Nos recentes tempos de crise já se tornou bastante comum entre empresas que passam por dificuldades a adoção do instituto da recuperação judicial para ganhar algum fôlego e proporcionar a retomada das atividades produtivas de forma sustentável.
No entanto, ainda geram algumas dúvidas a utilização do instituto para os empresários rurais, que, como quaisquer outros, estão sujeitos às intempéries da economia e dos seus próprios negócios.
Assim, o presente texto pretende abordar a questão e demonstrar que a recuperação judicial é uma alternativa viável aos produtores rurais. Ademais, pretende-se afastar o entendimento de que tais empresários possuem a obrigatoriedade do Registro Público de Empresas Mercantis pelo período de 2 anos para atender a requisito da lei recuperacional previsto no caput de seu art. 48.
Inicialmente, parece razoável afirmar, sem sombra de dúvidas, que a Lei nº 11.101/2005 possibilita a recuperação judicial de qualquer forma empresarial admitida no nosso ordenamento pátrio, com as exceções previstas no art. 2º:
Art. 1º Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor.
Art. 2º Esta Lei não se aplica a:
I – empresa pública e sociedade de economia mista;
II – instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.
Portanto, qualquer forma empresarial, individual ou constituída em sociedade, a princípio, pode se beneficiar da recuperação judicial, desde que atendidos aos demais requisitos legais.
Diante disso, é possível questionar: o produtor rural pode ser considerado empresário?
Sobre o tema, assim dispõe o Código Civil:
Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.
Pois bem, não há dúvidas de que, excetuando-se o pequeno agricultor familiar, que produz para a sua subsistência com o mínimo de excedente, a maioria dos produtores rurais, independentemente da sua atividade (agricultura, pecuária, extrativista etc.), podem ser considerados empresários, já que, notoriamente, desempenham atividade econômica organizada para produção e/ou circulação de bens e serviços.
Ainda, importante destacar que o Estatuto da Terra (Lei 4.504/64) traz o instituto da "empresa rural" em consonância com a tese de que o produtor rural poderá ser considerado empresário para fins da Lei de Recuperação Judicial e Falências:
Art. 4º Para os efeitos desta Lei, definem-se:
(...)
VI - "Empresa Rural" é o empreendimento de pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que explore econômica e racionalmente imóvel rural, dentro de condição de rendimento econômico ...Vetado... da região em que se situe e que explore área mínima agricultável do imóvel segundo padrões fixados, pública e previamente, pelo Poder Executivo. Para esse fim, equiparam-se às áreas cultivadas, as pastagens, as matas naturais e artificiais e as áreas ocupadas com benfeitorias;
Ademais, o Código Civil oferece tratamento diferenciado ao empresário rural, facultando sua inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, ao contrário do que ocorre com os demais empresários, cuja inscrição é obrigatória para o desempenho regular da atividade:
Art. 967. É obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade.
(...)
Art. 970. A lei assegurará tratamento favorecido, diferenciado e simplificado ao empresário rural e ao pequeno empresário, quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes.
Art. 971. O empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, pode, observadas as formalidades de que tratam o art. 968 e seus parágrafos, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro.
Portanto, a atividade de empresário rural é considerada regular mesmo sem prévia inscrição na Junta Comercial. E essa conclusão é essencial para a verificação da possibilidade de se conceder a Recuperação Judicial a esses empresários, independentemente do cumprimento do prazo bienal exigido no caput do art. 48 do Estatuto de recuperação e falência.
Pois bem, assim dispõe o referido art. 48:
Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente:
Importante observar que se criou uma grande celeuma jurídica ao se defender a leitura conjugada do art. 48 da Lei 11.101/05 e art. 967 do Código Civil, concluindo-se que mesmo ao empresário rural é obrigatório comprovar o registro em Junta Comercial pelo período mínimo de 2 anos para se autorizar o deferimento da Recuperação Judicial.
No entanto, o art. 48, caput, é claro ao expor que poderá requerer a recuperação o devedor (empresário) que desempenha regularmente a atividade empresarial pelo período de 2 anos. Como demonstramos, o produtor rural exerce atividade empresarial regular, independentemente de registro, pois esse registro é para ele uma faculdade.
Seguindo-se esse raciocínio, seria crível defender que o produtor rural poderá pedir a recuperação judicial na condição de pessoa física, sem ter que apresentar qualquer registro comercial, portanto. Para tanto, seria apenas necessário comprovar de forma inequívoca o desempenho da atividade empresarial pelo tempo de 2 anos.
Tanto seria possível pedir a recuperação judicial como pessoa física que o § 2º do art. 48 faz ressalva expressa àquele produtor rural que está constituído como pessoa jurídica:
§ 2º Tratando-se de exercício de atividade rural por pessoa jurídica, admite-se a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo por meio da Declaração de Informações Econômico-fiscais da Pessoa Jurídica - DIPJ que tenha sido entregue tempestivamente.
Corroborando com essa tese, válido citar que o Projeto de Lei nº 6279/2013, com a finalidade de sanar a lacuna legal, que, a nosso ver, trata-se mais de uma obscuridade interpretativa, autoriza que o produtor rural comprove o período de atividade por meio da apresentação de seu imposto de renda:
§ 2. Tratando-se de exercício de atividade rural, admite-se a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo com a declaração de imposto de renda.
Agora, adotando-se uma tese mais conservadora, é defensável que o empresário rural deva sim proceder à inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, a fim de que fique equiparado, para todos os fins, ao empresário sujeito (obrigatoriamente) ao registro, conforme determina o final do art. 971 do Código Civil.
Nessa linha, o empresário rural que quiser se utilizar do instituto da recuperação judicial deverá, antes do pedido, proceder ao registro. Veja-se que, mesmo nessa situação, não se pode exigir a apresentação do registro em período igual ou superior a dois anos. Isso porque, como já frisado, a atividade empresarial do produtor rural é regular independentemente de inscrição em Junta Comercial.
Observe que o registro nessa hipótese possui natureza declaratória e não constitutiva. Vale dizer, o produtor rural não passa a ser empresário no momento da inscrição (constitutivo), mas sim declara a situação já existente de atividade de empresa. Assim, o tempo de atividade de empresa deverá ser comprovado de outra forma para o cumprimento do caput do art. 48.
Inclusive, pensando-se na hipótese de que a inscrição em registro público de empresas mercantis não é obrigatória para o produtor rural, o próprio legislador, no § 2º do art. 48, ofereceu como forma de prova, em substituição a esse registro, a Declaração de Informações Econômico-fiscais da Pessoa Jurídica - DIPJ, que, a partir do ano-calendário de 2014, foi substituída pela Escrituração Contábil Fiscal – ECF.
Diante do exposto, afasta-se tese no sentido de que o produtor rural, para fazer jus ao direito de pedir recuperação judicial, deve estar registrado em junta comercial há, pelo menos, dois anos. Basta a esse empresário comprovar sua atividade regular nesse período e atender cumulativamente aos demais requisitos do art. 48.