Capa da publicação Mães condenadas, filhos prisioneiros: o que o STF diz a respeito
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Mães condenadas, filhos prisioneiros

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20/06/2018 às 14:32

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3 OS DIREITOS DA CRIANÇA PRESA

Para falar do direito destas crianças é preciso olhar para a Constituição e o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei 8.069 de 1990. Estas crianças gestadas, condenadas a nascer nas prisões ou nela passar parte dos primeiros dias de vida, também devem ter seus direitos protegidos. A lei protege o direito de todos e destaca o interesse dos mais vulneráveis. As crianças em desenvolvimento devem ser prioridades para a família e para a sociedade.

Esta proteção do Estado, enquanto elas estão presas, deve dedicar cuidados especiais para elas a fim de que não sejam punidas mais ainda. Isto é, para que elas, por causa deste tempo de encarceramento, além de serem atingidas pelas condenações das mães, não acabem marcadas para sempre pelos dias passados na prisão por aquilo que nunca deveram.

Assim, segue um breve estudo da Constituição com relação aos direitos do feto e da criança encarceradas com a mãe nos Direitos e Garantias Fundamentais. Segue, também, algumas anotações sobre estes direitos no Estatuto da Criança e do Adolescente. Por fim, será feito pequena anotação sobre o que diz a lei processual penal sobre esta situação.

3.1 A criança presa com a mãe e seu direito constitucional

A Constituição apresenta, dentro do Título sobre os Direitos e Garantias Fundamentais, quatro incisos que podem ser aplicados ao tema em questão. Ao falar de grávidas presas gestantes e de crianças mantidas na prisão junto com as mães, vale lembrar que elas estão ali por tabela, em vista da condenação da mãe. O único crime delas é ter nascido de uma mãe que está sendo acusada ou processada por cometer algum crime.

Os fetos na barriga das mães e os bebês nas prisões também têm seu direito protegido pela Constituição. Não é uma situação fácil, pois o problema tem muitos lados diferentes. De um lado, quem comete um crime não pode deixar de ser punido pelo fato de estar grávida ou ter filhos. Isto poderia provocar uma corrida pela gravidez por parte de mulheres delinquentes.

De outro lado, em vista do tipo de relação estabelecida entre a gestante e o feto ou a mãe e a criança que amamenta, não é fácil falar de garantia de direitos daquele indefeso que por nascer de mãe presa acaba ficando preso com ela e não tendo o conforto próprio do convívio com a família nem garantido seu direito de desenvolvimento integral.

Por fim, para assegurar seus direitos e garantias é preciso assegurar a punição da mãe sem punir o filho. Isto parece muito difícil, porque só o fato de passar os dias da gestação e / ou os primeiros dias de vida no ambiente da prisão já é uma forma de nascer condenado. Mas, ser tirado da mãe e levado para a família ou para abrigo indo ver a genitora somente nos finais de semana, inclusive, se for o caso, privado de amamentação, não parece ser algo bom para uma criança pequena.

O tema é tão importante que o legislador constituinte o incluiu no rol dos direitos e garantias fundamentais colocados no artigo 5o da Constituição de 1988 no qual se lê que "L - às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação". Portanto, as condições de ambiente favoráveis à gravidez e à amamentação não privilégio para a presa, mas direito dela e especialmente de seu filho gestado ou recém-nascido.

Depois, convém fazer a leitura do inciso LIV que afirma: "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". O texto da constituição diz: "Ninguém será privado da liberdade". Então, o caso dos fetos e das crianças encarceradas com suas mães é uma grave exceção para esta regra. Elas ali se encontram por causa do devido processo legal de outra pessoa: sua mãe. Não estão condenadas, porém se encontram privadas de liberdade.

Como consequência do dito no parágrafo anterior, a situação destas crianças serve, também, de exceção para o inciso LVII, pelo qual "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Estas crianças, pelo fato de nascerem de mães condenadas são atingidas pela condenação.

De certo modo, elas também, mesmo não condenadas, estão presas e para elas serve, também, o disposto no inciso XLIX, para o qual "é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral". Mais ainda para elas que estão presas sem nenhuma condenação e sem cometer nenhuma conduta que possa ser considerada crime. Elas sofrem as restrições por não poder ter contato com os demais membros da família. Neste caso, o ambiente deve assegurar o mínimo de "respeito à integridade física e moral"

3.2. Na barriga da mãe ou recém-nascido: os direitos desrespeitados da criança

Além do previsto acima, vale lembrar que a Constituição determina a "absoluta prioridade" do interesse da criança ao normatizar no artigo 227

CF/88 - "Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

A mesma proteção é retomada no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8.069 de 1990. Desta vez incluindo "todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana" para todas as crianças independente da condição de nascimento. Mas, é bom lembrar mais uma vez, que a situação da criança ainda na barriga da mãe e daquela que vive na prisão com a mãe, especialmente, ali nascendo, cria dificuldade para a aplicação do estabelecido na lei.

O ECA defende todos os meios e facilidades para que o "desenvolvimento físico, mental, espiritual e social" da criança". Pede que ele encontre "condições de liberdade e dignidade" muito difícil de ser visualizada na carceragem, junto com a mãe e longe do resto da família.

Diz o ECA:

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Parágrafo único.  Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem.

Em seguida, a Lei faz referência e enfatiza o disposto na Constituição ao afirmar:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Desta forma, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece a política da absoluta prioridade do interesse da criança. Isto porque, esta é uma das fases mais importante da formação humana. Dela depende o futuro da criança e também da sociedade.

Neste sentido, o Código de Processo Penal, Decreto-Lei 3.649 de 1941, com as mudanças processuais de 2011 e 2016, passou a regulamentar o tema considerando esta prioridade absoluta. Então, normatiza da seguinte forma a questão da prisão de mães grávidas e com filhos pequenos:

Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:

(...)

IV - gestante;

V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos; (...)

Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo.

Verifica-se, portanto, com a leitura dos incisos IV e V que está estabelecido o direito de a gestante e a mulher com filho até 12 anos ter substituída a prisão preventiva por domiciliar. Renato Brasileiro de Lima, o inciso IV do artigo 318 que para não conceder a prisão domiciliar o ambiente penitenciário deve "conceder tratamento adequado à gestante" (LIMA, 2017, p. 923).

Em último caso, não havendo condições de medidas alternativas e sendo obrigado à prisão da mulher deve-se aplicar as Regras de Bangkok. O Brasil assinou as Regras de Bangkok (BRASIL, 2016) que se preocupa com o tratamento de mulheres presas e orienta medidas privativas de liberdade no caso das mulheres infratoras.

Estas regras falam de como deve ser a prisão no caso de mulheres grávidas ou com filhos pequenos que precisam ficar com ela. Mas Cerneka (2012) fala que é preciso trabalhar para fazer as Regras de Bangkok produzirem seus efeitos no Brasil.

Entre outras proteções, estas regras contemplam a realidade da mulher mãe em situação de prisão; o fato de que atualmente a grande maioria de mulheres é presa pelo envolvimento com drogas; a realidade das estrangeiras, a questão de saúde em geral e a saúde mental, e o direito de contato com sua família (seja por visita ou por telefone). (CERNEKA, 2012)

A cláusula de número 23 das Regras de Bangkok trata deste assunto e diz o seguinte:

23.

1) Nos estabelecimentos penitenciários para mulheres devem existir instalações especiais para o tratamento das reclusas grávidas, das que tenham acabado de dar à luz e das convalescentes. Desde que seja possível, devem ser tomadas medidas para que o parto tenha lugar num hospital civil. Se a criança nascer num estabelecimento penitenciário, tal fato não deve constar do respectivo registro de nascimento.

2) Quando for permitido às mães reclusas conservar os filhos consigo, devem ser tomadas medidas para organizar um inventário dotado de pessoal qualificado, onde as crianças possam permanecer quando não estejam ao cuidado das mães.

As histórias contadas nos livros citados no item 2.1 (A realidade das prisioneiras com seus filhos) mostram que na realidade das prisões brasileiras não é bem assim. Ainda falta muito para dar cuidados mais humanos para as grávidas, para os partos e para as crianças ali aprisionadas com as mães. Como defende Cerneka (2012) ainda falta muito para o direito e a proteção da maternidade e dos cuidados com as crianças das presas serem devidamente protegidas no Brasil.

Neste mesmo sentido aponta o Marco Civil da Primeira Infância, regulamentado pela Lei 13.257 de 2016. Este documento regulamenta a prioridade do interesse da criança destacando a primeira infância, isto é, os primeiros anos de vida. Na Lei está escrito que:

Lei 13.257, Art. 1o Esta Lei estabelece princípios e diretrizes para a formulação e a implementação de políticas públicas para a primeira infância em atenção à especificidade e à relevância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento infantil e no desenvolvimento do ser humano (...)

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Neste sentido, para assegurar uma boa primeira infância, a Lei fala de políticas públicas e de programas para atender todas as famílias com o objetivo de proporcionar o desenvolvimento integral da criança. O artigo 14 desta lei sugere importantes políticas e programas para as famílias com gestantes e com crianças nos primeiros anos de vida.

O artigo estabelece que:

Art. 14. As políticas e programas governamentais de apoio às famílias, incluindo as visitas domiciliares e os programas de promoção da paternidade e maternidade responsáveis, buscarão a articulação das áreas de saúde, nutrição, educação, assistência social, cultura, trabalho, habitação, meio ambiente e direitos humanos, entre outras, com vistas ao desenvolvimento integral da criança.

§ 1o Os programas que se destinam ao fortalecimento da família no exercício de sua função de cuidado e educação de seus filhos na primeira infância promoverão atividades centradas na criança, focadas na família e baseadas na comunidade.

§ 2o As famílias identificadas nas redes de saúde, educação e assistência social e nos órgãos do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente que se encontrem em situação de vulnerabilidade e de risco ou com direitos violados para exercer seu papel protetivo de cuidado e educação da criança na primeira infância, bem como as que têm crianças com indicadores de risco ou deficiência, terão prioridade nas políticas sociais públicas.

§ 3o As gestantes e as famílias com crianças na primeira infância deverão receber orientação e formação sobre maternidade e paternidade responsáveis, aleitamento materno, alimentação complementar saudável, crescimento e desenvolvimento infantil integral, prevenção de acidentes e educação sem uso de castigos físicos, nos termos da Lei no 13.010, de 26 de junho de 2014, com o intuito de favorecer a formação e a consolidação de vínculos afetivos e estimular o desenvolvimento integral na primeira infância.

§ 4o A oferta de programas e de ações de visita domiciliar e de outras modalidades que estimulem o desenvolvimento integral na primeira infância será considerada estratégia de atuação sempre que respaldada pelas políticas públicas sociais e avaliada pela equipe profissional responsável.

§ 5o Os programas de visita domiciliar voltados ao cuidado e educação na primeira infância deverão contar com profissionais qualificados, apoiados por medidas que assegurem sua permanência e formação continuada.

Todas estas coisas bonitas estão longe da realidade das grávidas e crianças encarceradas. Pelo menos, mais uma vez, é o que mostram os relatos dos livros citados para falar da realidade das prisões. Longe da família, quase sempre sem berçário, em meio a um clima muito pesado e até rebeliões, as crianças crescem distantes do desejado desenvolvimento integral.

Além disto, "o estigma social enfrentado pelos pais presos", estende-se para seus familiares e, portanto, para as crianças (STELLA, 2009, P. 293). Em condições precárias dentro da prisão, os pequenos reclusos inocentes já crescem marcados pelos preconceitos. Assim, levam para a vida as consequências do clima pesado da prisão e são recebidos pela sociedade com preconceitos e não aceitação.

3.3 Sinais de mudança na decisão do HC 143.641

O Código de Processo Penal, no artigo 318, incisos IV e V, como já apresentado, permite a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar para as gestantes e mães com filhos até 12 anos. A mesma coisa se encontra autorizada na Lei de Execução Penal, nos incisos III e IV artigo 117, onde se lê:

Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de:

(...)

*III - condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental;

IV - condenada gestante.

Apesar da clareza das duas lei isto não era praticado, levando muitas mulheres gestantes ou com crianças pequenas ao encarceramento. O problema destas presas preventivamente foi amenizado com a decisão do Habeas Corpus 143.641, relatado pelo Ministro Ricardo Lewandowski.

Em Habeas corpus coletivo, tendo como paciente todas as mulheres presas preventivas em estado de gravidez ou com criança pequena, pediu-se a aplicação da lei. Na apresentação do problema os impetrantes:

Afirmaram que a prisão preventiva, ao confinar mulheres grávidas em estabelecimentos prisionais precários, subtraindo-lhes o acesso a programas de saúde pré-natal, assistência regular na gestação e no pós-parto, e ainda privando as crianças de condições adequadas ao seu desenvolvimento, constitui tratamento desumano, cruel e degradante, que infringe os postulados constitucionais relacionados à individualização da pena, à vedação de penas cruéis e, ainda, ao respeito à integridade física e moral da presa. (STF, HC 143.641)

Além disto, confirmando narrativas em relação à situação de aprisionamento na qual estas mulheres se encontravam, os impetrantes:

Arguiram que, embora a Lei de Execução Penal (LEP) determine como obrigatória, nos estabelecimentos penais, a presença de instalações para atendimento a gestantes e crianças, essas disposições legais vêm sendo sistematicamente desrespeitadas. (STF, HC 143.641)

O Ministro Relator Lewandowski concordou com os dados apresentados pelos defensores dos interesses das pacientes afirmando que eles mostram "um descumprimento sistemático de regras constitucionais, convencionais e legais referentes aos direitos das presas e de seus filhos" (STF, HC 143.641). Tanto descumpre a lei que autoriza a prisão domiciliar das presas preventivas quanto as obrigações de dar dignidade para os casos de condenação nos quais a prisão pode ser evitada.

O Ministro conclui que:

Em suma, quer sob o ponto de vista da proteção dos direitos humanos, quer sob uma ótica estritamente utilitarista, nada justifica manter a situação atual de privação a que estão sujeitas as mulheres presas e suas crianças, as quais, convém ressaltar, não perderam a cidadania, em razão da deplorável situação em que se encontram. (STF, HC 143.641)

Por fim, concede a ordem para substituir a prisão preventiva pela domiciliar para "todas as mulheres presas gestantes, puérperes ou mães de crianças e deficientes" (STF, HC 143.641). Esta decisão resolveu parte do problema. Mas é preciso considerar a influência materna na vida da criança e as consequências se mãe permanecer na criminalidade. Ocorre que a realidade das penitenciárias continua não atendendo as regras para os casos das mães condenadas que os filhos são encarcerados conjuntamente ou são gestados e nascidos no cárcere.

Assim, tanto encarcerada com a mãe ou assistindo a conduta criminosa da mãe, a crianças sofrerá as consequências. Estas crianças crescidas no ambiente da prisão e dos crimes acabam pagando os erros cometidos pelos pais. E, considerando a influência que a mãe tem sobre a socialização do filho, não se pode perder de vista que a situação de "criminalidade e a prisão materna" ter impacto na vida da criança. (STELLA, 2009, p. 305).

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Sobre a autora
Bárbara C Pagnozzi

Discente do 5º ano do curso de Direitodo Centro Universitário “Antônio Eufrásio de Toledo” de Presidente Prudente.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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