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Manutenção da ordem pública – dever de todos

31/05/2018 às 11:30

Resumo:


  • As autoridades estatais têm a obrigação de manter a ordem pública e evitar que reivindicações legítimas sejam usadas para objetivos escusos.

  • Apesar das concessões feitas aos caminhoneiros pelo Governo Federal, persistem bloqueios em algumas regiões, onde não parece haver lei ou autoridade, e há relatos de violência.

  • Para restaurar a normalidade, é necessário que outras autoridades, como Governadores e o Ministério Público, atuem efetivamente, respeitando os direitos constitucionais de greve e reunião, mas controlando a desordem.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Analisa-se, resumidamente, a obrigação de todas as autoridades estatais para a manutenção da ordem pública, de maneira a preservar os interesses da coletividade, e a não permitir que reivindicações legítimas possam ser utilizadas indevidamente.

RESUMO: Este trabalho analisa, resumidamente, a obrigação de todas as autoridades estatais para a manutenção da ordem pública, de maneira a preservar os interesses da coletividade, e a não permitir que reivindicações legítimas possam ser utilizadas indevidamente, para se alcançar objetivos escusos.


Por mais que a questão referente à paralisação dos caminhoneiros já esteja satisfatoriamente encaminhada (mediante as concessões que foram feitas pelo Governo Federal, para atender as justas reivindicações desta categoria de trabalhadores honestos), a nação ainda continua em estado de letargia e espanto, ao constatar que, em alguns locais residuais, parece não existir lei, e nem autoridade.

Matéria estampada hoje (30/05/2018) no site G1, relata que em alguns rincões do território nacional, os bloqueios de caminhoneiros continuam e que, inclusive, usam de violência contra os próprios caminhoneiros que pretendem sair da mobilização para voltar ao trabalho normal. Ver trecho abaixo:

“...Caminhoneiros continuam fazendo protestos em rodovias do país nesta quarta-feira (30), o 10º dia da greve. Há atos em pelo menos 14 estados: Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraná, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Rondônia, Santa Catarina e São Paulo.

Em alguns estados, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e as Forças Armadas desbloquearam trechos ocupados por caminhoneiros, como Pernambuco, Paraíba, Mato Grosso, Roraima e São Paulo. Na Rodovia Dutra, entre as cidades de Jacareí e Taubaté, em São Paulo, os policiais impedem que caminhões que queiram passar pelos bloqueios sejam barrados e também escoltam os que desejam abandonar o movimento.

Um caminhoneiro teve o veículo apedrejado ao tentar passar pela Rodovia Marechal Rondon em Agudos, no interior de São Paulo, nesta manhã, segundo a Polícia Rodoviária. O caminhão transportava alimentos para uma fábrica de refrigerantes em Bauru e o ajudante do motorista ficou ferido. Na terça, um caminhoneiro foi agredido em Tocantins após furar um bloqueio na BR-153, em Miranorte.

No Rio Grande do Norte, caminhoneiros ainda estão sendo impedidos de transitar pela BR-101, em Parnamirim, cidade da Grande Natal. Em Goiás, um grupo impediu a população de abastecer em um posto de gasolina em Mineiros e houve confusão...” (acesso em 30/05/2018, disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/greve-de-caminhoneiros-entra-no-10-dia-abastecimento-comeca-a-se-normalizar-em-algumas-capitais.ghtml)

Isto porque, ao que consta, existe a suspeita de uso da paralisação dos caminhoneiros para gerar um estado de caos no país, de maneira a dificultar as negociações. Seja para a obtenção de lucros indevidos por parte de empresários (lock out), seja para desestabilizar o Governo Federal.  (https://veja.abril.com.br/economia/saiba-o-que-e-locaute-delito-que-pf-investiga-em-greve-de-caminhoneiros/).

Lamentavelmente, toda a sociedade sofre com este cenário, que não interessa aos cidadãos de bem, mas sim apenas aqueles que agem com base em agendas obscuras.

Por mais que as Forças Armadas (FA) tenham sido novamente convocadas para agir em mais este teatro de operações, e por mais que esteja contando com apoio da Polícia Rodoviária Federal (PRF), faz-se necessário que outras autoridades estatais também cumpram com suas funções públicas, e envidem seus esforços para restaurar a normalidade.

A greve (ou paralização) é um direito constitucionalmente consagrado, e de tão óbvio e legítimo que é, não será aqui abordado.

Todavia, a desordem precisa ser controlada. E, para tanto, autoridades como Governadores, e a instituição Ministério Público, também precisam se unir a este esforço comum.

Estranhamente, alguns Governadores, não tem tomado posição efetiva neste contexto. Apesar de que muito poderiam fazer com o emprego das suas honradas Polícias Militares. Que, nos termos da Constituição Federal, são “...forças auxiliares e reserva do Exército...” (art. 144, §6°).

Ademais, cumpre relembrar os termos da decisão liminar proferida em 25 de maio de 2018, pelo MIN. ALEXANDRE DE MORAES, nos autos da ADPF n° 519, autorizando a adoção destas providências, inclusive pelos ESTADOS, nos seguintes termos:

“...CONCEDO A MEDIDA CAUTELAR postulada na presente ADPF, ad referendum do Plenário (art. 5º, § 1º, da Lei 9.882/1999) e, com base no art. 5º, § 3º, da Lei 9.882/1999: (a) AUTORIZO que sejam tomadas as medidas necessárias e suficientes, a critério das autoridades responsáveis do Poder Executivo Federal e dos Poderes Executivos Estaduais, ao resguardo da ordem no entorno e, principalmente, à segurança dos pedestres, motoristas, passageiros e dos próprios participantes do movimento que porventura venham a se posicionar em locais inapropriados nas rodovias do país; bem como, para impedir, inclusive nos acostamentos, a ocupação, a obstrução ou a imposição de dificuldade à passagem de veículos em quaisquer trechos das rodovias; ou o desfazimento de tais providências, quando já concretizadas, garantindo-se, assim, a trafegabilidade; inclusive com auxílio, se entenderem imprescindível, das forças de segurança pública, conforme pleiteado (Polícia Rodoviária Federal, Polícias Militares e Força Nacional). (b) DEFIRO a aplicação das multas pleiteadas, a partir da concessão da presente decisão, e em relação ao item (iv.b) da petição inicial, estabeleço responsabilidade solidária entre os manifestantes/condutores dos veículos e seu proprietários, sejam pessoas físicas ou jurídicas. (c) SUSPENDO os efeitos das decisões judiciais que, ao obstarem os pleitos possessórios formulados pela União, impedem a livre circulação de veículos automotores nas rodovias federais e estaduais ocupadas em todo o território nacional, inclusive nos respectivos acostamentos; (d) SUSPENDO os efeitos das decisões judiciais que impedem a imediata reintegração de posse das rodovias federais e estaduais ocupadas em todo o território nacional, inclusive nos respectivos acostamentos. Publique-se e comunique-se, com URGÊNCIA, o DD. Presidente da República. Publique-se...”

Noutros dizeres, o próprio STF, reconheceu a responsabilidade dos Governos Estaduais para ajudar no restabelecimento da ordem pública (mas com observância, obviamente, das garantias constituições inerentes ao legítimo direito de reunião, greve e paralisação, que não se confunde com abusos para se gerar o caos).

Também o Tribunal Superior do Trabalho, antevendo as manobras escusas de setores aproveitadores, em decisão lançada em 29 de maio de 2018, considerou ilegal a greve dos petroleiros agendada para o dia 30 de maio de 2018:

DCG - 1000376-17.2018.5.00.0000

A União e a Petróleo Brasileiro S.A – PETROBRAS ajuízam Ação Declaratória de Nulidade de Greve e Inibitória, com antecipação dos efeitos da tutela de urgência inaudita altera parte, em desfavor da Federação Única dos Petroleiros e Outros, com vistas à imediata declaração de abusividade da greve prevista para os dias 30 e 31 de maio e 1.º de junho de 2018 e à determinação para que seja assegurada a manutenção de 100% dos trabalhadores que prestam serviços no âmbito da Petrobras e suas subsidiárias...

É potencialmente grave o dano que eventual greve da categoria dos petroleiros irá causar à população brasileira, por resultar na continuidade dos efeitos danosos causados com a paralisação dos caminhoneiros. Beira o oportunismo a greve anunciada, cuja deflagração não se reveste de proporcionalidade do que poderia, em tese, ser alcançado com a pauta perseguida e o sacrifício da sociedade para a consecução dos propósitos levantados.

...

Por todo o exposto, defiro parcialmente o pedido para que, diante do caráter aparentemente abusivo da greve e dos graves danos que dela podem advir, determinar aos Suscitados que se abstenham de paralisar suas atividades no âmbito da Petrobras e de suas subsidiárias, nos dias 30 e 31 de maio e 1.º de junho de 2018 e de impedir o livre trânsito de bens e pessoas, sob pena de multa diária, no importe de R$500.000,00 (quinhentos mil reais), a incidir no caso de descumprimento de cada uma das medidas ora determinadas...”

Ora, se os Governadores, que possuem o dever legal, e os meios (suas forças de segurança estaduais) se omitem neste encargo, podem, inclusive, serem alcançados pela lei que define os crimes de responsabilidade, previstos na Lei n° 1.079/50. Na hipótese, atentando (de forma omissiva – Código Penal, art. 13, §2°), contra o exercício dos direitos individuais e sociais, a segurança interna do país, e o cumprimento das decisões judiciárias:

Art. 4º São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição Federal, e, especialmente, contra:

...

III - O exercício dos direitos políticos, individuais e sociais:

IV - A segurança interna do país:

...

VIII - O cumprimento das decisões judiciárias (Constituição, artigo 89).

...

Art. 74. Constituem crimes de responsabilidade dos governadores dos Estados ou dos seus Secretários, quando por eles praticados, os atos definidos como crimes nesta lei...”

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Paralelamente, a Instituição Ministério Público, também ostenta relevante responsabilidade legal, que lhe impõe o dever de ofício de adotar providências, dentro do seu rol de atribuições, em prol da sociedade. Partindo do pressuposto de que, ao que tudo indica, estão ocorrendo distorções na paralisação dos caminhoneiros. Que estaria, agora, buscando alcançar objetivos inconfessáveis com esta mobilização, e que nem mais seria desejo dos próprios caminhoneiros. Mas sim de segmentos infiltrados no movimento. Aliado a novas intentonas de paralisações, como a dos petroleiros. Sobre os deveres ministeriais, confira-se, a respeito, Lei n° 8.625/93 (Lei Orgânica do Ministério Público):

“...1º O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

...

Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:

...

IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:

a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos...”

E, por mais que os integrantes da honrosa carreira do Ministério Público tenham a inquestionável independência funcional (para melhor cumprirem suas obrigações), de maneira alguma pode-se compreender essa independência como uma livre permissão, inclusive para não agir, quando evidentemente é caso de atuação. De outra forma, se não fosse caso de atuação, não se teria mais uma vez convocado extraordinariamente as FORÇAS ARMADAS para esta finalidade.

Os integrantes desta nobre carreira não podem escolher em quais causas atuar, de acordo com suas convicções pessoais, ou ideologias. Até porque, gostem ou não, estão insertos na estrutura do Poder Executivo, como já decidiram o STF e o STJ. Pela evidente razão de que não se constituem em um poder em separado, dentro da concepção tripartite de divisão dos poderes (ou de funções estatais) encampada pelo modelo de estado democrático brasileiro:

Min Carlos Velloso, 23.4.98: Tendo em vista que o Ministério Público, embora funcionalmente independente, está vinculado ao Poder Executivo, o Tribunal deferiu medida cautelar em ação direta requerida pelo Procurador-Geral da República para suspender a eficácia do art. 106, caput, da LC nº 13/91, do Estado do Maranhão (redação dada pela LC 21/94), que prevê como limite máximo da remuneração dos membros do Ministério Público estadual, os valores percebidos como remuneração pelos membros do Poder Judiciário, por aparente afronta ao inciso XI, do art. 37, da CF - que estabelece como teto para os membros do Poder Executivo estadual o valor percebido, como remuneração, pelos Secretários de Estado. (ADInMC 1.756-MA, rel. Min. Moreira Alves, 23.4.98)

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: "PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA DE DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS. MEIO AMBIENTE. COMPETÊNCIA. REPARTIÇÃO DE ATRIBUIÇÕES ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E ESTADUAL. DISTINÇÃO ENTRE COMPETÊNCIA E LEGITIMAÇÃO ATIVA. CRITÉRIOS. 1. A ação civil pública, como as demais, submete-se, quanto à competência, à regra estabelecida no art. 109, I, da Constituição, segundo a qual cabe aos juízes federais processar e julgar "as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e a Justiça do Trabalho". Assim, figurando como autor da ação o Ministério Público Federal, que é órgão da União, a competência para a causa é da Justiça Federal. " (REsp 440.002⁄SE).

O tema é amplo e complexo. O que se pretendeu com este texto foi apenas trazer algumas considerações, de modo a colaborar com a análise dos assuntos de interesse nacional.

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Sobre o autor
Sérgio de Oliveira Netto

Procurador Federal. Mestre em Direito Internacional (Master of Law), com concentração na área de Direitos Humanos, pela American University – Washington College of Law. Especialista em Direito Civil e Processo Civil. Professor do Curso de Direito da Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE (SC).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA NETTO, Sérgio. Manutenção da ordem pública – dever de todos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5447, 31 mai. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66605. Acesso em: 22 dez. 2024.

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