O Supremo Tribunal Federal proibiu, por 6 votos a 5, a condução coercitiva de investigados para interrogatórios com o argumento de que pode haver violação de direitos previstos na Constituição – como o de ir e vir, de ficar em silêncio e o de não se incriminar. A medida, prevista no Código de Processo Penal em vigor desde 3 de outubro de 1941, era um dos instrumentos largamente usados pela Operação Lava Jato, mas criticada por advogados criminalistas.
A discussão no plenário da Corte girou em torno de duas ações, apresentadas pelo PT e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que contestavam a condução à força de investigados para a realização de interrogatórios. A ação do PT foi ajuizada em abril de 2016, após o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, atualmente condenado e preso pela Lava Jato, ter sido levado coercitivamente para depor na Polícia Federal.
O procedimento vinha sendo utilizado em investigações da PF até o fim do ano passado, quando foi vetado pelo ministro Gilmar Mendes em decisão liminar (provisória). Depois do veto, as prisões temporárias cumpridas pela PF cresceram 31,75% nos primeiros quatro meses de 2018 em relação ao mesmo período do ano anterior,
A condução coercitiva é um ato gravoso, que solapa o perfil do conduzido. É um ato que cerceia a liberdade de ir e vir do cidadão, que fragiliza o homem no que alcança e coloca em dúvida o próprio caráter, e visa ao interrogatório, que se realizará em termos de perguntas, mas não necessariamente de respostas”, criticou Marco Aurélio. “Devemos abandonar o calor das emoções. Em época de crise, como a vivenciada no Brasil atualmente, devemos até mesmo ser ortodoxos na interpretação do arcabouço normativo legal.”
Em artigo, de dezembro de 2017, já entendíamos a condição coercitiva como instrumento processual penal inconstitucional.
É comando impositivo, que independente da voluntariedade da pessoa, admitindo-se o uso de algemas nos limites da Súmula 11 do Supremo Tribunal Federal.
Assim dissemos:
“Discute-se a realização desse procedimento em sede de inquérito policial ou ainda de processo judicial, onde o investigado, o réu, é notificado para comparecimento no objetivo de depor e não quer comparecer.
Bem acentua Uadi Lammego Bulos (Constituição Federal Anotada, São Paulo, Saraiva, 6ª edição, pág. 325) que há um privilégio contra autoincriminação, que retrata o princípio de que ninguém pode ser obrigado a produzir prova contra si mesmo.
Sendo assim tal privilégio, inserido em verdadeira garantia constitucional, como se lê do artigo 5º, LXIII, da Constituição Federal, é manifestação:
- Da cláusula da ampla defesa (artigo 5º, LV, da Constituição Federal);
- Do direito de permanecer calado (artigo 5º, LXIII, da Constituição Federal);
- Da presunção da inocência (artigo 5º, LVII, da Constituição Federal);
O direito do acusado ao silêncio assume, como revelam Ada Pellegrini Grinover, Antônio Scarance Fernandes e Antônio Magalhães Gomes Filho (As nulidades no processo penal, São Paulo, Malheiros, 1992, pág. 67) uma dimensão de verdadeiro direito, cujo exercício há de ser assegurado de maneira plena, sem acompanhamento de pressões, seja de forma direta ou direta, destinadas a induzi-lo a prestar um depoimento.
Por certo, as perguntas sobre a qualificação do acusado não estão acobertadas pelo direito ao silêncio, uma vez que não se está aqui diante de uma atividade defensiva.
Assim, a leitura que deve ser feita do artigo 186 do Código de Processo Penal, quando exige do juiz, ao informar ao acusado sobre a faculdade de não responder às perguntas formuladas, leva a considerar inconstitucional a parte que, de forma velada, esclarece que seu silêncio pode ser interpretado em prejuízo da defesa.
O direito ao silêncio não pode ser invocado, não pode servir como fundamento, para decretação da medida em tela.
De toda sorte, ao permitir-se, como regra legal, o silêncio no curso da ação penal, o sistema processual pátrio impede a utilização pelo julgador de critérios exclusivamente subjetivos na formação do convencimento judicial. Evita-se a conclusão que vem da cultura de nosso povo de que "quem cala consente".
Notável nesse sentido é a ilação que se tem da modificação trazida pela Lei 11.689/08, no bojo da reforma processual, onde não mais se contempla a exigência da presença do acusado nos processos do Tribunal do Júri, nos casos antes previstos na regra revogada do artigo 451 do Código de Processo Penal, questão esta já discutida pelo Superior Tribunal de Justiça (RT 710/344) e ainda no Supremo Tribunal Federal (HC 71.923 – 6/PE, DJU de 24 de fevereiro de 1995).
Lúcida a opinião de Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar (Curso de Direito Processual Penal, Salvador, Editora Jus Podivm, 7ª edição, pág. 123) quando consideram a condução coercitiva do indiciado, na fase do inquérito policial, uma medida de duvidosa constitucionalidade, mercê da garantia fundamentada no silêncio, que torna sem propósito a condução daquele que não deseja participar do interrogatório. Para eles, caso a autoridade policial repute indispensável a oitiva do indiciado que recusou atender a notificação, deverá noticiar tal fato ao juiz, pleiteando a condução coercitiva.
Outra indagação se faz com relação 'a condução coercitiva da testemunha no Inquérito Policial.
A esse respeito, tem-se a lição de Paulo Rangel (Direito Processual Penal, São Paulo, ed. Atlas, 20ª edição, pág. 151) quando indaga: “Qual a providência que deve adotar a autoridade policial quando, no curso do inquérito, desejar ouvir uma testemunha que se recusa a comparecer para ser ouvida: Aplica-se o art. 218 do CPP? Ou seja, pode a autoridade policial conduzir coercitivamente a testemunha utilizando esse dispositivo, analogicamente?”. Por certo que a resposta seria não.
Realmente, a resposta negativa se impõe para a pergunta. As regras restritivas de direito não comportam interpretação extensiva ou analógica; a duas, a condução coercitiva da testemunha implica a violação de seu domicílio, conduta proibida pela Constituição da República.
Deve a autoridade policial representar ao juiz competente, demonstrando o periculum in mora e o fumus boni iuris, a fim de que o juiz conceda a medida cautelar necessária.
Disse bem Luiz Francisco Carvalho Filho, em artigo denominado "A banalização do arbítrio", na Folha de São Paulo, de 16 de dezembro do corrente ano:
"É a banalização do arbítrio. A detenção é rápida, dura só algumas horas, mas seus efeitos, evidentemente menos drásticos do que os decorrentes das prisões cautelares, também são devastadores para a reputação das pessoas.
A passageira restrição à liberdade, promovida por agentes desnecessariamente agressivos e armados, fingindo existir uma situação de perigo, tal como se disseminou a partir da Lava Jato, não se justifica por dois motivos: é inconstitucional e inútil.".
E acrescentou:
"Como a Constituição assegura o direito ao silêncio, a condução coercitiva serve apenas para escândalo jornalístico, não para dar eficiência à investigação.
Foram centenas de conduções coercitivas irregulares desde 2014 e só depois de Lula, em março de 2016, o costume autoritário passou a ser visto com desconfiança. Mais recentemente, a medida atingiu professores universitários, gerando nova onda de estranhamento e inconformismo.".
Tomada para pegar de surpresa o investigado, que, a princípio, estudaria com seu advogado resposta a possíveis perguntas apresentadas pela autoridade policial, em dia e hora que fossem marcadas, a medida, da maneira abusiva com que é feita, afronta direitos e garantias individuais a começar pelo direito ao silêncio do investigado, significando uma providência de arbítrio, que é própria de regimes ditatoriais. Serve mais para amedrontar o investigado e expô-lo a publicidade de forma degradante.”