O acesso a dados bancários pelo fisco sem autorização judicial

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28/06/2018 às 14:47

Resumo:


  • O Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do RE 601.314/SP em 2016, reconheceu a constitucionalidade do art. 6º da Lei Complementar nº 105/2001, que permite o acesso do fisco aos dados bancários dos contribuintes sem necessidade de autorização judicial, argumentando que isso promove a igualdade e o princípio da capacidade contributiva.

  • A decisão do STF considerou que o acesso aos dados bancários representa a transferência do sigilo da esfera bancária para a fiscal, mantendo a proteção da privacidade e a confidencialidade das informações obtidas.

  • A tendência internacional, impulsionada por iniciativas como o Fórum Global para Transparência e Troca de Informações Tributárias e o Foreign Account Tax Compliance Act (F.A.T.C.A.), apoia a transparência fiscal e a cooperação entre países, relativizando o sigilo bancário para combater fraudes e evasão fiscal.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Discute-se a possibilidade do acesso aos dados bancários dos contribuintes pelo Fisco sem a necessidade de autorização judicial.

Este trabalho apresenta análise da doutrina e da jurisprudência acerca do acesso pelo fisco aos dados bancários dos contribuintes, sem autorização judicial. A relevância do tema se deve ao fato de existirem posicionamentos doutrinários opostos opinando pela (in)constitucionalidade da lei que autoriza o livre acesso do fisco mediante cumprimento de alguns requisitos. Após uma série de debates e durante o enfrentamento da questão, em 2016 o Supremo Tribunal Federal - STF julgou o RE 601.314/SP, reconhecendo que o art. 6° da Lei Complementar n° 105/2001 não ofende o direito ao sigilo bancário, uma vez que realiza igualdade entre os cidadãos, através do princípio da capacidade contributiva, além de estabelecer requisitos objetivos e transferir o sigilo da esfera bancária para a fiscal. O objetivo deste trabalho é corroborar com o entendimento do STF, agregando a tendência da comunidade internacional através da OCDE e de iniciativas como o Fórum Global para Transparência e Troca de Informações Tributárias, além do F.A.T.C.A. (Foreign Account Tax Compliance Act), visando aprimorar o intercâmbio de informações tributárias, dentre elas as bancárias, evitando-se a fraude e a evasão tributária. O método utilizado foi o da pesquisa bibliográfica, concluiu-se que não há óbice constitucional que impeça o acesso do fisco aos dados bancários, independentemente de haver ou não mandamento judicial para esta finalidade. A legislação sobre o tema encontra-se adequada, principalmente quando comparada à tendência da comunidade internacional, acompanhando a decisão mais recente do STF permitindo o acesso pelo fisco aos dados bancários sem necessidade de autorização judicial.

Palavras-chave: Sigilo Bancário. Quebra de sigilo. Fisco. Intimidade. Vida Privada.

ABSTRACT:This paper presents an analysis of the doctrine and jurisprudence regarding the access of bankers data of the taxpayers by tax authorities, without judicial authorization. The relevance of the theme is due to the fact that there are opposing doctrinal positions in the opinion of the (un)constitutionality of the law that authorizes the free access of the tax authorities by complying with certain requirements. After a series of debates and during the confrontation of the question, in 2016 the Federal Supreme Court (FSC) judged RE 601.314 / SP, recognizing that art. 6 of Complementary Law 105/2001 does not offend the right to banking secrecy, since it performs equality among citizens, through the principle of contributory capacity, in addition to establishing objective requirements and transferring secrecy from the banking sphere to the fiscal one. The objective of this paper is to corroborate with the FSC's understanding, adding the tendency of the international community through the OECD and initiatives such as the Global Forum for Transparency and Exchange of Tax Information, as well as the Foreign Account Tax Compliance Act (F.A.T.C.A.), aiming exchange of tax information, including banking, avoiding fraud and tax evasion. The method used was the bibliographical research, it was concluded that there is no constitutional obstacle that prevents the access of the tax authorities to the bank data, regardless of whether or not there is a judicial order for this purpose. Legislation on the subject is adequate, especially when compared to the tendency of the international community, following the most recent decision of the FSC authorizing access by tax authorities to the bank data without the need for judicial authorization.

Keywords: Bank Secrecy. Breach of confidentiality. Threasury. Intimacy. Private life.

SUMÁRIO:INTRODUÇÃO.. CAPÍTULO I: Sigilo Bancário – noções gerais.. 1.1 Modalidades de sigilo.. 1.1.1 Sigilo profissional . 1.1.2 Sigilo funcional . 1.1.3 Segredo de justiça. 1.1.4 Sigilo financeiro. 1.1.5 Sigilo bancário. 1.1.6 Sigilo fiscal . 1.2 O nascimento do sigilo bancário.. CAPÍTULO II: Sigilo Bancário no Ordenamento Jurídico Brasileiro.. 2.1 O sigilo na Constituição Federal . 2.2 Breve histórico legislativo.. 2.3 Artigo 198 do CTN (LC nº 104/2001) . 2.4 A LC nº 105/2001. 2.5 Histórico do entendimento jurisprudencial . CAPÍTULO III: Possibilidade de quebra do sigilo bancário sem autorização judicial..3.1 Limitações constitucionais. 3.2 Doutrina. 3.3 O sigilo bancário e a comunidade internacional . 3.3.1 O fórum global . 3.3.2 O F.A.T.C.A. 3.4 Posicionamento do STF.. CONCLUSÃO.. REFERÊNCIAS.. 


INTRODUÇÃO

Esta monografia abordará um tema ainda controverso na doutrina, delicado e muito discutido no âmbito do Direito Tributário, qual seja: o acesso a dados bancários dos cidadãos contribuintes pela Administração Tributária, por intermédio de suas autoridades fiscais, além de questões correlatas à matéria sobre o sigilo.

Apesar de algumas opiniões como a de Ricardo Mariz de Oliveira[1], para quem os debates sobre o sigilo bancário vêm notadamente diminuindo quando comparados aos de épocas passadas, o fato é que vez ou outra surgem na doutrina pareceres a favor da manutenção do sigilo bancário fundado em construção principiológica de base constitucional, sobretudo no direito fundamental à intimidade e à vida privada. Admitir um retorno desta ideia significa adotar um direito de nível supralegal, a nível constitucional, apto a anular os efeitos da Lei Complementar n° 105/2001, além de conduzir o Brasil para um rumo em sentido contrário ao que se tem observado em todo mundo, com a crescente facilitação do acesso aos dados bancários dos respectivos cidadãos no intuito de contribuir com o combate à criminalidade organizada e contra toda ordem de fraude tributária. 

O trabalho busca realizar um estudo dos aspectos constitucionais, jurisprudenciais e doutrinários que envolvem o sigilo bancário e a possibilidade de relativização desta modalidade de sigilo através da requisição do acesso a esses dados pelos servidores do fisco.

O debate acerca do tema ganha contornos relevantes na medida em que se torna nítido o confronto entre essa possibilidade de acesso e o respeito aos direitos fundamentais à privacidade e à intimidade do indivíduo, que não deseja ter revelada sua movimentação financeira e demais informações bancárias.

O tema proposto mostra-se relevante uma vez que o assunto conduz à polêmica tanto na doutrina quanto no Judiciário. Apesar do STF já ter se posicionado a favor da constitucionalidade do art. 6º da LC 105/2001 (RE 601.314/SP), o que se observa a partir da fundamentação jurídica e legal dos votos dos Ministros da Corte é que houve manifestação contrária de alguns, tendo sempre como foco a alegação de quebra dos direitos fundamentais à intimidade e à vida privada.

Qualquer Estado moderno depende do pleno funcionamento dos entes responsáveis pela arrecadação de tributos para o financiamento das suas atividades estatais e para a sobrevivência de serviços básicos e essenciais aos seus cidadãos. Retirar ou até mesmo reduzir a plena capacidade da fiscalização tributária seria tolher uma parcela significativa dessa possibilidade.

Percebendo a necessidade de um maior controle e efetividade das transações internacionais traduzidas em um crescente fluxo monetário de divisas a nível internacional em função da crescente globalização, e não por acaso, a comunidade internacional vem sendo orientada a aprimorar a relativização do sigilo bancário nos diversos sistemas legislativos, uma vez que a imposição deste sigilo à fiscalização tributária praticamente inviabiliza a atividade fiscal, considerando que a maior parte das operações financeiras se concentram dentro das instituições bancárias.

Surge, portanto, um padrão internacional para a troca de informações tributárias, e o Brasil como membro participante dos organismos responsáveis pelo estabelecimento desta padronização, não pode se furtar ao cumprimento das diretrizes e orientações estabelecidas, sob pena de não apenas sofrer as sanções que possam ser impostas, mas, principalmente, correndo o risco de impactar negativamente sua economia, possibilitando a fuga de capitais através de operações à margem do controle da fiscalização tributária.

A partir da criação do Fórum Global da Transparência e Troca de Informações para Fins Tributários, inicialmente criado pela OCDE e alterado em 2009 (ano de adesão do Brasil) para um sistema de governança própria, os países signatários acordaram em não mais admitir o direito ao sigilo bancário em face do fisco. Também cumpre anotar a importância da incorporação do F.A.T.C.A. (Foreign Account Tax Compliance Act) ao ordenamento jurídico brasileiro, a partir de 2010, uma vez que o diploma provocou uma série de alterações no sistema tributário norte americano com efeitos extraterritoriais.

Esse conjunto de normas internacionais movimenta a regulamentação do sigilo bancário no Brasil que se obriga, pelos motivos já expostos e como será apresentado ao longo da pesquisa, a alinhar sua legislação e a interpretação das normas que regem a matéria ao cumprimento daquilo que o país se propôs a adotar. A forma como se operacionalizará o acesso das autoridades tributárias aos dados bancários dos contribuintes, a constitucionalidade sobre a matéria e as inovações legislativas e jurisprudenciais sobre o assunto também serão algumas das questões abordadas nesta monografia de conclusão de curso.

O primeiro capítulo se destina a introduzir o tema do sigilo bancário, estabelecendo conceitos básicos e exemplificando como se apresentam algumas modalidades de sigilo no ordenamento jurídico brasileiro, além de explicar com maiores detalhes o sigilo bancário propriamente dito, do seu nascimento até sua atual configuração.

O segundo capítulo apresenta as nuances do sigilo bancário no ordenamento jurídico brasileiro, como este se relaciona com a Constituição Federal, de que forma a legislação pátria tratou do tema ao longo da história, além de destacar a pertinência do artigo 198 do Código Tributário Nacional e da Lei Complementar n° 105/2001 para o estudo. Também cuida de traçar um panorama jurisprudencial sobre o sigilo bancário para que se abra o devido espaço na discussão da decisão mais recente do Supremo Tribunal Federal sobre a questão.

O terceiro e último capítulo aborda especificamente a possibilidade de acesso aos dados bancários pelo fisco sem que haja autorização judicial, inferindo questões de limitações constitucionais, o comportamento doutrinário polarizado ao redor da questão, a importância dos tratados internacionais orientados ao intercâmbio de informações tributárias (sobretudo o Pacto Global e o F.A.T.C.A., dos quais o Brasil é signatário), até firmar uma conclusão opinando pela constitucionalidade do art. 6° da Lei Complementar n° 105/2001, fundamentada na decisão mais recente do Supremo Tribunal Federal, o RE 601.314/SP.   


CAPÍTULO 1: Sigilo Bancário – noções gerais

1.1 Modalidades de sigilo

Coexistem no mundo jurídico diversas espécies de sigilo, podendo ser perfeitamente individualizadas, cada qual com características próprias que permitem sua identificação, e que, diante da indivisibilidade dos relevantes bens jurídicos que respectivamente visam proteger, não possuem classificações ou subdivisões em graus e tampouco prazos pré-definidos para seu afastamento.

Nesta senda, podem ser citados os sigilos da instância disciplinar (estabelecido no caput do art. 150 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990); fiscal (estabelecido no art. 198 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional – CTN); bancário (estabelecido na Lei Complementar - LC nº 105, de 10 de janeiro de 2001); profissional; telefônico e demais espécies de proteção à intimidade, vida privada, honra e imagem (estabelecidos nos incisos X e XII do art. 5º da CF e especificamente na Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996); dentre outros. Apesar das várias espécies de sigilo que serão mencionadas neste capítulo introdutório, duas delas chamam mais atenção pela pertinência temática que possuem com o estudo proposto, além de terem em comum certa fundamentação teórica no direito constitucional fundamental à inviolabilidade da vida privada e da comunicação de dados, no caso o sigilo fiscal e o bancário. Para Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho:

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Embora os sigilos fiscal e bancário não estejam previstos explicitamente na Carta Política de 1988 como um direito fundamental, o fato é que tanto o Supremo Tribunal Federal, quanto o Superior Tribunal de Justiça os enxergam como corolários do direito à inviolabilidade da intimidade e da vida privada.[2]

Iniciando a discussão acerca das modalidades de sigilo, serão examinadas neste capítulo algumas possibilidades a título exemplificativo, apenas com o intuito de apresentar a amplitude do tema, sem exaurir as formas em que o instituto se apresenta dependendo do ramo do direito ao qual se aplica.

1.1.1 Sigilo profissional

Não somente o sigilo profissional, mas também todas as outras formas de sigilo que veremos de agora em diante, representam verdadeiro limite à produção de prova na medida em que se opõe à busca de elementos daquilo que se pretende demonstrar. Estariam, portanto, situados em vetores opostos, de um lado o direito à produção de prova e do outro as várias modalidades de sigilo. Questão polêmica a ser colocada diz respeito à quebra do sigilo profissional quando a medida venha comprovar a inocência do acusado. Dentre os profissionais mais comentados pela doutrina encontram-se os médicos, advogados, sacerdotes e jornalistas.

A Constituição Federal de 1988, no rol dos direitos individuais, também menciona o sigilo da fonte do jornalista, art.5º, XIV: “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.

O Código Penal brasileiro prevê o crime de violação de segredo profissional[3], obrigando assim a manutenção do segredo confiado a um determinado profissional que tenha recebido de seu cliente informação sensível em função da relação profissional estabelecida entre ambos.

Muito referenciado pela doutrina, no sigilo profissional o titular do segredo é protegido pelo direito à intimidade, uma vez que o prestador do serviço, seja ele médico, advogado ou o padre-confessor, ainda que por motivações religiosas, não podem divulgar o segredo confessado, já que fazem parte da esfera íntima de quem os revelou em razão da necessidade de aperfeiçoamento do vínculo profissional, ou de fé no caso do sacerdote.[4]

Percebe-se que nesta modalidade de sigilo, o que se deseja proteger é tanto a intimidade daquele que divulga o segredo ao profissional, quanto o interesse de toda a sociedade que quer ver assegurado o seu direito à manutenção de seus segredos em relação às informações prestadas a certos profissionais para que lhes auxiliem na resolução dos seus problemas. Logo, tem por finalidade proteger as informações obtidas em razão do exercício de atividade profissional.[5]

1.1.2 Sigilo funcional

Aproxima-se de uma espécie de sigilo profissional. O sigilo funcional cuida para que as informações não necessariamente protegidas pelo sigilo fiscal, mas que determinado agente público tenha tomado conhecimento em função do cargo que ocupa, não sejam indevidamente divulgadas. São informações pessoais e/ou cadastrais dos contribuintes, cadastros de regularidade fiscal, informações agregadas que não identifiquem o sujeito passivo, dentre outras.[6]

No ordenamento jurídico vigente, a título de exemplo, observa-se o sigilo funcional para os servidores públicos do poder executivo federal no inciso VIII, art. 116, da Lei nº 8.112/1990:

Art. 116. São deveres do servidor:

(...)

VIII – guardar sigilo sobre assunto da repartição.[7]

1.1.3 Segredo de justiça

No ordenamento jurídico brasileiro vigora como regra geral o princípio da publicidade dos autos de um processo, ou o chamado princípio da publicidade processual. Conforme sua base de origem constitucional, o artigo 5°, LX, da CF/88, estatui que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”.

A publicidade dos atos processuais, mais que uma regra, representa uma importante garantia para o cidadão, pois permite o controle dos atos judiciais por qualquer pessoa da sociedade, e além da previsão constitucional também encontra respaldo no Código de Processo Civil, CPC, artigo 189, dentre outros dispositivos que excepcionam a publicidade para os casos em que especificam.

Apesar da regra ser a publicidade dos autos, além da lei que pode excepcionar o sigilo, como os do art. 189 do CPC, por exemplo, pode também o juiz decretar o que se chama de “segredo de justiça”, mantendo sob sigilo certos processos judiciais ou investigações policiais.  

Até o ano de 1995 não havia no direito brasileiro uma previsão legal para punição da violação do segredo de justiça, e também, a legislação nacional não continha nenhum preceito destinado a impedir a publicação arbitrária de atos processuais, a exemplo da legislação italiana[8], que dedicou a respeito, especificamente, o art. 684 do Código Penal Italiano, determinando que “quem quer que publique, no todo ou em parte, ainda que em resumo à guisa de informações, atos ou documentos de um processo penal, onde seja vetada  por lei a  publicação, é punido com pena pecuniária”[9].

 A partir de 1996, com a entrada em vigor da Lei 9.296/1996, o seu artigo 10° passou a criminalizar a quebra do segredo de justiça sem a devida autorização judicial. O que muito tem-se alegado é que referido dispositivo normativo carece da eficácia necessária já que o sistema de tramitação e acesso processual permite que qualquer um dos atores (MP, advogados, Vara e Polícia) sirvam de fonte para a disseminação indevida de conteúdos protegidos por esta modalidade de sigilo processual[10].

1.1.4 Sigilo financeiro

É o limite que se impõe às instituições financeiras, obrigadas a manter os dados protegidos[11], impedindo-as de divulgarem informações econômico-financeiras dos seus clientes ou terceiros, das quais tenham conhecimento em razão do exercício de suas atividades financeiras e transacionais.

1.1.5 Sigilo bancário

Esta forma de sigilo é uma espécie de sigilo financeiro, estando incluído neste. Relaciona-se aos bancos, que são espécie de instituição financeira, devendo também ser compreendido com base na proteção à intimidade dos dados econômicos dos clientes evitando os prejuízos advindos de uma divulgação indevida. É objeto de estudo deste trabalho, será mais detalhado na sequência e utilizado no mesmo sentido ao que se refere o sigilo financeiro.

1.1.6 Sigilo fiscal

Esta espécie de sigilo é distinta e autônoma quando comparada ao sigilo bancário[12]. É o dever, a obrigação imposta à Fazenda Pública e a seus servidores de não divulgar informação, obtida em razão do ofício, sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo, ou de terceiros, e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades.[13] Neste caso, e na forma da lei, as administrações tributárias poderão ter em sua posse informações econômicas e financeiras dos seus contribuintes, inclusive aquelas abarcadas pelo sigilo bancário. 

1.2 O nascimento do sigilo bancário

Várias teorias tentam explicar a natureza jurídica do sigilo bancário. Tânia Nigri[14] inicia sua obra com um breve relato acerca das origens do sigilo bancário, que se justifica a partir da necessidade de proteger o indivíduo contra o Estado.  Já referenciado no Código de Hamurabi, o sigilo bancário é de origem imprecisa no tempo.

Tânia Nigri[15] relata que muitos doutrinadores sustentam que a atividade bancária teria nascido na Grécia, com referências ao sigilo bancário já naquela época. A autora aduz ainda que na Renascença, tendo Florença como centro bancário do velho mundo, a atividade bancária se desenvolveu plenamente, em que pese a proibição da usura por parte da igreja. A noção de manutenção do sigilo por parte de banqueiros calvinistas perseguidos pelos católicos a partir da Contrarreforma solidificou-se no século XVI, com a burguesia européia se convertendo ao calvinismo. Os banqueiros recebiam os depósitos e os protegiam mantendo o mais absoluto sigilo, dando origem à crença de que estariam assim praticando uma boa ação.

Na origem, o sigilo bancário se aproxima da ética puritana assemelhando o instituto ao dever dos padres católicos na manutenção da informação confiada.[16] A partir da primeira guerra mundial, com o surgimento do nacionalismo e com o controle cambial, o instituto ganha contornos de internacionalização. A moderna concepção do sigilo bancário começa com o conflito germano-suíço de 1933, que forçou a Suíça a oferecer proteção aos seus clientes dada a perseguição imposta aos correntistas alemães que tivessem contas-correntes abertas na Suíça.[17]

Tania Nigri[18] apresenta, ainda, as principais teorias que fundamentaram o dever de sigilo nas operações bancárias: a) contratualista, a mais aceita, se baseia no contrato assinado que além da obrigação principal, gera também a obrigação acessória de manutenção do sigilo; b) responsabilidade civil, fundamentada no dever geral de não prejudicar outrem; c) consuetudinária, tradição; d) segredo profissional, sanção penal pelo descumprimento dessa obrigação; e) boa-fé ou dever de lisura, caráter fiduciário da atividade bancária; f) legalista, obrigação jurídica decorrente da norma; g) direito à intimidade dos bancos, interesse das próprias instituições financeiras; h) direito de personalidade, corolário ou projeção da pessoa humana.

José Paulo Baltazar Júnior também discorre sobre a fundamentação jurídica do sigilo financeiro, que segundo o autor pode ser visto como:

  1. Uso ou costume comercial;
  2. Contratual, decorrente da vontade das partes;
  3. Extracontratual, por gerar responsabilização civil da instituição financeira em caso de dano causado ao cliente ou terceiro;
  4. Criminal, por constituir crime a sua violação;
  5. Segredo profissional;
  6. Legal, quando previsto em lei;
  7. Constitucional, por conta da proteção concedida à vida privada.[19]

Historicamente, em sua origem, o sigilo financeiro apoiava suas bases nos costumes mercantis, devendo o banqueiro guardar o devido segredo dos seus clientes, contudo, esta fundamentação não resiste à uma regulamentação legal da matéria, que poderá imprimir limitações mais amplas ou restritas, afetando o instituto independentemente dos usos e costumes em vigor.

Kiyoshi Harada[20] apresenta ao menos quatro delas: a teoria consuetudinária, a teoria legalista, a teoria do segredo profissional e por último a teoria do direito de personalidade.

Conforme sugere o próprio nome, pela teoria consuetudinária, o sigilo bancário teria se tornado uma obrigação jurídica. Uma vez que são considerados atos de comércio, as atividades bancárias devem seguir o mesmo regime das práticas comerciais.

A teoria legalista impõe através da lei a obrigação jurídica da manutenção do sigilo bancário. Na teoria do segredo profissional, o exercício da atividade bancária se inclui dentre as que tomam conhecimento de fatos relacionados à vida íntima ou privada das pessoas.

Pela teoria do direito de personalidade, o sigilo bancário seria parte integrante dos direitos de personalidade do indivíduo, externando o seu direito à intimidade e seu direito à privacidade. Na Itália, doutrinadores como Giorgiani e Marsillo, incluem o sigilo bancário no rol dos direitos da personalidade[21].

Sobre intimidade e privacidade, interessante observar a doutrina alemã na elaboração da teoria dos círculos concêntricos da esfera da vida privada. Antes, destaca-se que o homem vive em duas esferas distintas, uma individual (pública) e outra privada, a esfera individual diz respeito ao interesse pela vida de relação em sociedade, enquanto que a esfera privada afeta o cidadão em sua intimidade, convivendo com sua individualidade.[22]

Pela teoria dos círculos concêntricos da esfera da vida privada, essa esfera da vida privada, ou particular, poderia ser dividida em círculos menores na medida em que a intimidade for se restringindo.[23]

O círculo maior seria aquele que diz respeito aos acontecimentos da vida privada de um indivíduo, ou seja, o conjunto de ocorrências em relação às quais o indivíduo não deseja que se tornem públicas, mas cujo acesso deve ser franqueado tão somente àquelas pessoas que fazem parte do convívio fechado do indivíduo, logo, são acontecimentos fora do domínio público.

Dentro da esfera privada está contida a esfera da intimidade ou esfera confidencial. Nela, estão presentes relacionamentos com pessoas íntimas e da confiança do indivíduo, ficando excluídas pessoas do público em geral além de outras que mantém um relacionamento íntimo com o mesmo.

Por último, a última das esferas citadas por Paulo José da Costa Jr., a esfera do segredo. É nessa esfera que adentram apenas um grupo seleto de pessoas dentre aquelas de relacionamento mais íntimo com o indivíduo, daí a necessidade justificada de uma proteção legal objetivando a salvaguarda da manutenção da intimidade.[24] 

Tercio Sampaio Ferraz Junior[25] distingue sigilo de privacidade, para o autor, a privacidade é considerada um direito subjetivo fundamental e de raízes modernas. A evolução do público e do privado mostra o público em oposição ao que é secreto, segredo, e o privado o que não se mostra em público. Na era moderna essa distinção entre público e privado se confunde na medida em que o social interfere tanto em uma como noutra esfera. O princípio da transparência e igualdade domina o público-político enquanto o princípio da diferenciação domina o social-privado, e a individualidade privativa regida pela exclusividade, este comporta três atributos, a solidão (desejo de estar só), o segredo (sigilo) e a autonomia (liberdade de decidir sobre si mesmo).

Ao mencionar que alguns doutrinadores não vislumbram diferença entre vida privada e intimidade, o autor identifica diferentes graus de exclusividade entre esses dois conceitos. Intimidade como esfera exclusiva do indivíduo e vida privada os círculos aos quais queira se referir (família, trabalho, etc.).

Analisando o objeto e o conteúdo da privacidade, Tercio Sampaio cita Pontes de Miranda para quem o objeto, o bem protegido, é a liberdade de negação de comunicação do pensamento e o conteúdo a faculdade de resistir ao devassamento, ou seja, de manter o sigilo. O sigilo em si não é o bem protegido, mas sim a faculdade de agir (manter sigilo, resistir ao devassamento).[26]

O sigilo bancário, portanto, nada mais é que uma das modalidades de sigilo que se encontram dispersas no ordenamento jurídico brasileiro, com lastro nos direitos da personalidade, intimidade ou privacidade e que será o objeto de estudo deste trabalho.

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Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Monografia apresentada como requisito para conclusão do curso de Bacharelado em Direito da Faculdade Processus. Profa. Orientadora: Ms. Luiza Cristina de Castro Faria.

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