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A revolução por procuração e os caminhoneiros:

o sebastianismo em ação

04/06/2018 às 08:20
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A greve dos caminhoneiros jamais teve caráter estratégico global. A conversa intervencionista e o anseio revolucionário que surgiu durante o movimento, contudo, são demonstrações de que tem muito brasileiro desejando fazer revolução por procuração.

Filosofia, direito, ciência, religião etc. são focos que integram uma única e mesma realidade: a vida humana. Este dado não pode ser objeto de um puro e simples discurso metodológico que isole um destes aspectos como se fosse a principal parte, pois a parte não pode ser maior que o todo. Cabe-nos a humildade de considerar o cenário maior que é a vida.

Há quem se orgulhe de ser conservador; outro se vangloria de ser liberal; ainda tem quem ache o máximo ser intervencionista; tem gente que até acha que ser comunista é ser progressista. Pela minha parte prefiro seguir o que se encontra registrado em minha certidão de nascimento e naquilo que a Verdade que se fez carne ensinou: ou seja, basta-me ser um humilde brasileiro e um anônimo filho de Deus que cultiva, respectivamente, um hino exuberante de amor pelo solo pátrio e uma oração de Pai Nosso que nos promete uma Cidade no Céu, cujos merecimentos são necessariamente frutos de boas obras e da aceitação da responsabilidade pelos próprios atos. Em suma, viver como simples brasileiro e cristão que utiliza ideias e ferramentas conforme sua utilidade.

O movimento grevista que vivenciamos, neste fugaz momento histórico, demonstra que tanto o governo como a sociedade não compreendem a dimensão, e a organização das forças econômicas e sociais em curso no Brasil, e jamais cogitaram com a possibilidade real de uma categoria parar o país de forma eficaz.

O problema que surge com a continuidade da greve é que, por mais que queiram que os caminhoneiros salvem o Brasil, porque os brasileiros sofrem, eles, os caminhoneiros, também sofrem, só que em dobro, dada a precariedade de seu dia-a-dia profissional.

E no final das contas é possível afirmar que a pauta não era política, mas, p.ex., aqui no Pará, há uma grande raiva acumulada pela categoria, uma vez que são quase todos vindos de fora, e aqui são muito maltratados. Fosse eu, ficaria parado vendo o circo pegar fogo. Basta, para uma parcela da categoria, ficar estacionada, que tudo se desenvolve no sentido do caos. Acho que muitos dos caminhoneiros estão encantados com esse poder.

Por que o caminhoneiro teria que salvar todos os brasileiros, se estes pouco se importam com o sofrimento do caminhoneiro? E olha que a reivindicação principal foi só o preço do diesel, imagine se fosse uma pauta realmente política!

A burguesia industrial ainda não compreendeu a burguesia da logística, que, em sua massa, é composta pelos autônomos. Continuamos com a mentalidade de que empresários devem ser limpinhos e cheirosos, e, assim, subestimaram os caminhoneiros.

O sebastianismo é essa nossa mania, no sentido de loucura, de esperar por um salvador da pátria, no lugar de assumir a responsabilidade pela própria luta.

Caminhões não são tanques, soldados não são políticos, revoluções não são entregues por delivery.

Se tivesse poder de alterar o currículo do ensino básico incluía a explicação do sebastianismo luso-brasileiro, como item obrigatório, afinal precisamos conhecer nossa paranóia atávica, que nasceu da morte gloriosa do último rei da dinastia de Avis.

No Brasil, já temos mais de um século sem os suores, temores e horrores da guerra total em nossas fronteiras, e essa realidade gera uma psicologia social que não se preocupa com a liberdade política.

De um simples movimento que mobilizou uma categoria profissional em busca de objetivos limitados, há uma tendência em pugnar pela criação de um movimento revolucionário de amplo espectro.

Essa conversa intervencionista, e esse anseio revolucionário, durante a greve dos caminhoneiros, são demonstrações de que tem muito brasileiro desejando fazer revolução por procuração.

A greve dos caminhoneiros jamais teve um caráter estratégico global. Desde as manifestações iniciadas em 2015, sempre foi negociada uma pauta específica para esse seguimento, composto, principalmente, de autônomos.

Além disso tudo, por ser um grupo que depende da própria produtividade, somente numa situação de vida ou morte, essa classe encararia uma luta pela derrocada do governo. O resultado alcançado foi o que se pretendeu dentro desse movimento, que mais parece uma antiga corporação de oficio.

Neste sentido, ainda estamos prosseguindo no processo de autoeducação político-revolucionária. Temos muito ainda que caminhar no Brasil para que se promovam verdadeiros levantes que coloquem as instituições em jogo.

Enquanto não são feitas apostas de vida e morte, com o objetivo de mudar o destino da nação, fiquemos com o recém conquistado direito de manifestação de opinião com tomatada, que agora é nosso direito humano à livre expressão, manifeste-mo-nos, conforme recente decisão judicial.

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Sobre o autor
Werner Nabiça Coêlho

Advogado, especialista em direito tributário pela UNAMA/IBET

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COÊLHO, Werner Nabiça. A revolução por procuração e os caminhoneiros:: o sebastianismo em ação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5451, 4 jun. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66625. Acesso em: 2 nov. 2024.

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