichos’, pagos ao atleta profissional, revestem-se de natureza jurídica salarial em face da habitualidade no seu pagamento e do caráter de retribuição ao desempenho do atleta-empregado. Neste sentido, integram a remuneração das férias e do 13º salário (TRT – 4ª Região; RO nº 4.692/89; Rel.Flávio Portinho Sirângelo: j. 19.07.1990)
Ipso facto, debruçada no entendimento reinante na jurisprudência e na doutrina, a presente pesquisa aloca-se nas trincheiras que concebem o bicho como verba de cunho salarial devida aos atletas de futebol, mormente por conta da frequência com que os clubes a pagam, incidindo sobre as demais parcelas que integram o montante remuneratório do profissional.
3.2.2. LUVAS
Igualmente ao bicho, as luvas também se enquadram nas verbas trabalhistas especiais típicas do atleta de futebol profissional. Partindo desse ponto, é imperioso traçar um breve histórico sobre as luvas.
Ab initio, apesar de amplamente difundida na seara desportiva, o termo luvas tem origem no Direito Civil, mais precisamente no ramo imobiliário. As luvas, na concepção civilista, nada mais são que um sinal pecuniário pago para ensejar o direito de preferência a uma determinada locação. ZAINAGHI (2015, p.61) esclarece o significado das luvas”no âmbito desportivo “o termo ‘luvas’ é usado como metáfora, pois é um pagamento feito ao atleta em decorrência de sua capacidade técnica (ficou bom como uma luva); ou seja, remunera na medida da exata capacidade do jogador”.
A maior polêmica no que toca às luvas reside em sua natureza jurídica controvertida. A doutrina diverge substancialmente acerca da questão, ramificando-se em duas correntes: a que a concebe como uma prestação meramente indenizatória, visto tratar-se de uma quantia paga em parcela única no ato da aquisição do concurso de um atleta, comportando-se, pois, civilmente, como uma espécie de compra; e, por conseguinte, aquela que prega o seu caráter trabalhista e contraprestacional, embasada no fato de que poderão ser pagas tanto de uma só vez como parcelado, hipótese em que as luvas se proliferam pelo contrato de trabalho, se incorporando à remuneração do atleta.
No tocante ao tema, leciona CASSAR (2015, p.811):
(...) em relação às luvas pagas pelo futuro empregador ao atleta pela assinatura do contrato (art.31, §1º, da Lei nº 9.615/1998), a controvérsia é maior. Isto porque uma corrente defende que estas têm natureza indenizatória, já que pagas de uma só vez pela “compra” do passe do atleta. A segunda corrente, de forma correta, no sentido de que as luvas têm natureza de contraprestação, podendo ser pagas de uma só vez, no início do contrato, ou, até mesmo, de forma parcelada, o que representa claramente que o pagamento é feito por conta do trabalho realizado, sem existir qualquer caráter ressarcitório.
Assim sendo, a presente pesquisa filia-se a tese de que as luvas possuem natureza trabalhista, não apenas pela sua incidência sobre o lapso temporal do contrato de trabalho, mas também pelo fato de que são devidas em razão da atividade desempenhada pelo jogador. Em outras palavras, o próprio quantum das luvas é mensurado pela habilidade e talento do atleta.
3.2.3. DIREITO DE ARENA
Prima facie, a etimologia da palavra arena remonta à época dos gladiadores romanos e significa areia, local onde, na Roma Antiga, aconteciam as batalhas que arrastavam e deliravam as ávidas multidões. O direito de arena, portanto, é uma garantia trabalhista – diga-se de passagem, controversa do ponto de vista de sua natureza jurídica – alicerçada na exploração do espetáculo pelas emissoras de televisão mediante contrapartida pecuniária destinada aos clubes disputantes, detentores, por entendimento sedimento na doutrina pátria, do direito em estudo.
No que diz respeito a origem histórica, ensina ZAINAGHI (2016, p.114):
Arena é palavra latina que significa areia. O termo é usado nos meios esportivos, tendo em vista que, na antiguidade, no local onde os gladiadores se enfrentam, entre si ou com animais ferozes, o piso era coberto de areia, pois facilitava a limpeza do sangue após as contendas.
No mesmo sentido, mas enfocando na participação das emissoras na verba de arena, elucida MARQUES (2008):
É a televisão que garante a presença dos anunciantes, pois ninguém se dispõe a patrocinar um espetáculo se não há certeza de que a televisão estará presente. Afinal, a retransmissão televisiva da manifestação esportiva será vista por centenas, milhares de telespectadores localizados ao redor do mundo, diante da tela de seus televisores, aptos a contemplarem também o produto e a marca dos anunciantes (...)
(...)
O interesse cada vez maior do grande público pelo esporte levou os responsáveis pela programação das empresas de televisão a reverem as suas prioridades na escolha dos programas. E foi por este motivo que a televisão deslocou-se em direção à arena para, ali, extrair importantes receitas graças ao interesse de seus anunciantes, estes preocupados em levar os seus produtos ao consumidos da forma mais rápida e eficiente.
Isto posto, pode-se depreender que a importância do direito de arena se sobrepõe à condição de verba peculiar de uma modalidade especial de contrato de trabalho, se constituindo como o grande elo jurídico entre a proteção do espetáculo como obra artística, a tutela da marca dos clubes e, ainda, da participação do atleta como proeminente sujeito do evento, merecendo assim proteção jurídica plena dos pontos de vista constitucional e infraconstitucional.
Sobre o assunto, leciona MELO FILHO (1995, p.41):
Ao dar guarida, no contexto constitucional, ao direito de arena nas atividades desportivas, o legislador constituinte demonstrou conhecimento e sensibilidade pois, atualmente, não se pode olvidar que os estádios foram transformados em estúdios, por força das modernas técnicas de difusão e redução do mundo desportivo a uma aldeia global.
Por isso mesmo, reconhecer, constitucionalmente, o direito de arena, nos termos da lei, era imperativo da mais estrita justiça para com aqueles que se fazem o público do espetáculo desportivo.
Além da guarida constitucional imposta ao instituto, à verba vergastada tem proteção infraconstitucional no seu principal regramento legal, a Lei Pelé. Logo, de acordo com o artigo 42 do normativo supramencionado, o direito de arena consiste na prerrogativa negocial exclusiva do clube de transacionar, autorizar ou vedar a transmissão, por rádio ou televisão, da competição, com entrada paga, a qual ele participe, ficando evidente que a titularidade deste direito é endereçada tão somente aos clubes de futebol, devendo os atletas, por determinação contida no §1º do mesmo artigo 42, perceberem porcentagem pecuniária relativa a verba de arena.
Ora, em razão da sensibilidade do tema, convém pontuar que a participação dos atletas na verba de arena ainda faz emergir grandes controvérsias no meio doutrinário. A presente pesquisa, no entanto, aloca-se na trincheira doutrinária que entende ser legítimo o recebimento de porcentagem a título de direito de arena ao atleta de futebol, afinal o mesmo cede, quase que compulsoriamente, sua imagem ao clube e a competição sem, contudo, por isso perceber, seja do clube ou da entidade promovente (federação ou confederação) qualquer adicional remuneratório.
Pensando nisso, ou melhor, sendo sensível a identidade laboral do atleta, o legislador, por força do §1º do artigo 42 da Lei Pelé, entregou-lhe o direito de perceber 5% (cinco porcento) a título de direito de arena, repassado pela entidade sindical territorialmente representativa, de modo que se o atleta estiver participando de um certame estadual, o sindicato dos atletas daquele estado deverá repassar a ele sua cota respectiva sobre os 5% (por cento) do montante repassado pelos clubes a entidade sindical.
O trabalho presente, ainda, destoando do entendimento legal e embasado na máxima doutrina, compreende que o direito de arena subsiste não apenas nos jogos com entrada paga, mas nos espetáculos em que, mesmo não seja feita a cobrança de entradas, o clube efetivamente lucre com o jogo. A título ilustrativo, imaginemos que um determinado clube do norte, por exemplo, seja convidado por uma agremiação nordestina para disputar um amistoso na capital pernambucana e, por determinação do clube mandante, as entradas sejam gratuitas. Imaginemos, ainda, que este jogo seja transmitido para todo o território nacional por uma emissora de televisão que, previamente, pagou aos dois clubes uma cota determinada para televisionar suas marcas.
Ora, parece justo que os atletas, que cederam quase que compulsoriamente suas imagens ao espetáculo, nada recebam? Por óbvio, não. A titularidade da paga de arena, no entendimento da presente pesquisa, por mais legal que seja, não pode subverter a indisponibilidade do direito de imagem de uma pessoa. Desse modo, depreende-se que, na hipótese ilustrada, o clube deve pagar os 5% (cinco porcento) – ou porcentagem a maior definida em instrumento coletivo – aos seus atletas que foram relacionados para o jogo em questão, sob pena de estar a agremiação explorando a imagem de seu trabalhador, ao passo que lucra com a participação dele, haja vista o fato de que sem os seus atletas clube nenhum será capaz de disputar qualquer competição ou partida.
Sobre a incidência do direito de arena, corrobora ZAINAGHI (2015, p.116):
Outro interessante ponto a ser estudado reside em que o direito de arena só será devido quando tratar-se de espetáculo público em que haja cobrança de ingresso. Ora, se o instituto legal é o de proteger a imagem do atleta, o fato de ser ou não cobrado ingresso não retiraria dele o direito ao recebimento previsto em lei.
Parece que o fato de não ser cobrado ingresso não deveria tirar do atleta o seu direito ao recebimento daquela paga denominada arena, pois poderá ocorrer o caso em que o espetáculo seja gratuito ao público, mas uma emissora de TV pagará para efetuar a transmissão e, muitas vezes, paga-se muito mais do que se arrecadaria com a venda de ingressos.
No tocante a titularidade da paga de arena, discorre ZAINAGHI (2015, p. 118):
A titularidade do direito de arena cabe à entidade a que esteja vinculado o atleta e não a este.
Apesar de parecer estranho que o atleta não detenha a titularidade de um direito ligado a sua imagem, a opção da lei é explicada pelo fato de que seria quase impossível conseguir-se a anuência de todos os atletas, e, ainda, pelo fato de ser o clube quem oferece o espetáculo; as disputas são entre os clubes e não entre os atletas; além do que, o que faz que desperte interesse do público são as cores de uma determinada equipe, independentemente dos atletas que a compõe.
Inobstante ao brilhantismo do cátedra retrocitado, não se pode conceber que a lei destine a relação laboral, bilateralizada pelo atleta e o clube, um cenário tão rigorosamente binário. Justificar a titularidade do direito de arena sob o pretexto de a organização do evento ser de propriedade do clube é perfeitamente plausível do ponto de vista lógico, todavia, considerar que a titularidade se evidencia na justificativa abissal de que são os clubes e não os atletas que competem ou, ainda, que a torcida só comparece aos jogos levadas pela sua paixão as cores dos clubes, é um acinte e um atentado frontal as relações laborais. De fato, a paixão clubística é um fator que leva o torcedor (e por conseguinte o dinheiro) aos estádios, mas, convenhamos, que, lamentavelmente, não é isso que se verifica no cotidiano do futebol.
É muito comum que o torcedor se afaste dos estádios quando o seu clube passa a colher resultados ruins em campo, fato que está, até certo ponto, diretamente ligado a qualidade do elenco (jogadores) contratado para a temporada. O inverso, logicamente, também é verdadeiro, pois quando um clube desponta na tabela colhendo bons resultados, assim o faz pelo empenho de seus jogadores e não tão somente pela camisa que enverga. A história de um clube, por óbvio, é importante, mas não vence campeonatos.
Isto posto, na visão da presente pesquisa, a posição majoritariamente adotada pela doutrina não merece subsistir, sendo correto pugnar pela ambivalente titularidade do direito de arena.
In fine, tratar da contestada natureza jurídica do direito de arena é, pois, um desafio a ser guerreado pela pesquisa posta. Do ponto de vista constitucional, notadamente pela inteligência do artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea “a” da Carta Maior, o direito de arena aloca-se na sensível esteira dos direitos de personalidade relativo à imagem, com o que corrobora ZAINGAHI (2016,p.115) “em primeiro lugar, como visto acima, o direito de arena é consagrado na Constituição como direito à imagem, portanto, direito de personalidade”.
De outro lado, por se tratar de uma verba oriunda de um terceiro, de certa forma alheio a relação laboral clube – atleta, parcela significativa da doutrina – trincheira onde se aloca a pesquisa presente – compreende a verba de arena como uma gorjeta destinada ao atleta que, em outras palavras, é “premiado” pelo seu “cliente” (emissora de televisão) pela participação em determinada competição. Desse modo, por assim ser compreendida, a paga de arena integra, por dicção talhada no artigo 457 da CLT, juntamente com o salário mensal recebido, a remuneração do atleta profissional, incidindo, por determinação do verbete sumular nº 354, sobre o FGTS e não repercutindo sobre aviso-prévio, férias, adicional noturno e repouso semanal remunerado, verbas de caráter salarial.
In verbis, preconiza o dispositivo consolidado:
Art.457. Compreende-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador como contraprestação do serviço, as gorjetas a receber.
Ipsis litteris, declara o Tribunal Superior do Trabalho- TST:
Súmula nº 354- Gorjetas. Natureza jurídica. Repercussões. As gorjetas, cobradas pelo empregador na nota de serviço ou oferecidas espontaneamente pelos clientes, integram a remuneração do empregado, não servindo como base de cálculo para as parcelas de aviso-prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal remunerado.
Arremata ZAINGAHI (2016, p.118):
Logo, as gorjetas, segundo o entendimento pretoriano uniformizado, não integram as verbas de natureza salarial. Por isso, tendo em vista a mesma natureza jurídica da verba advinda do direito de arena, conclui-se que esta deverá ser declarada como remuneração, ou seja, não incidirá no cálculo do aviso-prévio, da horas extras, do repouso semanal e do adicional noturno, se fosse o caso.
Todavia, sendo remuneração, sobre a verba do direito de arena deverá ser recolhido o FGTS, já que a Súmula supra, sobre gorjetas, não excluiu este da base de cálculo.
Portanto, tendo em vista a similitude do direto de arena com as gorjetas, conclui-se no mesmo sentido.
Sopesadas as argumentações que sedimenta a criação doutrinária e jurisprudencial, a pesquisa posta a lume prostra-se favorável ao entendimento que equipara o direito de arena a gorjeta, em razão, sobretudo, do fato de que a percentagem amealhada pelo atleta – e repassada pelos clubes a sua entidade sindical representativa – advém das cotas pagas pelas emissoras de televisão, sujeito que se coloca à margem da relação bilateral de emprego que coliga clubes e atletas. A única diferença, pois, que merece ser pontuada é a de que, diferentemente do direito de arena, o pagamento da gorjeta se origina da liberalidade do cliente e não de imposição legal como à destinada aos terceiros envolvidos na verba de arena. Direito de arena é, assim, no entendimento individual desta pesquisa, uma “gorjeta forçada” que destoa da décima porcentagem paga pelos clientes a título de serviço ao garçom, por exemplo, em um restaurante.