O acesso a dados bancários pelo fisco sem autorização judicial

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28/06/2018 às 14:47
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CAPÍTULO 2: Sigilo Bancário no Ordenamento Jurídico Brasileiro

2.1 O sigilo na Constituição Federal

Diante da ausência de uma disposição constitucional expressa em matéria de sigilo bancário, discute-se tanto na doutrina como na jurisprudência a possibilidade de haver ou não fundamentação jurídica para o tema baseada na Carta Magna. Seja qual for a corrente defendida, via de regra ambas firmam seus posicionamentos quase sempre referenciando o inciso XII, do art. 5°, combinado com os incisos X e XIV do mesmo artigo, todos da Constituição Federal.

O inciso XII, do art. 5°, assim estatui:

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.[27]

Os demais dispositivos constitucionais relacionados ao tema informam que:

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;   

XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.[28]

Algumas espécies de sigilo mereceram atenção diferenciada pelo legislador constituinte e foram expressamente referenciadas pela Constituição Federal, como é o caso do sigilo da correspondência, das comunicações telegráficas, da comunicação de dados (conforme será mais detalhado adiante a redação constitucional contém apenas a palavra “dados”, pelo que opina-se por uma imprecisão do constituinte) e das comunicações telefônicas, sendo esta última a única que admite exceção mediante ordem judicial nas hipóteses que especifica, tudo conforme o inciso XII, do art. 5º da CF/88 acima reproduzido.

Diante da ausência de uma disposição expressa na CF/88 sobre o sigilo bancário, já que não houve tratamento constitucional expresso e direto, Tercio Sampaio Ferraz Junior direciona a discussão para o tema do sigilo de dados, este sim trazido como inovação na atual constituição e ausente nas constituições anteriores.[29] O autor entende que a matéria é correlata ao direito subjetivo fundamental à privacidade protegido pelo art. 5°, X, CF/88.[30]

Essa privacidade mencionada por Tercio Sampaio engloba tanto a intimidade quanto a vida privada, apesar de alguns doutrinadores não vislumbrarem diferença entre esses dois conceitos, como Ferreira Filho[31]. Mas para ele, existem diferentes graus de exclusividade entre os dois institutos, onde a intimidade seria o âmbito exclusivo reservado unicamente ao próprio indivíduo e sem repercussão de ordem social, enquanto a vida privada representaria um aspecto da vida desse indivíduo em sociedade, que por mais reservada que fosse sempre diria respeito ao relacionamento deste com seus familiares, amigos e em seu ambiente de trabalho.[32] 

José Afonso da Silva reconhece a imprecisão terminológica utilizada ao mencionar a intimidade, e também chamou atenção para o fato de ser este um termo de difícil definição e que muitas vezes se confunde com a vida privada, preferindo usar a expressão direito à privacidade, considerando-a uma ideia mais genérica capaz de englobar tanto o conceito de intimidade quanto o de vida privada, que são considerados pelo autor conceitos distintos.[33]

José Afonso assevera que faz sentido distinguir a intimidade de vida privada, considerando que o inciso X do art. 5° separou o termo intimidade de outros igualmente elencados no mandamento constitucional, como é o caso da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, sendo cada conceito considerado de forma independente em relação aos demais.[34]

Ao conceituar os dois institutos, o autor entende ser a intimidade aquela parcela de acontecimentos na vida de um determinado indivíduo na qual ele se reserva o direito de não compartilhar com outrem, já a vida privada, com a distinção que o constituinte quis imprimir, de forma ampla representa um aspecto particular do convívio experimentado pelo indivíduo enquanto ser social com as relações que recaem sobre si mesmo, sobre membros de sua família e amigos.[35]

Ao analisar o teor do art. 5º, XII, CF/88, escorado em Celso Bastos e Ives Gandra[36], Tércio Sampaio entende que houve imprecisão na expressão “dados”, onde a intenção do legislador constituinte teria sido melhor compreendida com a expressão “comunicação de dados”, pois o que fere a liberdade de se omitir um determinado pensamento é a invasão da comunicação alheia por um terceiro excluído do processo comunicacional. O objeto protegido no direito à inviolabilidade do sigilo de dados não são os dados em si, mas o processo de comunicação desses dados, ou seja, a transmissão íntegra e incólume das ideias e pensamentos proferidos por um agente transmissor, direcionados a outro polo denominado receptor.[37]

O mandamento constitucional contido no inciso XII, art. 5°, CF/88, cuida do sigilo “da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas”, onde Tercio Sampaio ao dividir o dispositivo em dois blocos, apresenta com clareza uma adequada interpretação nos seguintes termos:

Note-se, para a caracterização dos blocos, que a conjunção e une correspondência com telegrafia, segue-se uma vírgula e, depois, a conjunção de dados com comunicações telefônicas. Há uma simetria nos dois blocos. Obviamente o que se regula é comunicação por correspondência e telegrafia, comunicação de dados e telefonia. O que fere a inviolabilidade do sigilo é, pois, entrar na comunicação alheia, fazendo com que o que devia ficar entre sujeitos que se comunicam privadamente passe ilegitimamente ao domínio de um terceiro.[38] (grifos do autor)

A mesma questão também foi abordada no STF por ocasião do MS n° 21.729-4/DF. Na ocasião, o Ministro Sepúlveda Pertence defendeu que o mandamento contido no inciso XII do art. 5° da CF/88 se refere à comunicação de dados, excepcionando tão somente a telefonia por considerar que esta ocorre de forma instantânea, ou seja, caso não seja colhida no curso do processo comunicacional não poderá ser reproduzida em momento posterior, o que não ocorre no caso da comunicação de dados, por correspondência ou na telegráfica, nos quais sempre será possível a obtenção do registro das trocas de informações em um momento posterior.  

A única exceção constitucionalmente prevista e que possibilita acessar o conteúdo de uma informação transmitida no interior de um processo comunicacional diz respeito à possibilidade de interceptação telefônica, justamente porque dentre as proteções elencadas no inciso XII do art. 5° da CF/88, esta seria a única provida de instantaneidade, ou seja, se não for “grampeada” a ligação, não é possível resgatar o que foi conversado, por isso é a única forma de se preservar a ação comunicativa efetivada entre transmissor e receptor.

Nos outros meios elencados seria possível resgatar a informação através dos vestígios deixados com o término do processo comunicacional, é o caso do envio de correspondência física por meio de carta, ou ainda eletrônica, por exemplo, observando que nesses casos, mesmo após o término do transporte da mensagem saindo do transmissor e até que se complete chegando ao receptor, sempre restará a possibilidade de se conhecer o conteúdo da correspondência gravada em uma folha de papel ou do e-mail encaminhado e que fica armazenado em repositório do provedor.

Antônio de Moura Borges e Laila José Antônio Khoury seguem na mesma linha de raciocínio de Tercio Sampaio, e ao analisarem o aludido inciso II do art. 5° da Constituição, informam que:

A exegese de tal dispositivo constitucional assentou-se no sentido de ser inviolável o direito individual de a ação comunicativa não ser interceptada, não o conteúdo da comunicação em si, protegido pelo direito à privacidade, que não é absoluto, conforme se verá.[39]

Nesse sentido, solicitar o acesso à movimentação bancária de um cliente de um banco não significa interceptar suas ordens bancárias (sigilo da comunicação), mas sim, ter acesso aos dados que possui armazenados no banco (sigilo da informação armazenada ou sigilo bancário).

Vittorio Cassone[40] também se manifesta no sentido de que tanto o sigilo fiscal quanto o sigilo bancário dizem respeito aos comandos constitucionais que protegem a privacidade da vida das pessoas. Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho[41] também concorda com esse entendimento, inclusive expressando a visão dos tribunais superiores sobre a matéria como corolários do direito à inviolabilidade da intimidade e da vida privada.

2.2 Breve histórico legislativo

Cumpre neste ponto discorrer acerca da evolução do histórico legislativo que tangencia as discussões acerca da matéria sobre o sigilo bancário, até que se chegue, nos itens subsequentes, ao aprofundamento do debate sobre a constitucionalidade do artigo 6° da Lei Complementar n° 105 de 2001. Nesse sentido, traz-se à baila o voto do eminente Ministro Edson Fachin, relator no Recurso Extraordinário 601.314-SP[42], com repercussão geral reconhecida, interposto em face de acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que tratou da constitucionalidade do artigo 6° da LC 105/2001 em relação ao sigilo bancário.

Elenca-se como marco inicial do escorço histórico que se pretende apresentar, o artigo 38 da Lei n° 4.595/64, que dispõe sobre a política e as instituições monetárias, bancárias e creditícias, além de criar o Conselho Monetário Nacional. Antes de ser revogado pela LC nº 105/2001, assim dispunha mencionado artigo:

Art. 38. As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.

§1º As informações e esclarecimentos ordenados pelo Poder Judiciário, prestados pelo Banco Central da República do Brasil ou pelas instituições financeiras, e a exibição de livros e documentos em Juízo, se revestirão sempre do mesmo caráter sigiloso, só podendo a eles ter acesso as partes legítimas na causa, que deles não poderão servir-se para fins estranhos à mesma.    

§2º O Banco Central da República do Brasil e as instituições financeiras públicas prestarão informações ao Poder Legislativo, podendo, havendo relevantes motivos, solicitar sejam mantidas em reserva ou sigilo.      

§3º As Comissões Parlamentares de Inquérito, no exercício da competência constitucional e legal de ampla investigação (art. 53 da Constituição Federal e Lei nº 1579, de 18 de março de 1952), obterão as informações que necessitarem das instituições financeiras, inclusive através do Banco Central da República do Brasil.           

§4º Os pedidos de informações a que se referem os §§ 2º e 3º, deste artigo, deverão ser aprovados pelo Plenário da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal e, quando se tratar de Comissão Parlamentar de Inquérito, pela maioria absoluta de seus membros.

§5º Os agentes fiscais tributários do Ministério da Fazenda e dos Estados somente poderão proceder a exames de documentos, livros e registros de contas de depósitos, quando houver processo instaurado e os mesmos forem considerados indispensáveis pela autoridade competente.           

§6º O disposto no parágrafo anterior se aplica igualmente à prestação de esclarecimentos e informes pelas instituições financeiras às autoridades fiscais, devendo sempre estas e os exames serem conservados em sigilo, não podendo ser utilizados senão reservadamente

§7º A quebra do sigilo de que trata este artigo constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de um a quatro anos, aplicando-se, no que couber, o Código Penal e o Código de Processo Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.[43]

Nos termos dessa lei já havia dispositivo expresso no sentido de que as instituições financeiras deveriam conservar o sigilo em suas operações ativas e passivas e também em relação aos serviços prestados.

Destaque também deve ser dado aos §§ 5° e 6° da referida norma, que previa a possibilidade dos “agentes fiscais tributários do Ministério da Fazenda e dos Estados”, de examinarem documentos, livros e registros de contas de depósitos, desde que fosse instaurado o devido processo, juntamente com o requisito de indispensabilidade da informação requerida a critério da autoridade competente. O mesmo se aplicando em relação à prestação de esclarecimentos e informes por parte das instituições financeiras às mesmas autoridades fiscais, desde que preservado o sigilo, impedindo que referidos agentes possam utilizar-se de tais informações para outras finalidades que não aquelas destinadas ao cumprimento dos interesses instituições dos órgãos aos quais pertencem sob pena de quebra de sigilo funcional.

Outro dispositivo legal digno de menção diz respeito ao artigo 8° da Lei nº 8.021 de 1990, que dispõe sobre a identificação dos contribuintes para fins fiscais, tal norma também prevê a possibilidade da autoridade fiscal obter informações sobre operações realizadas pelo contribuinte em instituições financeiras, desde que iniciado o respectivo procedimento fiscal, conforme se observa:

Art. 8° Iniciado o procedimento fiscal, a autoridade fiscal poderá solicitar informações sobre operações realizadas pelo contribuinte em instituições financeiras, inclusive extratos de contas bancárias, não se aplicando, nesta hipótese, o disposto no art. 38 da Lei n° 4.595, de 31 de dezembro de 1964.

Parágrafo único. As informações, que obedecerão às normas regulamentares expedidas pelo Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento, deverão ser prestadas no prazo máximo de dez dias úteis contados da data da solicitação, aplicando-se, no caso de descumprimento desse prazo, a penalidade prevista no §1° do art. 7°.[44]

Na sequência, cabe referência ao que consta na Lei nº 9.311 de 1996 e que instituiu a contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira, a CPMF.

Destaca-se o artigo 11 desta lei, que com sua nova redação aprovada pela Lei nº 10.174/2001, teve alterado o teor do §3º do art.11, passando a permitir a utilização das informações prestadas pelas instituições responsáveis pela retenção e recolhimento da CPMF para instauração de procedimento fiscal visando a apuração de crédito tributário relativo a outros impostos e contribuições que não somente a CPMF, o que antes era proibido pelo que se verifica a partir do antigo §3º abaixo transcrito em sua redação original e após a alteração:

Art. 11. Compete à Secretaria da Receita Federal a administração da contribuição, incluídas as atividades de tributação, fiscalização e arrecadação.

§1° No exercício das atribuições de que trata este artigo, a Secretaria da Receita Federal poderá requisitar ou proceder ao exame de documentos, livros e registros, bem como estabelecer obrigações acessórias.

§2° As instituições responsáveis pela retenção e pelo recolhimento da contribuição prestarão à Secretaria da Receita Federal as informações necessárias à identificação dos contribuintes e os valores globais das respectivas operações, nos termos, nas condições e nos prazos que vierem a ser estabelecidos pelo Ministro de Estado da Fazenda.

§ 3° A Secretaria da Receita Federal resguardará, na forma da legislação aplicada à matéria, o sigilo das informações prestadas, vedada sua utilização para constituição do crédito tributário relativo a outras contribuições ou impostos.

§ 3o A Secretaria da Receita Federal resguardará, na forma da legislação aplicável à matéria, o sigilo das informações prestadas, facultada sua utilização para instaurar procedimento administrativo tendente a verificar a existência de crédito tributário relativo a impostos e contribuições e para lançamento, no âmbito do procedimento fiscal, do crédito tributário porventura existente, observado o disposto no art. 42 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, e alterações posteriores.

§3o-A. (VETADO) 

§4° Na falta de informações ou insuficiência de dados necessários à apuração da contribuição, esta será determinada com base em elementos de que dispuser a fiscalização.[45] (grifos nossos)

A evolução legislativa acerca da matéria sobre o sigilo das operações financeiras permite alcançar o teor do que dispõem os artigos 5° e 6° da LC nº 105/2001, abaixo transcritos:

Art. 5o O Poder Executivo disciplinará, inclusive quanto à periodicidade e aos limites de valor, os critérios segundo os quais as instituições financeiras informarão à administração tributária da União, as operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços.

§1o Consideram-se operações financeiras, para os efeitos deste artigo:

I – depósitos à vista e a prazo, inclusive em conta de poupança;

II – pagamentos efetuados em moeda corrente ou em cheques;

III – emissão de ordens de crédito ou documentos assemelhados;

IV – resgates em contas de depósitos à vista ou a prazo, inclusive de poupança;

V – contratos de mútuo;

VI – descontos de duplicatas, notas promissórias e outros títulos de crédito;

VII – aquisições e vendas de títulos de renda fixa ou variável;

VIII – aplicações em fundos de investimentos;

IX – aquisições de moeda estrangeira;

X – conversões de moeda estrangeira em moeda nacional;

XI – transferências de moeda e outros valores para o exterior;

XII – operações com ouro, ativo financeiro;

XIII - operações com cartão de crédito;

XIV - operações de arrendamento mercantil; e

XV – quaisquer outras operações de natureza semelhante que venham a ser autorizadas pelo Banco Central do Brasil, Comissão de Valores Mobiliários ou outro órgão competente.

§2o As informações transferidas na forma do caput deste artigo restringir-se-ão a informes relacionados com a identificação dos titulares das operações e os montantes globais mensalmente movimentados, vedada a inserção de qualquer elemento que permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados.

§ 3o Não se incluem entre as informações de que trata este artigo as operações financeiras efetuadas pelas administrações direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

§ 4o Recebidas as informações de que trata este artigo, se detectados indícios de falhas, incorreções ou omissões, ou de cometimento de ilícito fiscal, a autoridade interessada poderá requisitar as informações e os documentos de que necessitar, bem como realizar fiscalização ou auditoria para a adequada apuração dos fatos.

§ 5o As informações a que refere este artigo serão conservadas sob sigilo fiscal, na forma da legislação em vigor.

Art. 6o As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.     

Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária.[46] (grifos nossos)

A importância e a necessidade que esses dispositivos representam podem ser notadas a partir do momento em que entra em vigor o Decreto nº 3.724/01, no mesmo ano de publicação da LC nº 105/2001, passando a regulamentar o artigo 6° da LC n° 105/2001, relativamente à requisição, acesso e uso, pela Receita Federal do Brasil, de informações referentes a operações e serviços das instituições financeira e entidades equiparadas, ao contrário de outras leis que apesar de entrarem em vigor em determinada data, carecem de regulamentação e tornam-se letra morta no ordenamento jurídico.

Em linhas gerais, resta delineado o arcabouço normativo inerente ao sigilo bancário no Brasil, com a previsão das devidas exceções e possibilidades de quebra mediante requisição fundamentada por parte do fisco, juntamente com a devida regulamentação mediante decreto presidencial elencando os procedimentos a serem observados a partir das hipóteses autorizadas em lei. Resta um aprofundamento maior nos dois normativos que mais afetam o tema, quais sejam: o artigo 198 do CTN (com redação dada pela LC n°104/2001) e a LC n° 105/2001 propriamente dita.  

2.3 Artigo 198 do CTN (LC nº 104/2001)

Antes, analisando o art. 197 do CTN, verifica-se que algumas profissões e instituições se obrigam à prestação de informações, que por ventura possam ter em sua posse, e que venham a ser solicitadas pela autoridade tributária.

Art. 197. Mediante intimação escrita, são obrigados a prestar à autoridade administrativa todas as informações de que disponham com relação aos bens, negócios ou atividades de terceiros:

I - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício;

II - os bancos, casas bancárias, Caixas Econômicas e demais instituições financeiras;

III - as empresas de administração de bens;

IV - os corretores, leiloeiros e despachantes oficiais;

V - os inventariantes;

VI - os síndicos, comissários e liquidatários;

VII - quaisquer outras entidades ou pessoas que a lei designe, em razão de seu cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão.

Parágrafo único. A obrigação prevista neste artigo não abrange a prestação de informações quanto a fatos sobre os quais o informante esteja legalmente obrigado a observar segredo em razão de cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão.[47]

A entrega das informações solicitadas com relação aos bens, negócios ou atividades de terceiros deve ser feita sob pena de enquadramento por embaraço à fiscalização, no entanto, o próprio parágrafo único do art. 197 prevê que esta obrigação não se aplica aos casos nos quais o informante, ou seja, aquele que deveria prestar a informação ao fisco, esteja legalmente obrigado a observar segredo em razão de cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão.

Paulo de Barros Carvalho[48] leciona que caso se permitisse o acesso irrestrito à informações solicitadas pelo fisco, sem qualquer sorte de ressalva, observar-se-ia um quadro de incontornável contradição, onde, se por um lado a lei penal reprime a divulgação não autorizada de um segredo profissional, confessado em razão da atividade profissional daquele que deveria observar o sigilo, do outro seria permitida a incidência de norma de caráter administrativo forçando a violação do sigilo profissional, obrigando o profissional a divulgar o segredo confiado.

Logo, não só o psicólogo, o médico, o advogado e o sacerdote, não estão incluídos dentre os profissionais mencionados nos incisos do art. 197 do CTN, como também não estarão enquadrados outros profissionais que em virtude de seu cargo, ofício ou profissão, tenham que guardar segredo em razão de suas atividades, assim estatui o parágrafo único do referido artigo 197.    

O artigo 198 do Código Tributário Nacional (Lei n° 5.172, de 25 de outubro de 1966) trata da regra geral que impõe o dever de sigilo fiscal à Fazenda Pública, bem como aos seus servidores, e também das exceções à regra do sigilo expressas no mesmo diploma legal, estabelecendo os requisitos considerados na análise para fins de atendimento, ou não, de solicitações oriundas de autoridades administrativas.

Assim dispõe o artigo 198 CTN após alteração levada a efeito pela LC n° 104/2001:

Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades.

§ 1o Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes:

I – requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça;

II – solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa.

§ 2o O intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Pública, será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega será feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo.

§ 3o Não é vedada a divulgação de informações relativas a:

I – representações fiscais para fins penais;

II – inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública;

III – parcelamento ou moratória.[49]

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Observando o caput do artigo transcrito, cinco elementos destacam-se, notadamente: a) vedação à divulgação, proibindo a publicização das informações obtidas; b) a expressão Fazenda Pública: tratada de forma genérica no dispositivo, abrange as administrações tributárias da União, Estados, Distrito Federal e Municípios; c) os servidores: considerados todos aqueles que prestam serviços ao Estado e entidades da administração indireta; d) informações protegidas pelo sigilo fiscal: são aquelas obtidas pelos servidores em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades; e e) sujeito passivo ou terceiros: são todas as pessoas físicas e jurídicas relacionadas, ou não, com o fato gerador da obrigação tributária.

No tocante às exceções legalmente previstas para a relativização do sigilo fiscal, uma vez que este não é considerado absoluto, o ordenamento prevê: a) requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça – neste caso, a autoridade judiciária requisitante deverá ser um Magistrado (Juiz, Desembargador, Ministro de Tribunais Superiores ou do Supremo Tribunal Federal); b) solicitação de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa; c) assistência mútua entre as Fazendas Públicas; d) requisição do Ministério Público da União (MPU); e) requisição de Comissão Parlamentar de Inquérito do Congresso Nacional (CPMI), do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados (CPI).

A exceção prevista quanto à possibilidade de quebra baseada na requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça encontra respaldo no art. 198, §1°, I, do CTN, cuidando da reserva de jurisdição inerente ao judiciário, e também da inafastabilidade de apreciação pelo judiciário de demandas que envolvam a matéria do sigilo fiscal.

Quanto à possibilidade de transferência de informações protegidas pelo sigilo fiscal a partir de solicitação de autoridade administrativa, há que se observar com a devida cautela os requisitos previstos no art. 198, §1°, II, do CTN: i) a solicitação deve ser formalizada por autoridade administrativa, entendida como a autoridade responsável direta ou indiretamente pela condução do processo administrativo, como o presidente de comissão de inquérito, de sindicância, e demais autoridades congêneres; ii) a solicitação deve ser formalizada no interesse da administração pública, abrangendo a administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, inclusive dos poderes Legislativo e Judiciário, e o interesse em jogo é a defesa do interesse público, do bem comum e da coletividade; iii) outro requisito é a instauração regular de processo administrativo no órgão solicitante, devendo ser comprovado o procedimento regularmente instaurado para apurar determinada infração administrativa; iv) a informação prestada deve se referir ao sujeito passivo a que se refere a informação, ou seja, só podem ser fornecidas informações referentes à pessoa investigada, não podendo ser revelada nenhuma informação de terceiros; v) o sujeito passivo do qual se deseja obter as informações deve responder a processo administrativo ou sendo investigado por prática de infração administrativa; vi) por último, deve-se verificar se existe relação direta entre as informações sigilosas solicitadas, o sujeito e o objeto investigado pela Administração Pública relacionado à infração administrativa.

O §3° do art. 198 do CTN prevê de forma explícita três situações nas quais autoriza expressamente a divulgação de informações protegidas pelo sigilo fiscal:

§ 3o Não é vedada a divulgação de informações relativas a: 

I – representações fiscais para fins penais; 

II – inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública; 

III – parcelamento ou moratória.[50]

Além das exceções previstas no art. 198 do CTN, também existe a previsão da assistência mútua entre as Fazendas Públicas, prevista no art.199 do código:

Art. 199. A Fazenda Pública da União e as dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios prestar-se-ão mutuamente assistência para a fiscalização dos tributos respectivos e permuta de informações, na forma estabelecida, em caráter geral ou específico, por lei ou convênio.

Parágrafo único. A Fazenda Pública da União, na forma estabelecida em tratados, acordos ou convênios, poderá permutar informações com Estados estrangeiros no interesse da arrecadação e da fiscalização de tributos.[51]

O dispositivo permite que as Administrações Tributárias dos quatro entes federativos intercambiem entre si informações protegidas ou não por sigilo fiscal, desde que haja previsão em lei ou convênio. Este comando também guarda relação e coerência com a orientação constitucional contida no inciso XXII do art. 37 da Constituição Federal, nos seguintes termos:

Art. 37 (...)

(...)

XXII - as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio.  

Outra possibilidade de transferência de sigilo fiscal diz respeito às requisições por parte do Ministério Público da União, segundo o que estatuem o art. 8°, §§ 1º e 2º, e o artigo 24 da Lei Complementar n° 75, de 20 de maio de 1993 (que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União), e que permitem ao parquet requisitar diretamente informações protegidas por sigilo fiscal.

Por último, encerrando o extenso rol de exceções capazes de autorizar a transferência de informações protegidas pelo sigilo fiscal, resta ainda mencionar a possibilidade oriunda de requisições encaminhadas por comissões parlamentares de inquérito criadas pelo congresso nacional (CPMI) e suas respectivas casas (CPI), nos termos da Lei n° 1.579, de 18 de março de 1952, desde que atendidas as condições do §3° do art. 58 da Constituição Federal, já que possuem poderes de investigação próprios das autoridades judiciais:

Art. 58. (...)

(...)

§ 3º As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.[52]

Nesse sentido, considera-se essa possibilidade abrangida pela exceção contida no inciso I do § 1° do art. 198 do CTN, na parte que trata de requisições de autoridade judiciária no interesse da justiça.

2.4 A LC nº 105/2001

Desde sua publicação a LC nº 105, de 10 de janeiro de 2001, enfrentou e ainda enfrenta, uma série de questionamentos acerca de sua constitucionalidade, sendo objeto de discussão na doutrina e no STF, no que diz respeito ao acesso às informações bancárias pelos fiscos dos entes federativos. Mesmo após decisão recente do STF afirmando a constitucionalidade do dispositivo, ainda ecoam na doutrina vozes de renome que defendem a ideia de que o acesso a tais informações sem a devida ordem judicial eiva de vício todo o processo.

Francisco de Assis Oliveira Duarte[53] relembra que o direito à vida privada, à intimidade e à imagem, que servem de base para a corrente que defende a inconstitucionalidade da LC nº 105/2001, não resultam em um direito absoluto, ilimitado e insuscetível de condicionamentos, uma vez que não seria aceitável admitir uma classe de direitos ditos absolutos. O direito é social, relacional, e se complementa com a ideia de que sua concepção guarda coerência com o entrelaçamento de outros direitos e com o conceito de ordenamento jurídico, além de não ser possível afastar-se do elemento histórico que impõe uma interpretação definitiva através de um contexto temporal determinado da evolução social.

Um fundamento absoluto que sustentasse um direito igualmente absoluto resgataria o pensamento dos jusnaturalistas, que acreditavam na ideia de que certos direitos seriam revestidos de uma característica que os colocariam acima de qualquer possibilidade de contestação, simplesmente porque seriam derivados única e exclusivamente da natureza do homem.

Sobre o direito natural, nos ensina Miguel Reale[54]:

A ideia de Direito Natural brilha de maneira extraordinária no pensamento de Sócrates para passar pelo cadinho do pensamento platônico e adquirir plenitude sistemática no pensamento de Aristóteles, ordenando-se segundo estruturas lógicas ajustadas ao real. Seu conceito de lei natural, como expressão da natureza das coisas, não se esfuma em fórmulas vazias, mas tem a força de uma forma lógica adequada às constantes da vida prática. Sendo expressão da natureza humana, o Direito Natural é igual para todos os homens, não sendo um para os civilizados atenienses e outro para os bárbaros.

Conforme mencionado no histórico da evolução legislativa da matéria, já na Lei n° 4.595, de 31 de dezembro de 1964, em seu revogado artigo 38, disciplinava uma série de exceções, observação esta que pode ser acompanhada a partir do voto do Ministro Francisco Rezek, também no MS n° 21.729-4, reproduzido por Francisco de Assis Oliveira Duarte:

Parece-me, antes de qualquer outra coisa, que a questão jurídica trazida à Corte neste mandado de segurança não tem estrutura constitucional. Tudo quanto se estampa na própria Carta de 1988 são normas que abrem espaço ao tratamento de determinados temas pela legislação complementar. É neste terreno, pois, e não naquele da Constituição da República, que se consagra o instituto do sigilo bancário – do qual se repetiu ad nauseam, neste país e noutros, que não tem caráter absoluto. Cuida-se de instituto que protege certo domínio – de resto nada transcendental, mas bastante prosaico da vida das pessoas e das empresas, contra a curiosidade gratuita, acaso malévola, de outros particulares, e sempre até o exato ponto onde alguma forma de interesse público reclame sua justificada prevalência. E a mesma lei de dezembro de 1964, sede explícita do sigilo bancário, disciplina no seu art. 38 exceções, no interesse não só da justiça, mas também no do parlamento e mesmo no de repartições do próprio governo.[55]

As leis complementares diferentemente das leis ordinárias, exigem para sua aprovação, o voto da maioria dos parlamentares que compõe a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, além de serem adotadas para regulamentar assuntos específicos, quando expressamente determinado na Constituição da República. Nesse sentido, só é preciso elaborar uma Lei Complementar quando a Constituição prevê que esse tipo de lei é necessária para regulamentar uma certa matéria. A regra geral no direito é a utilização de leis ordinárias para regulamentação de direitos e obrigações, sendo a lei complementar um instrumento excepcional, sempre que o texto constitucional faz referência à “lei”, mesmo quando for “lei específica”, quer referenciar a lei ordinária.

As leis complementares não podem ser disciplinadas por medida provisória (art. 62, §1°, III, CF/88), em matéria tributária a constituição reservou o art. 146 para delimitar o âmbito de atuação da lei complementar nesse contexto, sobretudo os incisos I, II e III do referido artigo:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.

d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.[56]

A lei de normas gerais em matéria tributária atualmente em vigor é a Lei n° 5.172/1966, o CTN, que foi formalmente publicado como lei ordinária já que na época não se exigia aprovação de lei complementar para a disciplina tributária. A partir de 1967 passou-se a exigir lei complementar para tal feito, e o CTN foi recepcionado como lei complementar, tendo que se submeter à esta especificidade caso se deseje alterá-lo.

Exige o inciso III do artigo 146 da CF/88, que as Normas Gerais sobre Direito Tributário sejam regulamentas por lei complementar, o ideal seria que o CTN reunisse todas as normas gerais relacionadas à matéria tributária, no entanto, o que se verifica é que o ordenamento dispõe de algumas leis complementares dispersas que disciplinam o assunto, como é o caso da LC n° 24/1975, que dispõe sobre os convênios para a concessão de isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias, a LC n° 87/1996, que dispõe sobre o imposto dos Estados e do Distrito Federal sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, a LC 116/2003 que dispõe sobre o imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS), além de outras.   

O CTN assegura à autoridade administrativa fiscal amplos poderes de investigação no intuito de apurar bens, rendas, negócios, atividades financeiras e empresariais dos contribuintes, em contrapartida, obriga os agentes do fisco a manterem sob sigilo funcional as informações obtidas. O artigo 198 do CTN, alterado pela LC n° 104/01, já explorado em item precedente, prevê algumas possibilidades de flexibilização do sigilo fiscal. Além disso, a LC nº 105/2001 também traz a possibilidade de quebra do sigilo bancário desde que haja processo administrativo regularmente instaurado ou procedimento fiscal em curso, além de ser considerado indispensável a análise dos dados que se encontram na posse das instituições financeiras.

O questionamento acerca da inconstitucionalidade da LC nº 105/2001 na forma em que é alegada, como afronta à intimidade e à vida privada dos contribuintes, nos termos do que preceituam os incisos XI e XII da CF/88, já estudados, precisa coexistir harmoniosamente com o art. 145, §1°, também da CF/88, já que não se admite dispositivo constitucional inconstitucional:

Art. 145 (...)

§1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.[57]    

Logo, deve-se buscar um sopesamento de forma a permitir de um lado a garantia à privacidade dos dados bancários armazenados em instituições financeiras, e do outro lado o poder constitucionalmente garantido para que os entes tributantes possam fiscalizar seus constituintes, utilizando-se dos dados protegidos mediante o cumprimento dos requisitos legalmente impostos.

Francisco Assis de Oliveira Duarte[58] rememora o HC n° 70.814-SP, que relativiza o direito à privacidade, neste julgado o STF admitiu a possibilidade de violação da correspondência dos presidiários, sem considerar que tal medida afrontasse a Constituição Federal:

A administração penitenciária, com fundamento em razões de segurança pública, de disciplina prisional ou de preservação da ordem jurídica, pode, sempre excepcionalmente, e desde que respeitada a norma inscrita no art. 41, parágrafo único, da Lei n° 7.210/84, proceder à interceptação da correspondência remetida pelos sentenciados, eis que a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas.[59]  

José Afonso da Silva[60] destaca a importância do direito fundamental à vida, como algo indivisível e inerente ao próprio ser. A vida humana tem reserva no caput do art. 5° da Constituição Federal, ela constitui a fonte primária de todos os outros bens jurídicos. Não adiantaria a Constituição assegurar outros direitos fundamentais, como a igualdade ou a intimidade, sem que a vida humana fosse resguardada dentre os demais direitos, em seu conteúdo se assentam o direito à dignidade da pessoa humana, o direito à privacidade, à integridade física, moral e o direito à existência.    

Até mesmo o direito à vida, com toda sua relevância para o conjunto dos direitos fundamentais, não pode ser considerado um direito absoluto, já que comporta a exceção contida no inciso XLVII, alínea a), do mesmo artigo 5° da CF/88, com a previsão de se aplicar a pena de morte em caso de declaração de guerra pelo Brasil.

Assim, várias foram as discussões travadas confrontando a ideia da quebra do sigilo bancário por parte do fisco sem que houvesse decisão judicial que a autorizasse, e sua negativa tomando-se por base a manutenção de um direito individual à intimidade e a vida privada.

A publicação da LC n° 105/2001 retomou o debate sobre a matéria de sigilo bancário e fiscal, realinhando os rumos que até então vinham sendo traçados pela doutrina e pela jurisprudência, a partir do momento em que a possibilidade da quebra de sigilo por parte da autoridade fiscal passa a ser devidamente regulamentada por lei complementar, preenchendo uma lacuna que havia sobre o tema que passa a ter uma lei complementar regente e um decreto regulamentador.

O artigo mais importante trazido pela LC n° 105/2001 foi sem sombra de dúvidas o seu artigo 6°:

Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.

Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária.

A importância do tema para o ordenamento jurídico e o cuidado com que tal norma foi elaborada, culminaram com a publicação do Decreto nº 3.724, de 10 de janeiro de 2001, que surgiu justamente para regulamentar o art. 6º da LC n° 105/2001 no tocante à requisição, acesso e uso, pela Secretaria da Receita Federal, de informações referentes a operações e serviços das instituições financeiras e entidades equiparadas.

Outra possibilidade jurídica importante e digna de nota, já que entende-se, pela exposição do trabalho, que a LC n°105/2001 representa um marco temático e temporal para o estudo em questão, diz respeito à irretroatividade ou não da lei, no que diverge a jurisprudência do STJ. Francisco de Assis Oliveira Duarte[61] nos apresenta dois julgados (Recursos Especiais), cada um defendendo posição diametralmente oposta à outra

No REsp n° 531826/SC, houve decisão no sentido de que apenas após a vigência da LC n° 105/2001 seria possível acessar informações bancárias dos contribuintes sem autorização judicial:

TRIBUTÁRIO. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO POR PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE. IRRETROATIVIDADE DA LEI COMPLEMENTAR Nº 105/2001.

1. Na instância especial, o Superior Tribunal de Justiça, em princípio, não dispõe do contencioso constitucional. Por tal razão não se conhece da pretensão recursal no tocante à alegação de que as normas contidas no art. 6º da Lei Complementar nº 105/01, no art. 8º, parágrafo único, da Lei nº 8.021/90 e no art. 3º da Lei nº 9.311/96, alterado pela Lei nº 10.174/01, seriam inconstitucionais (Corte Especial, REsp 215.881/PR, Rel. p/ Acórdão Min. Nilson Naves, DJU de 08.04.02).

2. Apenas a partir da vigência da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, é possível o acesso às informações bancárias do contribuinte na forma instituída pela Lei nº 10.174/2001, ou seja, sem a requisição judicial. A aplicação desse conjunto de normas para a obtenção de dados relativos a exercícios financeiros anteriores sem autorização judicial, como é o caso dos autos, implica ofensa ao princípio da irretroatividade das leis.

3. Assim, não pode a autoridade fazendária ter acesso direto às operações bancárias do contribuinte anteriores a 10.01.01, como preconiza a Lei Complementar nº 105/01, sem o crivo do judiciário.

4. Recurso especial provido.[62]

Por outro lado, a posição majoritária no tribunal segue a ideia que aceita a possibilidade de acesso aos dados bancários por parte do fisco mesmo antes da entrada em vigor da LC n°105/2001, é o que restou claro no REsp n° 541740/SC, nos seguintes termos de sua ementa:

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. SIGILO BANCÁRIO. UTILIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES DE MOVIMENTAÇÕES FINANCEIRAS PELAS AUTORIDADES FAZENDÁRIAS. RETROATIVIDADE DA LC 105/2001 E DA LEI 10.174/2001. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE,  DESPROVIDO.

1. A ausência de prequestionamento dos dispositivos legais tidos como violados torna inadmissível o recurso especial. Incidência das Súmulas 282 e 356/STF.

2. O entendimento desta Corte Superior é de que a utilização de informações financeiras pelas autoridades fazendárias não viola o sigilo de dados bancários, em face do que dispõe não só o Código Tributário Nacional (art. 144, § 1º), mas também a Lei 9.311/96 (art. 11, § 3º, com a redação introduzida pela Lei 10.174/2001) e a Lei Complementar 105/2001 (arts. 5º e 6º), inclusive podendo ser efetuada em relação a períodos anteriores à vigência das referidas leis.

3. Nesse sentido, os seguintes precedentes: EREsp 608.053/RS, 1ª Seção, Rel. Min. Teori   Albino Zavascki, DJ de 4.9.2006; AgRg no REsp 726.778/PR, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 13.3.2006, p. 213; REsp 645.371/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 13.3.2006, p. 260; AgRg no REsp 700.789/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 19.12.2005, p. 238; REsp 691.601/SC, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 21.11.2005, p. 190.

4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.[63]

A razão para a autorização do acesso sem a necessidade de decisão judicial guarda relação com a permissão constitucional atribuída às Comissões Parlamentares de Inquérito, com a diferença de que para o fisco exige-se subordinação prévia à regulamentação legal para que possa exercer seus poderes de fiscalização no tocante às informações bancárias de posse dos bancos e das instituições financeiras.

Bruno Schettini Condé[64] apresenta sua dissertação de mestrado para defender a constitucionalidade do artigo 6º da LC nº 105/2001 sob a análise dos tratados internacionais de direito tributário seu trabalho foi conduzido a partir do conceito de que referidos tratados prevalecem sobre as normas internas. Em sua obra, o objetivo do autor foi demonstrar que a decisão do STF no julgamento do RE 601.314 – SP, conforme será detalhado adiante, não teve como fundamento os compromissos assumidos pelo Brasil no sentido de promover a transparência e a cooperação global, no entanto, esta representa uma vertente a ser atualmente considerada em prol da manutenção do entendimento mais recente do STF em relação à matéria, ou seja, de agregar aos demais argumentos que pesam a favor da autorização direta para o fisco acesse os dados bancários sem necessidade de ordem judicial.

O regramento introduzido no ordenamento jurídico brasileiro a partir da LC nº 105/2001 contribui para a implementação das ações necessárias ao estrito cumprimento do princípio da capacidade contributiva, sem que isso implique em discricionariedade ou arbitrariedade, pelo contrário, no dizer de Roberto Massao Chinen[65], a LC nº 105/2001 e o Decreto nº 3.724/2001 estabelecem os limites que deverão observar os servidores do Fisco autorizados a requererem as informações bancárias. 

2.5 Histórico do entendimento jurisprudencial

Reconhecer a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas como garantias individuais não significa conferir contornos absolutos sem considerar a ponderação de outros princípios constitucionais coexistentes mediante critérios de razoabilidade e proporcionalidade no equacionamento dos princípios constitucionais.

Sobre a matéria de sigilo financeiro na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, José Paulo Baltazar Júnior nos traz importante registro acerca da matéria nos seguintes termos:

A primeira decisão do STF sobre a matéria encontrada foi o RMS n° 1.047, julgado em 6 de setembro de 1949, com a seguinte ementa: “os bancos não se podem eximir de ministrar informações, no interesse público, para o esclarecimento da verdade, essenciais e indispensáveis aos julgamentos das demandas submetidas ao Poder Judiciário.” Discutia-se na hipótese, a negativa de dois bancos em fornecer informações constantes em seus registros sobre os réus em ação de indenização promovida por empresa comercial contra ex-empregados seus que teriam cometido fraudes contra a empresa. Os bancos negavam-se ao fornecimento das informações, com argumento no segredo profissional. O STF, confirmando decisão anterior do Tribunal de Justiça, denegou a segurança, afirmando a primazia do interesse público.[66]

Após a entrada em vigor da LC n° 105/2001, em razão da repetitividade de recursos, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, acatou a tese da Fazenda Nacional que defendia a possibilidade do acesso por parte do fisco aos dados bancários do contribuinte, antes mesmo da LC n° 105/2001. Reproduz-se abaixo excertos da ementa do acórdão que teve como relator o Ministro Luiz Fux, publicado em 18/12/2009:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO.  QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS REFERENTES A FATOS IMPONÍVEIS ANTERIORES À VIGÊNCIA DA LEI COMPLEMENTAR 105/2001. APLICAÇÃO IMEDIATA. ARTIGO 144, § 1º, DO CTN. EXCEÇÃO AO PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE.

1. A quebra do sigilo bancário sem prévia autorização judicial, para fins de constituição de crédito tributário não extinto, é autorizada pela Lei 8.021/90 e pela Lei Complementar 105/2001, normas procedimentais, cuja aplicação é imediata, à luz do disposto no artigo 144, § 1º, do CTN.

2. O §1º, do artigo 38, da Lei nº 4.595/64 (revogado pela Lei Complementar nº 105/2001)[67], autorizava a quebra de sigilo bancário, desde que em virtude de determinação judicial, sendo certo que o acesso às informações e esclarecimentos, prestados pelo Banco Central ou pelas instituições financeiras, restringir-se-iam às partes legítimas na causa e para os fins nela delineados.

3. A Lei nº 8.021/90 (que dispôs sobre a identificação dos contribuintes para fins fiscais), em seu artigo 8º, estabeleceu que, iniciado o procedimento fiscal para o lançamento tributário de ofício (nos casos em que constatado sinal exterior de riqueza, vale dizer, gastos incompatíveis com a renda disponível do contribuinte), a autoridade fiscal poderia solicitar informações sobre operações realizadas pelo contribuinte em instituições financeiras, inclusive extratos de contas bancárias, não se aplicando, nesta hipótese, o disposto no artigo 38, da Lei 4.595/64.

4. O §3º, do artigo 11, da Lei nº 9.311/96, com a redação dada pela Lei 10.174, de 9 de janeiro de 2001, determinou que a Secretaria da Receita Federal era obrigada a resguardar o sigilo das informações financeiras relativas à CPMF, facultando sua utilização para instaurar procedimento administrativo tendente a verificar a existência de crédito tributário relativo a impostos e contribuições e para lançamento, no âmbito do procedimento fiscal, do crédito tributário porventura existente.

5. A Lei Complementar 105, de 10 de janeiro de 2001, revogou o artigo 38, da Lei 4.595/64, e passou a regular o sigilo das operações de instituições financeiras, preceituando que não constitui violação do dever de sigilo a prestação de informações, à Secretaria da Receita Federal, sobre as operações financeiras efetuadas pelos usuários dos serviços (artigo 1º, § 3º, inciso VI, c/c o artigo 5º, caput, da aludida lei complementar, e 1º, do Decreto 4.489/2002).

6. As informações prestadas pelas instituições financeiras (ou equiparadas) restringem-se a informes relacionados com a identificação dos titulares das operações e os montantes globais mensalmente movimentados, vedada a inserção de qualquer elemento que permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados (artigo 5º, § 2º, da Lei Complementar 105/2001).

7. O artigo 6º, da lei complementar em tela, determina que: "Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.

Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária."

8. O lançamento tributário, em regra, reporta-se à data da ocorrência do fato ensejador da tributação, regendo-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada (artigo 144, caput, do CTN).

9. O artigo 144, § 1º, do Codex Tributário, dispõe que se aplica imediatamente ao lançamento tributário a legislação que, após a ocorrência do fato imponível, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros.

10. Consequentemente, as leis tributárias procedimentais ou formais, conducentes à constituição do crédito tributário não alcançado pela decadência, são aplicáveis a fatos pretéritos, razão pela qual a Lei 8.021/90 e a Lei Complementar 105/2001, por envergarem essa natureza, legitimam a atuação fiscalizatória/investigativa da Administração Tributária, ainda que os fatos imponíveis a serem apurados lhes sejam anteriores (Precedentes da Primeira Seção: EREsp 806.753/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 22.08.2007, DJe 01.09.2008; EREsp 726.778/PR, Rel. Ministro Castro Meira, julgado em 14.02.2007, DJ 05.03.2007; e EREsp 608.053/RS, Rel. Ministro  Teori Albino Zavascki, julgado em 09.08.2006, DJ 04.09.2006).

11. A razoabilidade restaria violada com a adoção de tese inversa conducente à conclusão de que Administração Tributária, ciente de possível sonegação fiscal, encontrar-se-ia impedida de apurá-la.

12. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 facultou à Administração Tributária, nos termos da lei, a criação de instrumentos/mecanismos que lhe possibilitassem identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte, respeitados os direitos individuais, especialmente com o escopo de conferir efetividade aos princípios da pessoalidade e da capacidade contributiva (artigo 145, § 1º).

13. Destarte, o sigilo bancário, como cediço, não tem caráter absoluto, devendo ceder ao princípio da moralidade aplicável de forma absoluta às relações de direito público e privado, devendo ser mitigado nas hipóteses em que as transações bancárias são denotadoras de ilicitude, porquanto não pode o cidadão, sob o alegado manto de garantias fundamentais, cometer ilícitos. Isto porque, conquanto o sigilo bancário seja garantido pela Constituição Federal como direito fundamental, não o é para preservar a intimidade das pessoas no afã de encobrir ilícitos.

14. O suposto direito adquirido de obstar a fiscalização tributária não subsiste frente ao dever vinculativo de a autoridade fiscal proceder ao lançamento de crédito tributário não extinto.

15. In casu, a autoridade fiscal pretende utilizar-se de dados da CPMF para apuração do imposto de renda relativo ao ano de 1998, tendo sido instaurado procedimento administrativo, razão pela qual merece reforma o acórdão regional.

16. O Supremo Tribunal Federal, em 22.10.2009, reconheceu a repercussão geral do Recurso Extraordinário 601.314/SP, cujo thema iudicandum restou assim identificado: "Fornecimento de informações sobre movimentação bancária de contribuintes, pelas instituições financeiras, diretamente ao Fisco por meio de procedimento administrativo, sem a prévia autorização judicial. Art. 6º da Lei Complementar 105/2001."

17. O reconhecimento da repercussão geral pelo STF, com fulcro no artigo 543-B, do CPC, não tem o condão, em regra, de sobrestar o julgamento dos recursos especiais pertinentes.

18. Os artigos 543-A e 543-B, do CPC, asseguram o sobrestamento e

eventual recurso extraordinário, interposto contra acórdão proferido pelo STJ ou por outros tribunais, que verse sobre a controvérsia de índole constitucional cuja repercussão geral tenha sido reconhecida pela Excelsa Corte (Precedentes do STJ: AgRg nos EREsp 63.702/RN, Rel. Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 13.05.2009, DJe 27.05.2009; AgRg no Ag 1.087.650/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 18.08.2009, DJe 31.08.2009; AgRg no REsp 1.078.878/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 18.06.2009, DJe 06.08.2009; AgRg no REsp 1.084.194/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 05.02.2009, DJe 26.02.2009; EDcl no AgRg nos EDcl no AgRg no REsp 805.223/RS, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 04.11.2008, DJe 24.11.2008; EDcl no AgRg no REsp 950.637/MG, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 13.05.2008, DJe 21.05.2008; e AgRg nos EDcl no REsp 970.580/RN, Rel. Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, julgado em 05.06.2008, DJe 29.09.2008).

19. Destarte, o sobrestamento do feito, ante o reconhecimento da repercussão geral do thema iudicandum, configura questão a ser apreciada tão somente no momento do exame de admissibilidade do apelo dirigido ao Pretório Excelso.

20. Recurso especial da Fazenda Nacional provido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008.[68]

Em 15/12/2010, através do RE 389.808, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da quebra de sigilo de dados por parte da administração tributária sem a devida ordem judicial, considerando o tema resguardado pela reserva de jurisdição. A relatoria deste RE ficou a cargo do Ministro Marco Aurélio, de onde se extrai a seguinte ementa:

SIGILO DE DADOS – AFASTAMENTO. Conforme disposto no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, a regra é a privacidade quanto à correspondência, às comunicações telegráficas, aos dados e às comunicações, ficando a exceção – a quebra do sigilo – submetida ao crivo de órgão equidistante – o Judiciário – e, mesmo assim, para efeito de investigação criminal ou instrução processual penal. SIGILO DE DADOS BANCÁRIOS – RECEITA FEDERAL. Conflita com a Carta da República norma legal atribuindo à Receita Federal – parte na relação jurídico-tributária – o afastamento do sigilo de dados relativos ao contribuinte.

As ADIs nºs 2.386, 2.390, 2,397 e 2,859, de relatoria do Min. Dias Toffoli e as ADIS 4.006 e 4.010, de relatoria da Min. Rosa Weber, também enfrentam esta questão cujo tema guarda pertinência temática com o que se discutiu no RE 601.314 – SP e será detalhado em tópico subsequente.

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Monografia apresentada como requisito para conclusão do curso de Bacharelado em Direito da Faculdade Processus. Profa. Orientadora: Ms. Luiza Cristina de Castro Faria.

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