Desde 2000, 4 (quatro) emendas constitucionais tornaram livres 20% dos recursos de um só nível de governo: o federal. Eis a chamada DRU – Desvinculação de Recursos da União. Antes vigorou, no contexto do Plano Real (1994), mecanismo assemelhado: o Fundo Social de Emergência.
Aludida desagregação tem incidido, em maior grau, sobre as contribuições sociais (COFINS, CSLL etc.) e as taxas; é assim porque essas duas espécies tributárias não são partilhadas com Estados e Municípios.
Sendo assim, o mecanismo tem desamarrado parte do orçamento federal, garantindo recursos para os juros da dívida (superávit primário) e, por isso, redução, ou menor crescimento, do endividamento da União.
Agora, a Emenda Constitucional 93, de 8 setembro de 2016, elevou para 30% o nível de liberação, abrangendo, pela primeira vez, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
Nesse cenário, foi criada a DRE – Desvinculação de Recursos dos Estados, bem como a DRM – Desvinculação de Recursos dos Municípios.
No tocante à DRM, assim determina a Emenda 93; no caput do art. 73-B, do ADCT:
“São desvinculados de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2023, 30% (trinta por cento) das receitas dos Municípios relativas a impostos, taxas e multas, já instituídos ou que vierem a ser criados até a referida data, seus adicionais e respectivos acréscimos legais, e outras receitas correntes”
Vai daí que, até 2023 e a contar de 1º de janeiro de 2016, livre está de afetação a seguinte fatia do orçamento municipal: 30% da receita de impostos, taxas, multas e outras receitas correntes.
Conforme o parágrafo único da antes transcrita norma, a liberalidade não alcança as seguintes receitas vinculadas;
a) Os 25% de impostos para a Educação;
b) Os 15% de impostos para a Saúde;
c) As contribuições para o regime próprio de previdência (RPPS), seja a quota patronal ou a descontada dos servidores (quota dos segurados);
d) As contribuições de assistência à saúde dos servidores;
e) As receitas alusivas a repasses entre entes da Federação; obrigatórios ou voluntários;
f) As receitas de fundos pertencentes ao Tribunal de Contas do Município, instituição que só existe em duas localidades do Brasil: São Paulo e Rio de Janeiro.
Aqui, comparece uma questão polêmica: considerando que a sobredita norma desvinculatória não se refere, explicitamente, à espécie Contribuição, então dela não escaparia a Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (CIP ou COSIP – código 1230.00.00)?
Como antes visto, a Emenda 93 isenta da desvinculação as receitas de contribuições previdenciárias e de assistência à saúde dos servidores, sendo que ambas integram o grupo Receita de Contribuições (1200.00.00).
Ora, se todas as contribuições estivessem fora da regra desvinculatória, por que então ressalvar, excetuar, excepcionar as contribuições previdenciárias e de saúde?
Dito de outro modo, se as contribuições previdenciárias e de saúde precisaram ser afastadas da regra, é porque os outros componentes da espécie Contribuição entram, sim, na possibilidade desvinculatória do caput, ou seja, liberdade de aplicação de 30% do arrecadado; até 2023 e a contar de 1º de janeiro de 2016.
Do contrário, não haveria nenhuma necessidade de excetuar, textualmente, as contribuições previdenciárias e de saúde.
E não há de alegar que, por natureza, a contribuição está intimamente vinculada a tal ou qual despesa, pois também é assim com as taxas, espécie tributária que se inclui, de forma expressa e literal, na regra desvinculatória (art. 76-A e 76-B, do ADCT).
Assim, no dispositivo que cria a Desvinculação de Receitas Municipais, a DRM (Art. 76-B, do ADCT), a expressão “outras receitas correntes” não diz respeito ao padrão classificatório da receita pública (STN), mas, sim, à generalidade dos ingressos correntes, isto é, todos aqueles que, sob a categoria corrente, se acrescem aos impostos, às taxas e às multas.
De fato, se aquela norma se baseasse nas fontes classificatórias do art. 11, § 4º, da Lei 4.320, de 1964, descabido explicitar, nos art. 76-A e 76-B, parte da Receita Tributária (impostos e taxas); parcela de Outras Receitas Correntes (multas) e, depois, toda a fonte Outras Receitas Correntes. Haveria uma não razoável mistura de fontes e componentes das fontes de receita.
Em suma, a CIP (ou COSIP) pode, sim, ingressar na norma desvinculatória, em razão do que segue:
- Se todas as contribuições não se incluíssem na DREM, não faria sentido excluir, no inciso II, § único, art. 76-B, do ADCT, parte delas: as contribuições previdenciárias e de saúde.
- Para o caso, não há de alegar que, por natureza, a contribuição está intimamente vinculada a tal ou qual despesa, pois também é assim com as taxas, espécie tributária que se inclui, de forma expressa e literal, na regra desvinculatória (art. 76-A e 76-B, do ADCT).
- Desde que não liberados os 30% da Cosip, a Emenda 93 teria pouquíssima serventia no Município, só alcançando, na prática, as taxas e as multas de trânsito.
- Nesse contexto, haveria tratamento desigual entre os entes federados, pois a União, somente em 2016, viu desvinculada a soma de R$ 118 bilhões (30% das contribuições sociais, da CIDE e das taxas).
- De outro lado, Estados e Municípios também precisam desatrelar recursos de fontes superavitárias, no intento de gerar saldo para reduzir seu elevado endividamento (superávit primário).
- No art. 76-B, do ADCT, “outras receitas correntes” não exprime, a rigor, o grupo classificatório da Secretaria do Tesouro Nacional (código 1900.00.00), mas, sim, demais receitas da categoria corrente, que se adicionam aos impostos, taxas e multas.
Ante todo o exposto, é possível concluir que, por força da Emenda Constitucional 93, de 2016, no Município e até o fim de 2023, escapam da original vinculação 30% das seguintes rubricas:
- CIP (ou COSIP);
- Multas de trânsito;
- Taxas;
- Receitas de fundos especiais (Ex.: criança e adolescente; idoso).