O acesso a dados bancários pelo fisco sem autorização judicial

Exibindo página 3 de 5
28/06/2018 às 14:47
Leia nesta página:

CAPÍTULO 3: Possibilidade de quebra do sigilo bancário sem autorização judicial

3.1 Limitações constitucionais

Não há, conforme já apresentado, uma previsão constitucional expressa que trate especificamente da matéria sobre o sigilo bancário, por outro lado, o princípio da capacidade econômica mediante identificação do patrimônio, rendimento e atividades econômicas dos contribuintes mereceu o devido tratamento constitucional nos termos do §1° do art. 145 da CF/88.

Existem outras disposições constitucionais que fundamentam a atividade de fiscalização do Estado, nos incisos XVIII e XXII do art. 37, inciso IV do art. 170, e art. 237, todos da CF/88.

Conforme será apresentado mais adiante, a tendência observada para que o Brasil participe ativamente de instrumentos de cooperação internacional visando o combate aos ilícitos fiscais e seus reflexos, como no caso da lavagem de dinheiro, por exemplo, também encontra o devido respaldo constitucional nos termos do inciso IX do art. 4° da CF/88, informando que a República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelo princípio da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, dentre outros.

Portanto, para o cumprimento da finalidade institucional pelo fisco da exigência do tributo devido respeitando princípios constitucionais como o da isonomia e da capacidade contributiva, é necessário que tenham a seu dispor instrumentos que possibilitem a identificação do patrimônio e das atividades econômicas dos contribuintes.  

3.2 Doutrina

Os vetores que atuam em vista de uma pacificação acerca deste tema apontam no sentido de concordar com a possibilidade do Fisco ter acesso aos dados bancários dos contribuintes como forma de cumprimento de sua função institucional. Pela bibliografia consultada este é o posicionamento de grande parte da doutrina, opinando nesse sentido, Eurico Marcos Diniz de Santi[69], Marcos Aurélio Pereira Valadão[70], este último informa que:

Portanto, não restam dúvidas de que, nos termos atuais, não existe sigilo bancário para a Administração Tributária brasileira, preenchidos os requisitos previstos na LC n° 105/2001 e na sua regulamentação. É importante ressaltar que é esta a prática e a tendência internacional atual. Por exemplo, o Chile recentemente alterou sua legislação que albergava um tradicional sistema de sigilo bancário, a Suíça, famosa por sua praça bancária que operava sob rígido sigilo, e que agora se dispõe a ceder as informações, desde que devidamente formalizado o pedido nos termos da legislação e dos tratados assinados.

Contudo, ainda persistem autores que resistem à ideia atual de relativização do sigilo bancário, como é o caso de Renato Rasera[71] em monografia de conclusão de curso de especialização, Ives Gandra da Silva Martins[72], que entende “não ser justo que a autoridade fiscal seja ‘parte e juiz’ e tenha o poder de decidir a quebra de sigilo de qualquer contribuinte”.

Eduardo Salomão Neto[73], apesar de admitir não ser o sigilo bancário um direito absoluto, apenas reconhece como possibilidades de exceção quando quebrado por ordem judicial, ou nos casos de requisição de comissão parlamentar de inquérito.

Para Ives Gandra[74] a manutenção do sigilo bancário envolve uma questão de segurança jurídica, pois a mera possibilidade de divulgação indevida dos dados bancários de um determinado contribuinte seria suficiente para criar uma instabilidade no comportamento dos cidadãos, gerando insegurança jurídica. Nas palavras do renomado autor:

O acesso indiscriminado gera insegurança e o que é pior, em época de globalização da economia, transferência de investimentos, que poderiam ser realizados no Brasil, para outros países, onde o sigilo é preservado, como ocorre na maior parte das nações civilizadas.[75]

Na sequência de sua argumentação, segue o ilustre doutrinador apontando o arbítrio fiscal como mazela a ser combatida através da atuação de uma autoridade neutra capaz de decidir pela possibilidade de quebra do sigilo bancário, qual seja, o magistrado, uma vez que o direito ao sigilo em questão se reveste da qualidade de um direito fundamental do contribuinte. Faz ainda menção a um relatório da OCDE de 1990, onde 17 países são citados e a maioria admite a possibilidade de acionamento do poder judiciário para efetivar a quebra do sigilo bancário. Quanto à essa menção, o Brasil também se enquadra nesse universo de países, já que remanesce inafastável a possibilidade de autorização judicial para situações nas quais não haja autorização legal para acesso aos dados bancários como no caso do que é previsto na LC nº 105/2001, ou seja, existe essa possibilidade na esfera cível ou criminal.

Por último, Ives Gandra, ainda em relação ao mencionado relatório da OCDE, cita a Argentina e a Itália como países que admitem o acesso aos dados bancários sem autorização judicial. No caso da Argentina, justifica-se em função do resquício dos regimes ditatoriais que a dominaram por um certo tempo. Já em relação à Itália, o autor atribui essa sistemática ao decurso da operação “mãos limpas” (mani pulite), que foi uma operação de combate à corrupção sistêmica que assolava aquele país na década de 90. Sendo assim, informa o professor que referido sistema de combate à criminalidade organizada não seria adaptável ao Brasil, e daí verificamos a importância de revisitar a doutrina e a jurisprudência acerca de temas polêmicos como este que se propõe discutir.

Sobre essa última afirmação apontada por Ives Gandra, não foi o que se observou no Brasil a partir da operação Lava Jato, desde sua deflagração em 17 de março de 2014. A partir dos números colecionados por esta operação, conclui-se que houve um enfrentamento, como nunca antes, imposto à corrupção sistêmica e ao crime organizado de colarinho-branco praticado pelo alto empresariado brasileiro e também pela classe política dominante, o mesmo podendo ser dito em relação aos milhões de Reais que já foram devolvidos aos cofres públicos.[76]

Para Marcus Lívio Gomes, Marcus Abraham e Vítor Pimentel Pereira[77], a informação que antes gozava da proteção do sigilo bancário quando ainda permanecia na instituição financeira correspondente, ao transferir a informação ao Fisco, esta passa a ser protegida pelo sigilo fiscal que passa a proteger seu conteúdo, o mesmo vale dizer em relação ao compartilhamento, dentro da própria Administração Pública, das informações obtidas pelo Fisco, para instrução de processo de apuração de infração administrativa.

Eduardo Gambi e Gustavo Pompílio seguem na mesma linha de argumentação, o que permite afirmar que após um longo período de insegurança jurídica do tema o que se verifica é um alinhamento mais homogêneo por parte da doutrina, senão vejamos:

O principal argumento para defender que o Fisco pode acessar diretamente os dados de seus contribuintes é de que não há, propriamente, quebra de sigilo bancário, mas sim transferência de sigilo.

Isso se dá porque a administração tributária, ao receber os dados sigilosos das instituições financeiras, também tem o dever de mantê-los, por força do art. 198 do Código Tributário Nacional (CTN), em segredo, sob sigilo fiscal.

Com efeito, não haveria qualquer violação à intimidade ou à privacidade do contribuinte, uma vez que em nenhum momento é verificada a disclosure, isto é, a divulgação dos referidos dados a terceiros.[78]

Demonstra-se coerente o argumento doutrinário exposto, seja por encontrar respaldo constitucional e legal para o acesso aos dados bancários por parte do fisco, seja pela evolução jurisprudencial acompanhando o julgamento mais recente do STF conforme se verá mais adiante, ou ainda, segundo os rumos assumidos pela comunidade internacional, que orientada pelo princípio da transparência tributária recomenda o intercâmbio de informações fiscais entre os membros signatários de tratados internacionais em matéria tributária.   

3.3 O sigilo bancário e a comunidade internacional

As normas internas de direito tributário coexistem em nosso ordenamento com outras oriundas de tratados internacionais dos quais o Brasil se fez signatário. Portanto, é de suma importância considerar no estudo sobre a matéria em que medida as consequências provenientes desses tratados influenciam no direito brasileiro a partir do momento que ingressam no feixe de normas nascidas no ordenamento pátrio.

Para terem validade no Brasil, os tratados internacionais devem ser firmados por autoridade nacional competente e em momento posterior deverão ser ratificados pelo Congresso Nacional através de um decreto legislativo. Por último, publica-se um decreto de lavra do poder executivo, que após a devida publicação estará apto a entrar em vigor, nos termos de que dispõe o art. 49, inciso I e art. 84, inciso VIII, ambos da CF/88.

Analisados a partir do aspecto constitucional, não há dispositivo na CF/88 que determine a supremacia dos tratados internacionais sobre as leis internas brasileiras, tendo o STF considerado a tese de que há paridade entre os tratados e as leis internas, no Recurso Extraordinário n° 80.004-SE.

Em matéria tributária, cumpre ainda mencionar o artigo 98 do CTN, o qual discorre acerca da prevalência dos acordos internacionais sobre a legislação tributária interna, tal como segue:

Art. 98. Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha.

Antônio de Moura Borges[79] chama atenção para uma impropriedade cometida na redação do mencionado artigo 98, onde em caso de conflito, o “tratado internacional prevalece sobre a legislação interna, sem, no entanto, revogá-la ou modificá-la”. Ainda, segundo o autor, há juristas que fundamentam a primazia dos tratados internacionais em matéria tributária não no comando do art.98 do CTN, mas sim por se tratar de regra de interpretação mais específica (lex specialis derrogat legi generali), o que não altera o posicionamento a favor da prevalência dos tratados internacionais sobre a legislação interna.[80]

Outra questão que precede a discussão acerca do sigilo bancário no Brasil e o seu relacionamento no contexto da comunidade internacional, diz respeito ao que preceitua o artigo 192 da Constituição Federal:

Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram. 

Pelo que se pode observar, apenas lei complementar poderá dispor sobe normas gerais de organização e disciplina do Sistema Financeiro Nacional, como o faz a Lei Complementar n° 105/2001, regulando o setor através do sigilo das operações ativas, passivas e serviços prestados. Enquanto a lei complementar segue rito rigoroso para sua aprovação pela maioria dos membros das casas respectivas, os tratados internacionais, conforme já mencionados, necessitam da aprovação do decreto legislativo, com trâmite regulamentado pelo Regimento Interno do Congresso Nacional, com maioria simples para sua aprovação, conforme preceitua o artigo 47 da CF/88.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), é um foro internacional composto por 35 países dedicados à promoção de padrões convergentes em vários temas, sobretudo nas áreas econômica, financeira e comercial. O Brasil não é membro efetivo da OCDE, mas tem participado como país convidado em alguns eventos e deliberações desde 1990, além de apresentar formalmente sua candidatura a país-membro em 2017. Vários países em desenvolvimento têm demonstrado interesse na adesão à comunidade da OCDE, considerando que a qualidade de país-membro representa um selo de qualidade para o detentor do título, já que se tornará signatário de uma série de acordos vinculantes no plano internacional de cooperação entre esses países-membros.[81]

Um dos grandes temas discutidos no âmbito da OCDE é justamente o acesso aos dados bancários com a finalidade de promoção da atividade de fiscalização. O assunto começa a ser melhor investigado a partir de 1998, ainda associado ao nível do combate à corrupção, mas esbarrava na limitação apresentada por alguns países que não permitiam o acesso aos dados bancários, limitando as ações de combate à corrupção, e também à lavagem de dinheiro.

Vasco Branco Guimarães menciona que em 2000 a OCDE elaborou um relatório onde foram relacionadas questões relevantes no sentido de proporcionar aos países-membros um padrão em relação ao sigilo bancário, destacando-se as seguintes questões:

  1. Proibição de contas anônimas;
  2. Possibilidade de identificação por parte das entidades bancárias dos titulares das contas e das transações efetuadas;
  3. Revisão de todo e qualquer requisito de interesse próprio como condição de acesso a informação fiscal para fornecer a contrapartes de uma convenção de dupla tributação;
  4. Revisão das políticas e práticas que impeçam as autoridades fiscais de ter acesso a informação bancária, direta ou indiretamente, com vistas à troca de informação fiscal sobre assuntos relevantes criminalmente;
  5. Tomar as iniciativas necessárias para atingir o acesso à verificação das responsabilidades fiscais ou outros fins fiscais administrativos, com vistas a fazer alterações, caso necessário, às leis, regulamentos e práticas administrativas;
  6. Melhorar a capacidade e eficácia dos sistemas de informação;
  7. Examinar como desenvolver uma estratégia de cumprimento voluntário de forma a permitir que os contribuintes faltosos possam declarar o rendimento e a fortuna omitidos das declarações fiscais através do uso de jurisdições fiscais com sigilo bancário restritivo;
  8. Encorajar economias não OCDE a incrementar o acesso a informação bancária para todos os fins fiscais;
  9. Os países membros da OCDE com territórios dependentes ou associados que têm responsabilidades especiais ou prerrogativas tributárias em relação a outros territórios foram encorajados a promover, dentro do seu quadro constitucional, a implementação das medidas acima referidas.[82]

Em 2003, o relatório de progresso da OCDE já apontava a impossibilidade de abertura de contas anônimas na comunidade, sendo obrigatória a identificação dos clientes. Vasco Branco[83] diferencia o acesso direto de acesso indireto aos dados bancários, sendo o acesso direto aquele realizado pelas autoridades competentes legalmente autorizadas, sem que para isso haja necessidade de uma decisão judicial autorizando o acesso, e o acesso indireto o que se utiliza da figura de um magistrado que deverá autorizar ou denegar o pedido de acesso. Para o autor, desde que seja possível assegurar a celeridade na resposta judicial, esta última seria a melhor opção considerando o fato de que a decisão é tomada por uma entidade independente, assegurando que a reserva da intimidade da vida privada estaria mais protegida neste caso. Contudo, conclui Vasco Branco[84] apontando que a OCDE promoveu uma série de modificações nas limitações a dados protegidos por sigilo fiscal, dos quais destacamos: a proibição de contas anônimas, identificação do depositante e a ampliação das jurisdições fora da OCDE com troca de informações para efeitos fiscais que incluem dados sob sigilo bancário, dentre outras medidas.

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy[85] faz referência ao art. 26 da Convenção Modelo da OCDE, que dispõe que não se prestigiam eventuais exceções à obrigatoriedade de troca de informações com o objetivo de negar o envio de dados em função do sigilo bancário. O Brasil, conforme já mencionado, apesar de ainda não ser um membro efetivo da OCDE, apresentou restrições ao modelo proposto, recusando-se incluir em seus tratados a quebra do sigilo bancário, conforme previsto no item 5 do art. 26 do modelo referenciado. O autor então propõe o abandono a essa forma de restrição, e sugere a inserção do Brasil em um contexto internacional de cooperação e de transparência, e a adoção por parte do Brasil ao comando do item 5 do art. 26 do modelo da OCDE.

André de Souza Carvalho e Hernani Carvalho Júnior reproduzem referido item 5 com a seguinte redação:

5. O disposto no parágrafo 3° não pode em caso algum ser interpretado no sentido de permitir que um Estado Contratante se recuse a prestar informações unicamente porque essas são detidas por um banco, ou outra instituição financeira, um mandatário ou por uma pessoa agindo na qualidade de agente fiduciário, ou porque essas informações são conexas com os direitos de propriedade de uma pessoa.[86]

O dispositivo faz menção justamente ao sigilo bancário, impedindo que um Estado signatário se exima da responsabilidade imposta pela convenção, ainda que internamente, seu ordenamento jurídico tutele tais informações sob o manto da proteção aos dados bancários.

Já em 2012 esses autores defendiam uma maior adequação do posicionamento do Brasil perante a comunidade internacional, apresentando a seguinte conclusão a respeito do tema:

O Brasil não pode andar na contramão da história. O combate à evasão fiscal internacional e apoio a maior cooperação internacional em matéria tributária são tendências mundiais, como se pode constatar ao longo do presente trabalho. Foi inaugurada no últimos dez a quinze anos uma nova era onde a informação de um fisco deve circular para os pares nas administrações tributárias dos outros países envolvidos em uma operação transnacional, sempre visando um ambiente de cooperação e transparência, sem erosão da base tributária de um ou outro Estado contratante.[87]

Tão importante quanto a busca pela fundamentação do sigilo bancário no direito constitucional fundamental à inviolabilidade da vida privada e da comunicação de dados, é o reconhecimento dos tratados internacionais em matéria de transparência fiscal dos quais o Brasil é signatário, e que convergem para a ideia de acesso aos dados bancários pelo Fisco independentemente de reserva de jurisdição.

Contudo, não foi esta a argumentação preponderante da qual se apropriaram a maioria dos Ministros do STF no julgamento do RE 601.314-SP e que se posicionaram a favor do acesso do Fisco aos dados bancários dos contribuintes sem a necessidade de autorização judicial. Nesse sentido, retoma-se dissertação apresentada por Bruno Schettini Condé, nela o autor analisou pormenorizadamente cada um dos votos dos Ministros do STF no referido julgado, e apontou para cada um deles a ausência de uma fundamentação calcada em compromissos internacionais:

No entanto, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal utilizou, de forma secundária, o argumento que a constitucionalidade do artigo 6º, da Lei Complementar n. 105/2001, estaria amparada nos princípios do Direito Tributário Internacional e garantiria a aplicação dos tratados internacionais firmados pelo Brasil que preconizam a transparência, a cooperação e o combate a crimes, como terrorismo, lavagem de dinheiro, evasão fiscal e corrupção.

Alguns Ministros sequer mencionaram a assinatura de tratados internacionais cujo objetivo é promover a transferência de dados bancários dos contribuintes com o objetivo de promover a cooperação global no âmbito tributário, cuja finalidade é aumentar a arrecadação dos países, restringir a atuação dos paraísos fiscais e combater os crimes relacionados, tais como evasão fiscal, lavagem de dinheiro, corrupção e inclusive terrorismo.

Na eventualidade de decisão que declarasse a inconstitucionalidade do referido artigo, isso significaria um retrocesso em relação aos diversos compromissos internacionais firmados pelo Brasil, o que poderia causar inclusive responsabilização no âmbito internacional, por descumprimento de tratado internacional.[88]

Acatando referidas considerações que fundamentaram a decisão proferida pelo STF no RE 601.314-SP, permite agregar uma argumentação mais recente de forma a reforçar a possibilidade de acesso aos dados bancários em prol do fiscal, baseando-se na tendência internacionalmente assumida.  

3.3.1 O fórum global

A crise financeira de 2007 e que afetou particularmente os Estados Unidos em 2008, provocou uma tendência internacional à chamada transparência tributária internacional, refletindo no fortalecimento do Fórum da Transparência e Troca de Informações Tributárias, criado pela OCDE, com a participação de diversos países membros não necessariamente associados, como no caso do Brasil, que aderiu ao Fórum em setembro de 2009, no México. Marcos Aurélio Pereira Valadão[89] ressalta que o G20, que reúne as economias mais importantes do mundo, dentre elas o Brasil, vem trabalhando desde a crise de 2007 para buscar eventuais soluções preventivas para que crises semelhantes não aconteçam. Na cúpula de Londres em 2009, o G20 estabeleceu que dentre as ações a serem tomadas pelos governos participantes, estaria a troca de informações tributárias, sem favorecimento ao sigilo bancário.

Marcos Aurélio Pereira Valadão e Henrique Porto de Arruda[90] chamam atenção para o fato de que para o fisco alcançar a finalidade de realização da capacidade contributiva, além de captar recursos para o financiamento dos demais serviços, é essencial que lhe seja franqueado o acesso aos dados dos contribuintes, sobretudo os bancários. Os autores realçam que, no caso das transações internacionais, também se observa essa necessidade e que o padrão internacional de troca de informações tributárias (que foi estabelecido pelo Fórum Global, e do qual o Brasil faz parte) é claro em sua normatização ao estabelecer que não se opõe ao fisco o sigilo dos dados bancários.

Portanto, o Fórum Global da Transparência Tributária passa a constituir-se em um locus de debates e discussões onde o fortalecimento da transparência tributária passa a ser seu objeto, visando a troca de informações em matéria tributária para evidentemente evitar que fraudes e planejamentos abusivos consigam burlar os mecanismos legais e de fiscalização.

3.3.2 O F.A.T.C.A.

Não é recente o empenho e a percepção dos Estados Unidos acerca de todo e qualquer fator que possa impedir o pleno desenvolvimento econômico e a promoção de um mercado competitivo e bem definido, inclusive sob a proteção e fiscalização de agências e marcos regulatórios.

Ainda era o ano de 1977, quando o congresso Norte-Americano havia promulgado um conjunto de atos denominados Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), permitindo que durante um razoável período de tempo os Estados Unidos fossem o único país a possuir ativamente uma legislação destinada a proibir a prática de suborno em relação a agentes administrativos de países estrangeiros, conforme leciona André Luiz da Silva dos Santos[91] em sua tese de doutorado.

Essa preocupação com os entraves na busca pela plenitude do desenvolvimento econômico, fizeram com que os Estados Unidos percebessem o que a comunidade internacional se daria conta apenas a partir da década de 90, ou seja, que os custos envolvidos na corrupção em nível internacional possuem grande relevância em termos de impacto negativo para a economia nacional, representando uma das mais significativas externalidades negativas.[92]

Em resumo, os FCPA possuem basicamente dois mecanismos de funcionamento, sendo que um diz respeito à proibição do oferecimento de propinas a funcionários públicos de outras nacionalidades, pertencentes a outros países, esse mecanismo se aplica aos nacionais, às companhias de capital aberto ou com ligações com os Estados Unidos, além de qualquer um jurisdicionado nos Estados Unidos. O outro mecanismo obriga a manutenção de contabilidade e de registros nas operações domésticas e estrangeiras das companhias de capital aberto.[93] 

A mundialização da economia e a evolução do processo de globalização neoliberal fizeram com que houvesse um forte crescimento dos crimes de corrupção e suborno transnacionais, a prática desses crimes se prolifera atravessando fronteiras e limites que antes seriam mais facilmente detectados ou pela dificuldade física de transpor tais barreiras, ou ainda, pelo lapso temporal que seria demandado para sua consumação.

Na seara do combate à corrupção em nível internacional, detacam-se três importantes convenções, das quais o Brasil é signatário, que foram justamente elaboradas no intuito de realizar um esforço conjunto entre os países signatários para esta finalidade, são elas: a Convenção Interamericana de Combate à Corrupção (OEA), a Convenção da Nações Unidas contra a Corrupção (ONU) e a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

A transnacionalidade das relações comerciais e o intercâmbio de informações associados à revolução digital, ampliaram as possibilidades de práticas de outras infrações que não somente aquelas relatadas em relação à corrupção. A evasão e sonegação tributária também representam para a economia de uma nação as mesmas ameaças que as observadas nos parágrafos precedentes, e é nessa toada que surge o Foreign Account Tax Compliance Act, ou F.A.T.C.A., onde se observa mais uma vez o pioneirismo norte americano na busca por uma solução no sentido de ultrapassar os obstáculos que mais uma vez se posicionam contra a busca pelo pleno desenvolvimento econômico.

A partir da crise financeira de 2008 observada nos Estados Unidos, estimou-se que US$ 350 bilhões não declarados ao fisco foram enviados ao exterior por cidadãos norte-americanos[94]. No ano de 2009, uma investigação levada a efeito pelo fisco norte-americano resultou na entrega, por parte do banco suíço UBS, de 4.500 nomes de correntistas norte-americanos, por suspeita de evasão fiscal e também por sonegação de impostos. Era o início das discussões, em nível de comunidade internacional, da relativização do sigilo bancário, que já demonstrava sinais de mudança nas legislações internas dos países, e que teve como marco regulatório o Foreign Account Tax Compliance Act - F.A.T.C.A., permitindo que o Internal Revenue Service – IRS (a Receita Federal dos Estados Unidos) descobrissem quem eram os contribuintes estadunidenses que enviavam dinheiro para o exterior sem o respectivo pagamento dos tributos devidos. Pelo F.A.T.C.A., as instituições financeiras oriundas de países que aderissem à regulamentação, deveriam, a partir de 2013, informar ao fisco norte-americano sobre as operações financeiras e contas de clientes que também fossem contribuintes nos Estados Unidos. As informações prestadas abrangem os nomes, saldos em contas e investimentos.

Os Estados Unidos não podem simplesmente obrigar pelo F.A.T.C.A. que as instituições financeiras de outros países quebrem o sigilo bancário dos seus cliente, sendo assim, para estimular a adesão ao regramento, aquelas instituições que não aderirem serão consideradas não cooperantes, tendo como maior e pior consequência, a retenção de 30% dos rendimentos auferidos em operações nos E.U.A., podendo representar inclusive a absorção de prejuízos a depender do percentual de ganho obtido em determinado investimento.[95]

A partir deste marco regulatório e com o estímulo do Departamento do Tesouro dos E.U.A., não pararam de crescer a assinatura de acordos bilaterais visando cooperação através de trocas de informações bancárias dos cidadãos dos países signatários, assim, países como o Reino Unido, Alemanha, França, Itália e Espanha, já assinaram acordos bilaterais com os Estados Unidos. Países considerados paraísos fiscais, como Luxemburgo e Irlanda, também firmaram acordos de cooperação com a mesma finalidade.[96]

Toda essa regulamentação normativa trazida pelo contexto do F.A.T.C.A. desde 2010, vem ao encontro do apelo que hoje pode-se observar com o conceito modernamente construído de transparência, além de contribuir invariavelmente com o combate a crimes como o de corrupção, terrorismo, narcotráfico, contrabando e lavagem de dinheiro, normalmente todos esses crimes andam de mãos juntas, sendo que a criminalidade organizada percebeu há tempos a possibilidade de ocultação dos seus ganhos com as atividades ilícitas atrás das cortinas do sigilo bancário. 

Carolina Reis Jatobá Coelho[97] em sua dissertação de mestrado analisa a incorporação do Foreign Account Tax Compliance Act - F.A.T.C.A. ao ordenamento jurídico brasileiro em face do nosso conceito doutrinário e jurisprudencial em matéria de sigilo bancário. Esta lei norte americana alterou a legislação tributária do país produzindo efeitos extraterritoriais através do encaminhamento automático de informações pessoais e movimentação financeira ao fisco norte americano. Os problemas levantados pela autora em 2015 parecem pacificados com o posicionamento do STF a partir de 2016, mesmo assim a obra nos fornece uma série de pontos de interesse no que diz respeito à internacionalização do tema.

3.4 Posicionamento do STF

A constitucionalidade que se questiona acerca do artigo 6° da LC n° 105/2001 se resume, por tudo o que foi exposto, no questionamento do direito à privacidade no ordenamento jurídico brasileiro. Não há na Carta Magna garantia genérica para o direito à privacidade capaz de impedir todas as hipóteses de violação a esse direito, como nos casos em que há interesse público envolvido, ou quando houver necessidade de fazer prevalecer o princípio da isonomia tributária, na medida em que se pretende identificar o patrimônio e as atividades econômicas dos contribuintes para possibilitar o estabelecimento de critérios de tributação graduados segundo a capacidade contributiva de cada cidadão, aplicando por consequência a almejada justiça fiscal.

Os julgados mais recentes dos tribunais superiores, sobretudo do STF, têm decidido pela possibilidade de acesso por parte do fisco aos dados bancários dos contribuintes, independentemente de autorização judicial.

Ricardo Pinha Alonso e Ana Flavia de Andrade Nogueira Castilho[98] informam que desde 2001, com a publicação da LC nº 105/2001 se instalou a discussão sobre a inconstitucionalidade do acesso direto aos dados bancários por parte do fisco sem a respectiva autorização judicial. Os incisos X e XII do artigo 5º da CF/88, conforme já comentado, seriam os principais argumentos de ordem constitucional a impedir a possibilidade de acesso aos dados bancários pelo fisco (direito à intimidade e à privacidade do indivíduo).

A partir de então e até o ano de 2016, a discussão ganhou relevo e ampliou-se a insegurança jurídica na medida em que o próprio STF divergia acerca da constitucionalidade do tema. A doutrina em geral consultada para elaboração desta monografia menciona o fato de que somente em 2016 o STF se posicionou analisando um julgado com repercussão geral (RE nº 601.314/SP), além de mais 4 Ações Diretas de Inconstitucionalidade.

Nesse julgado, ficou decidido que o artigo 6º da LC nº 105/2001 não ofende o direito ao sigilo bancário, pois é justamente através dessa possibilidade de acesso ao fisco que se materializa o princípio da isonomia tributária por meio da delimitação da capacidade contributiva de cada cidadão. Além disso, referida norma que foi devidamente regulamentada por decreto, estabelece uma série de requisitos objetivos para sua implementação. No julgado do STF restou claro que de fato verifica-se o traslado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal, permanecendo, portanto, o dever de manutenção da confidencialidade dos dados e informações transferidas.

O acesso, portanto, não configura quebra de sigilo, mas apenas a transferência deste sigilo ao fisco que se obriga à manutenção do caráter sigiloso desses dados e informações.

Conforme afirmou Tânia Nigri[99], a decisão tomada pelo STF no RE 601.314/SP não extinguiu o sigilo bancário no Brasil, mas apenas admitiu uma flexibilização em relação à Administração Tributária, até mesmo porque os dados deverão continuar sendo preservados da publicização imotivada.

Além do julgamento do RE 601.314/SP, com repercussão geral reconhecida, também tramitaram no STF quatro ações diretas de inconstitucionalidade buscavam a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 5º e 6º da LC nº 105/2001, (ADIs 2.390, 2.397, 2.386 e 2.859) todas de relatoria do Ministro Dias Toffoli, e que não prosperaram, conforme se apresenta no quadro elaborado por Celso de Barros Correia Neto[100]:

Caso

Requerente

Objeto

Resultado

RE 601.314

Contribuinte

Artigo 6º da LC 105/2001 e aplicação retroativa da Lei 10.174/2001

Negado provimento

ADI 2.390

Partido Social Liberal (PSL)

Parágrafo 4º do artigo 1º, artigo 5º e artigo 6º da LC 105/2001 e Decreto 3.724/2001

Improcedente

ADI 2.386

Confederação Nacional do Comércio (CNC)

Artigo 5º e artigo 6º da LC 105/2001

Improcedente

ADI 2.397

Confederação Nacional da Indústria (CNI)

Artigo 1º, parágrafo 3º, VI (no tocante às remissões ao artigo 5º e 6º da LC 105/2001), artigo 3º, parágrafo 3º; artigo 5º e artigo 6º da LC 105/2001, artigo 1º da LC 104, no que alterou o artigo 198 do CTN, e Decreto 3.724/2001

Improcedente

ADI 2.859

Partido Trabalhista Brasileiro (PTB)

Artigo 5º da LC 105/2001 e decretos 4.489/2002 e 4.545/2002

Prejudicada quanto ao Decreto 4.545/2002.Improcedente

Os fundamentos utilizados pelo Supremo no julgamento podem ser resumidos em ao menos três: o reconhecimento de que há necessidade de prover a Administração Tributária de instrumentos eficientes de fiscalização; a concretização da justiça fiscal por intermédio do acesso às informações bancárias pelo fisco, que a partir das informações acessadas poderá exercer o princípio da capacidade contributiva com maior eficácia; e a tendência internacional na qual se vislumbra uma maior relativização do sigilo bancário.

De todo modo, não se atribuíram poderes ilimitados ao fisco para que devassasse sem justificativa ou motivação a vida dos contribuintes. Há que se observar os limites da lei e do decreto regulamentador para que não sejam viciados os procedimentos fiscais que por ventura vierem a ser instruídos com essas informações.

Por último, a recente decisão do Supremo Tribunal Federal não decretou o fim do sigilo bancário no Brasil e nem atribuiu poderes ilimitados à autoridade fiscal responsável pela fiscalização de contribuintes. Como toda decisão judicial, é possível que o tribunal venha enfrentar o tema novamente algum caso concreto, até mesmo porque haverá repercussão não só na esfera federal, mas também nos outros entes federativos. Por ora, cumpre observar as determinações da Corte Suprema e de preservar os dados bancários que vierem a ser transferidos ao fisco.                         

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Monografia apresentada como requisito para conclusão do curso de Bacharelado em Direito da Faculdade Processus. Profa. Orientadora: Ms. Luiza Cristina de Castro Faria.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos